Para aproveitar os recursos da caatinga é preciso, antes de mais nada, conter a devastação, afirmam os especialistas. De acordo com estudos coordenados pelo pesquisador Washington Rocha, da Universidade Estadual de Feira de Santana, 59% da vegetação original já sofreu transformação.
O número apresentado por Rocha é superior ao fornecido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que encomendou o estudo e considera que o índice é 36%. "Para nós, 41% são núcleos autenticamente remanescentes. O número adotado pelo governo agrega parte da cobertura com fortes indícios de antropização (influência humana)", diz Rocha.
Segundo ele, até por causa do preconceito de se considerar a área limitada, não foram criadas estratégias de conservação. Só 1,8% do território é protegido por unidades federais de proteção integral. "Há várias regiões com espécies endêmicas raras que não são preservadas. Esse estigma prejudicou e prejudica até hoje a região. A caatinga nem sequer é considerada patrimônio nacional pela Constituição."
Um dos resultados do desmate é o agravamento do processo natural de desertificação do semi-árido. "O uso intensivo do solo cria processos não controláveis de erosão, a cobertura vegetal não se reinstala mais", explica. Essa situação já ruim pode ser piorada pelo aquecimento global, cuja tendência é diminuir as chuvas, podendo transformar o semi-árido em deserto. A manutenção da mata remanescente, por outro lado, pode ajudar a segurar o avanço.
De acordo com o pesquisador, algumas áreas que vêm sendo desmatadas com mais intensidade merecem atenção, em especial uma região compreendida entre Piauí, Bahia e Ceará, derrubada para alimentar o pólo gesseiro de Pernambuco (responsável por abastecer quase o Brasil inteiro). "Assim como o cerrado de Minas foi desmatado para servir de combustível para a indústria siderúrgica", compara Rocha. "Com o agravante de que a caatinga tem uma capacidade menor de recuperação." Sem nenhum projeto de sustentabilidade, esse processo vem ocorrendo ao longo dos últimos cem anos.
A ameaça também vem da frente agrícola, que avança para a caatinga nas regiões de fronteira com o cerrado, que são mais propícias para a soja. Em outros pontos, a derrubada ocorre para o plantio de mamona, por causa da emergência dos biocombustíveis.
(Por Giovana Girardi,
Estadão, 02/07/2008)