Avanço do desmate para produzir carvão destinado a empresas ameaça cerca de 200 mil ha ao ano em MSO Pantanal está na mira de sofrer uma agressão semelhante à que ceifou boa parte do seu primo vizinho, o cerrado: a derrubada da mata nativa para alimentar os fornos da indústria siderúrgica. O alerta foi lançado pelo Ibama no começo do ano, quando o órgão constatou que as atividades de extração de lenha para a produção de carvão estavam ameaçando uma área de mais de 200 mil hectares por ano em Mato Grosso do Sul, em especial na Bacia do Alto Paraguai, onde está incluída a planície pantaneira.
Essa conclusão foi baseada em um monitoramento de quase dois anos e no fato de que 44% dos 10 milhões de metros de carvão vegetal (1 mdc é o equivalente ao quanto cabe de carvão em uma caixa de 1 m3) transportados no Brasil, em 2007, tiveram origem no Estado. Isso levou à criação de um grupo de trabalho para fiscalizar as atividades das carvoarias na região sul do Pantanal e na Serra da Bodoquena. Por meio de uma operação de cruzamento dos dados do chamado Sistema-DOF (Documento de Origem Florestal), o Ibama tem conseguido identificar o consumo de carvão de origem ilegal.
Só no mês passado, 60 siderúrgicas (55 de Minas, 4 de Mato Grosso do Sul e 1 do Espírito Santo) foram multadas pelo consumo de 800 mil m3 de carvão ilegal em 2007, no valor de R$ 414,7 milhões. Pelos cálculos do instituto, esse carvão é resultante de operações no cerrado e no Pantanal.
É uma quantidade suficiente para preencher 10 mil caminhões que, se enfileirados, ocupariam 200 km de extensão, segundo o Ibama.
Para o gerente de Pantanal da ONG Conservação Internacional, Sandro Menezes, esses números são resultado da falta de um processo mais atento de concessão de licenças. "Não está ocorrendo vistoria do lugar, o que abre espaço para irregularidades. O cruzamento de dados identifica isso lá na frente, mas aí a mata já foi derrubada."
De acordo com especialistas, a atividade carvoeira tem ocorrido tanto na Bacia do Alto Paraguai quanto na planície, que compreende o bioma propriamente dito. Por enquanto, acredita-se que a ameaça é maior na parte alta, onde a vegetação predominante é o cerrado, mas isso não deixa o Pantanal em uma situação confortável. É no planalto que se encontram as nascentes dos vários rios que vão formar a planície pantaneira depois.
Rico em minério de ferro, o Pantanal por muito tempo apenas exportou o produto, sem beneficiamento. Somente nos últimos anos surgiram as primeiras siderúrgicas e, mais recentemente, começou a instalação de um pólo que deve elevar a produção a milhões de toneladas por ano.
Um estudo encomendado pela Conservação Internacional tentou contabilizar o impacto que essa expansão pode ter no ambiente. O principal problema considerado pelo pesquisador André Carvalho, da Fundação Getúlio Vargas, é que o estoque legal de madeira plantada que pode ser convertida em carvão em Mato Grosso do Sul é insuficiente para atender a demanda.
Carvalho calculou que, no ano passado, para abastecer o novo complexo minero-siderúrgico de MS, eram necessárias 240 mil toneladas de carvão (ou 5,5 mil hectares de área plantada para corte). Em 2009, isso deve subir para 400 mil t (9 mil ha); em 2011, para 1,4 milhão (32 mil ha); e, a partir de 2015, serão necessários 2,4 milhões de t (56 mil ha).
A árvore mais usada nas reservas é o eucalipto, mas, como ele leva sete anos para chegar à fase de corte, a área necessária para o abastecimento contínuo do complexo deve ser, pelo menos, sete vezes maior do que a de corte.
Assim, no auge da produção de ferro-gusa, a área plantada deveria ser de 392 mil ha, calculou o economista.
O Estado de MS dispõe hoje de, no máximo, 5 mil ha prontos para o corte. Considerando a demanda de 9 mil para 2009, o déficit de 4 mil ha pode provocar uma pressão imediata sobre 40 mil ha de mata nativa.
Isso porque a produtividade das áreas plantadas é dez vezes maior do que nas áreas naturais.
A remoção da vegetação na cabeceira dos rios abre espaço para que uma enxurrada de sedimentos corra para a água. O caso mais emblemático desse problema no Pantanal é a história do Rio Taquari. Ele sofreu um assoreamento tão devastador, a partir da década de 1970, que foi capaz de mudar o seu curso, provocando inundações permanentes em áreas onde antes eram fazendas de gado.
Manter esse equilíbrio é importante também para outras áreas do País, como a Bacia do Prata. É a planície pantaneira que regula seu fluxo de água ao reter por meses o volume que desce das nascentes dos rios durante o período de cheias e liberá-lo, aos poucos, para a bacia. Se essa vegetação se perder, as chuvas podem começar a descer rapidamente, com potencial de provocar enchentes nas cidades à beira do Rio Paraguai.
Em levantamento paralelo ao do Ministério do Meio Ambiente, a CI apontou que já há motivo de preocupação. Segundo o estudo, cerca de 17% do Pantanal foi perdido até 2004 (para o MMA esse número é de 11%). Em toda a Bacia do Alto Paraguai, o desmatamento estimado pela ONG foi de 44%.
(Por Giovana Girardi,
Estadão, 02/07/2008)