A Organização Internacional do Trabalho – a OIT, órgão das Nações Unidas –alerta: o amianto, ou asbesto, mata por ano no mundo 100 mil trabalhadores. No Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 1 milhão de pessoas podem estar em contato direto com a fibra assassina ou do diabo, como é conhecido esse mineral. Ele é cancerígeno. Está banido em 49 países, incluindo Argentina, Chile, Uruguai e União Européia. Aqui, é proibido no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e mais recentemente São Paulo. No dia 4 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 7 votos a 3 que a lei 12.684, que veta o uso do amianto no Estado, é constitucional. Em bom português: está proibido no Estado de São Paulo.
O aposentado Aldo Vicentin, 66 anos, secretário-geral da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), não pôde comemorar esta vitória. Enquanto a lei era julgada no STF, ele internava-se no Instituto do Coração de São Paulo, o Incor, para a batalha da sua vida: extirpar o mesotelioma – tumor maligno de pleura, membrana que reveste o pulmão. É muito agressivo, incurável, praticamente intratável, causado pela exposição ocupacional ou ambiental ao amianto. A quase totalidade dos portadores morre em um ano; a expectativa de vida é de, no máximo, 2 anos. Aldo é casado com dona Gisélia, tem duas filhas e um neto.
"De 1964 a 1968, trabalhei no depósito de materiais da Eternit, em Osasco; ajudava a carregar caminhões com tubos, caixas d’água, telhas”, relembra antes da cirurgia. “Tinha 22 anos, nem sabia o que era amianto. Só ao requerer a aposentadoria, em 1994/1995, descobri que havia trabalhado em condições insalubres, perigosas."
Aldo já perdeu a conta dos amigos que o amianto levou. “Agora, sou eu que estou com esse passivo”, diz, indignado, referindo-se ao tumor, que se manifestou 44 anos depois. “Foi de repente. Comecei a sentir canseira, sem fôlego para subir uma rampa... Na radiografia de um ano e meio atrás não havia nada. A que fiz há três meses mostrou meu pulmão esquerdo inteiramente tomado.” Dona Gisélia está arrasada: “O mesotelioma parece furacão; destrói tudo pelo caminho”.
“No início, não sabíamos que o amianto fazia mal e tivemos alguns casos de disfunção respiratória na fábrica de Osasco, já desativada. Usávamos principalmente o anfibólio”, diz Élio Martins, presidente do Grupo Eternit, o maior do País no setor de amianto. “Por volta de 1980, passamos a trabalhar só com a crisotila, fizemos altos investimentos em medidas de proteção e eliminamos todos os riscos da atividade profissional. De lá para cá, não temos nenhum trabalhador doente nas nossas fábricas nem na nossa mineradora.” A mineradora é a SAMA, responsável pela única mina de amianto em exploração; fica em Minaçu, Goiás. Anfibólio é um outro grupo de amianto, no qual estão inseridos o amianto marrom e o azul, já banidos no mundo inteiro; têm maior poder de agressividade que a crisotila, ou amianto branco.
“Não são apenas alguns casos, mas milhares de pessoas com doenças pulmonares graves, entre as quais o mesotelioma”, afirma Fernanda Giannasi, engenheira de segurança do trabalho e auditora fiscal do MTE, em São Paulo. “Como é possível garantir que a partir de 1980 ninguém ficou doente? É futurologia. Nós trabalhamos com epidemiologia, e os estudos demonstram que as doenças do amianto levam 20, 30, 40 anos para se manifestar. O mesotelioma do Aldo levou 44!”
“Ainda por cima, há enorme subnotificação; tem muita gente morrendo de mesotelioma sem saber”, revela o pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Há falta de acesso à saúde e despreparo dos médicos para fazer o diagnóstico adequado. Nos anos 90, o mesotelioma provocava, em média, 100 mortes por ano; em 2000, perto de 200. “A tendência é crescer o número de casos e o de óbitos”, enfatiza.
Adilson Santana, funcionário da SAMA há 22 anos, diretor do Sindicato dos Mineiros de Minaçu e vice-presidente da Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), desconversa: “Diferentemente de até 1980, hoje não há risco algum nem para os trabalhadores da mina nem para os das fábricas. É totalmente seguro trabalhar com a crisotila”.
