A diversidade de fauna, especialmente de aves, que encanta turistas e pesquisadores na região do Cristalino (MT), acaba de ganhar uma explicação de peso: tanta vida é atraída por uma diversidade até então desconhecida de ambientes naturais. Essa foi a conclusão de um relatório preliminar de vegetação elaborado por pesquisadores da Fundação Ecológica Cristalino (FEC) e Jardim Botânico Kew Gardens, da Inglaterra, com apoio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). Juntos, eles tiveram uma noção bem realista de quão complexa é a vegetação nesse pedaço tão pressionado da Amazônia.
Entre os dias 24 de janeiro e 13 de fevereiro deste ano as equipes percorreram diversas fisionomias de vegetação dentro do Parque Estadual Cristalino I e II (184 mil hectares), administrados como se fossem uma só unidade de conservação pela Sema. Seis meses antes, elas haviam analisado os quase sete mil hectares de vegetação nas três Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) de propriedade de dona Vitória da Riva, contíguas ao parque. Foi graças a esse trabalho nas reservas, parte do Programa Flora Cristalino, que a iniciativa foi estendida ao parque vizinho.
De acordo com o relatório, o parque contém florestas altas, densas, perenifólias a decíduas, além de floresta periodicamente inundada, matas de cipó abertas, diversos tipos de campinarana, vegetação associada a afloramentos rochosos, ribeirinhas, lacustres, etc. Conforme explica o analista de meio ambiente da Sema, Elton Antônio Silveira, um levantamento específico como este jamais foi feito em outra unidade de conservação do Mato Grosso. “O grande diferencial é a possibilidade de maior qualidade na fase de taxonomia”, considera Elton.
Mais de mil amostras de plantas foram coletadas, mas o número de registros pode ser bem mais significativo, já que os indivíduos ainda estão sendo analisados nos laboratórios do Kew Gardens. Além disso, está prevista para os próximos meses uma nova etapa de campo para que os pesquisadores conheçam o parque no período de seca e observem as plantas nas diferentes épocas de floração.
Por enquanto, um dos maiores destaques dos levantamentos é uma possível nova espécie de Compositae, da família da margarida, do girassol, do crisântemo e da alcachofra. “Essa é uma das maiores famílias em números de espécie, mais comuns em ambientes abertos, como de Cerrado”, explica Denise Sasaki, pesquisadora da FEC. Se confirmado, pode ser um novo registro para Mato Grosso.
“Foi um esforço de campo bem maior, com uma equipe de botânica especializada”, diz Denise. Graças a esse trabalho, ela acredita que algumas dúvidas serão definitivamente resolvidas. “A classificação dessa vegetação do Cristalino sempre foi um pouco controversa”, diz ela. Segundo a pesquisadora, a base de dados da Secretaria Estadual de Planejamento, por exemplo, é bastante diferente dos registros identificados pela empresa Tangará, que em 2002 foi contratada para elaborar o plano de manejo do parque. A tarefa ficou incompleta e, ano passado, teve que ser iniciada do zero com recursos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa).
Ameaças
Com o perdão do trocadilho, infelizmente não foram só flores que encontraram os botânicos no parque do Cristalino. Conforme caminhavam, topavam com clareiras, acampamentos abandonados e estradas que revelam a ocorrência de intensa atividade madeireira nas florestas atualmente protegidas. Também foram encontradas evidências recentes da passagem de fogo em diversas localidades. Em algumas dessas áreas, prejuízos à vista, como a proliferação de espécies invasoras.
Como fogo na floresta amazônica normalmente não é natural, a solução nesses casos foi olhar para os lados. Quase todas essas áreas eram circundadas por fazendas de pecuária, onde as queimas são feitas anual e deliberadamente. E, enquanto existirem grandes fazendas de gado em pleno funcionamento dentro dos limites do parque do Cristalino, essa situação não tende a mudar. O resultado de antigas e novas pressões de desmatamento são nada menos que 15% da área do parque totalmente abertos até 2007, de acordo com informações do Instituto Centro de Vida (ICV).
Além da existência de fazendas – que exercem grande pressão para redução da área protegida – a construção de duas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no entorno e no interior do parque do Cristalino são outra fonte de preocupação para pesquisadores e gestores ambientais. Só a PCH Rochedo vai destruir diretamente 500 hectares de floresta ombrófila densa, uma das principais e mais conservadas fisionomias da unidade, segundo o relatório. “Trata-se de um trecho de floresta em boas condições e cuja lista preliminar de espécies arbóreas parece detectar uma das áreas mais biodiversas de florestas observadas dentro do parque”, diz o texto.
A recomendação dos pesquisadores é de que, diante das pressões e da riqueza em pleno arco do desmatamento, mais incentivos sejam dados para novas estudos no parque. A intenção e conhecer melhor a vegetação em relação à composição florística, distribuição e processos ecológicos. Principalmente na área de inundação da usina Rochedo, que atualmente encontra-se embargada pela Justiça por irregularidades ambientais.
Os levantamentos botânicos caíram do céu para a Sema, que pretende aproveitar esses resultados no plano de manejo do parque, a ser concluído até o fim do ano. Em 2008, recebeu do Arpa 400 mil reais para a atividade. Com parte desse recurso, a secretaria espera pelo menos concluir a reforma de um posto fiscal às margens do rio Teles Pires, praticamente a única benfeitoria do estado na área.
Clique aqui para ler o relatório preliminar de vegetação na integra.
(Por Andreia Fanzeres, OEco, 02/07/2008)