“O vice-presidente da CNTA falta com a verdade!”, declara Eliezer João de Souza, 67 anos, presidente da Abrea e funcionário da Eternit de 1967 a 1981. A crisotila também é cancerígena. Em 2007, quando esteve em Minaçu para organizar o movimento local, viu duas pessoas morrerem por causa do amianto. Lá também descobriu que há vários casos de câncer de pessoas que começaram a trabalhar com amianto depois dos anos 80. Em Minaçu, a população não tem noção dos perigos que corre. Além disso, a CNTA atua a favor dos interesses da indústria e não a favor do trabalhador.
“Quem trabalha com amianto está com a corda no pescoço”, vaticina Eliezer. “O atestado de óbito está pronto. É só questão de tempo para ser assinado.” Em 2000, ele teve que extrair nódulos no pulmão. Agora, está com suspeita de asbestose, mais conhecida como “pulmão de pedra”. A doença provoca o “endurecimento” do pulmão, levando pouco a pouco à perda progressiva da capacidade respiratória; pode evoluir para a morte -- a chamada morte lenta.
“Mágico" assassinoAmianto é o nome comercial adotado para um conjunto de minerais constituídos basicamente de silicato de magnésio, rocha presente na natureza. Dependendo da região, é só tirar a camada vegetal, você a encontra. Em forma bruta, não prejudica a saúde se o ser humano deixá-la quieta. Em geral, as fibras que libera naturalmente no ar por ação de ventos e chuvas são grandes e não inaladas; os próprios pêlos do nariz barram a entrada delas no aparelho respiratório.
O problema começa no processo de mineração. A rocha é moída; 5% se transformam em fios que lembram cabelo. São as fibras. As graúdas têm alto valor comercial. Quanto mais diminutas elas se tornam, mais invisíveis ficam a olho nu. Chegam a ponto de só poderem ser observadas ao microscópio. Viram poeira muito fina.
O amianto é um produto barato, durável, altamente resistente – o fogo não o destrói --, capaz de se transformar em fios e tecidos. Daí, durante muito tempo, ter sido considerado um mineral “mágico”. Fazem-se centenas de coisas com ele. Combinado com cimento, por exemplo, forma uma massa, como a de bolo, fácil de moldar. O resultado são telhas, painéis acústicos, forros, pisos, divisórias de ambiente, caixas d’água, tubulações. Já ligado a certas resinas dá origem a pastilhas de freio, revestimento do disco de embreagem, lona de fricção.
Não à toa está por todo canto. Da reserva indígena de São Marcos, em Roraima, à coxia do Theatro São Pedro, em São Paulo. E esteja você em casa, escola, local de trabalho, parque, carro, ônibus, é bem provável que aí ou nas proximidades haja algo com amianto.
“Porém, desde 1906, se sabe que o amianto é danoso à saúde”, adverte Fernanda Giannasi. Na ocasião, uma pesquisa na Inglaterra demonstrou que trabalhadores que manipulavam amianto tinham “entupimento” nos pulmões, que provocava limitação respiratória progressiva e incapacitante.
Na década de 1940, estudos começaram a ventilar a possibilidade de o amianto ser cancerígeno. Na década de 1950, não restavam mais dúvidas. Uma doença chamada mesotelioma estava relacionada a ele. Os estudos subseqüentes só aprofundaram essa correlação. Na década de 1980, já se conheciam praticamente todas as doenças decorrentes da exposição ao amianto e os grupos atingidos. A Agência Internacional para Pesquisa de Câncer, a IARC (sigla da instituição em inglês), coloca então o amianto na lista de substâncias reconhecidamente cancerígenas para o ser humano. A IARC é órgão ligado à Organização Mundial de Saúde (OMS), sediado em Lyon, na França. A partir daí, o amianto passa a ser denominado a fibra assassina ou do diabo.
Doenças do amiantoO amianto está associado a vários problemas de saúde. “No curto prazo, um ou dois anos, pode desencadear doenças que reduzem a capacidade respiratória”, informa o pneumologista Hermano de Castro. “Isso acontece devido a um processo inflamatório.”
O pulmão é como uma grande “esponja” ligada a “canos” que transportam ar para o seu interior. A traquéia e os brônquios são os “canos”. A “esponja”, ou parênquima pulmonar, são os milhares de alvéolos: “saquinhos”, onde o oxigênio respirado, essencial à vida, é trocado pelo gás carbônico, “lixo” produzido pelo organismo. “A ‘esponja’ representa 90% da área dos pulmões”, explica a médica Iolanda Calvo Tibério, professora livre-docente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP. “O amianto inflama justamente o parênquima pulmonar, podendo causar granuloma.”
A “esponja” é bem elástica, para que os pulmões se encham de ar e se esvaziem adequadamente. A inflamação, porém, altera esse tecido, tornando-o fibroso. É como a cicatriz que se forma na pele quando a gente leva um corte. O local fica mais duro, com menos elasticidade. Inflamado cronicamente pode dar origem a nódulos – os granulomas. “Ainda, gradativamente, o pulmão, perde a sua capacidade de se expandir de modo adequado”, prossegue Castro. “A pessoa tem falta de ar, canseira, tosse e muco.”
Em geral, depois de 10, 15 anos de exposição ao amianto, a fibrose altera a própria estrutura do pulmão. É a asbestose, ou fibrose pulmonar. O pulmão “endurece”, perdendo progressivamente a sua capacidade de se expandir. Provoca falta de ar, dor nas costas, cansaço, emagrecimento. “Não tem cura, mesmo que a pessoa nunca mais entre em contato com amianto”, avisa Castro. “Leva lentamente à morte.”
No longo prazo, o amianto pode promover alterações nas células, causando câncer de pulmão. Leva 25 a 30 anos para se manifestar. A pessoa exposta ao amianto e, ao mesmo tempo, fumante tem 57 vezes mais probabilidade de ter esse tumor maligno do que quem não está nessas duas situações. É que o amianto e o tabaco têm efeito sinérgico: um potencializa o malefício do outro.
Também, no longo do tempo, pode induzir ao mesotelioma de pleura (membrana que reveste o pulmão), de peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) e de pericárdio (membrana que recobre o coração). É um tumor maligno e extremamente agressivo, incurável e fatal e pode aparecer 35, 40 e até 50 anos após o primeiro contato com o amianto. De 1983 a 2003, há contabilizado no SUS 2.414 óbitos de brasileiros por mesotelioma. O número real, porém, é certamente bem maior. Os dados oficiais são apenas a ponta de um imenso iceberg.
Independente da dose“Mas a crisotila não é cancerígena, ao contrário do anfibólio”, diz Marina Júlia de Aquino, presidente do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC). “A legislação fixa limite de fibras no ambiente de trabalho, que nossas associadas [11] cumprem. Hoje, com certeza, os trabalhadores não têm risco.” O IBC é uma instituição criada nos moldes do Instituto da Crisotila, no Canadá, com o qual mantém estreitas relações. O objetivo principal é fazer lobby a favor dos interesses da indústria.
O site da Eternit, na seção Perguntas mais freqüentes, reforça o discurso da presidente do IBC: Somente os trabalhadores expostos, durante longos períodos, a altas concentrações de fibras, fazem parte do grupo de risco. Os trabalhadores das indústrias que seguem as regras do uso controlado estão totalmente seguros. Diz mais: Hoje, os riscos do amianto crisotila se constituem não em uma questão de saúde pública, mas de saúde ocupacional. Na entrevista a esta repórter, o presidente Élio Martins repisa: “O amianto é apenas problema de saúde ocupacional. Não temos nenhum caso no Brasil de pessoa que usou telha ou caixa d’água com amianto e teve problema de saúde”.
Vamos por partes:1) O fato de o amianto crisotila ser menos nocivo não significa ser inócuo ou que faça bem à saúde.
2) Todas as formas e tipos de amianto são cancerígenos, inclusive a crisotila pura. É a posição da IARC (Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer), da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, o famoso INSERM, da França. Também a da Fiocruz, no Brasil.
3) A asbestose, realmente, é dose-dependente. Quanto mais o trabalhador fica exposto ao amianto, maior a probabilidade de ele desenvolver a doença.
4) Já o mesotelioma não é dose-dependente. “É mentira que exista dose segura para o câncer; a única quantidade que protege é a exposição zero”, alerta o médico Hermano de Castro. “Mesmo que você se exponha por curto período e sob baixa dose ao amianto, pode vir a ter mesotelioma no futuro”.
5) Não é verdade que é um problema apenas de quem trabalha com o mineral. “Familiares e moradores próximos às minas estão em risco, assim como quem se submete à exposição ambiental”, avisa Fernanda Giannasi. Por exemplo, operários de oficinas mecânicas, da construção civil (cortam telhas, divisórias), colocadores de telha, pessoas que moram em casas com telhas de amianto que estejam degradadas, liberando fibras para o ambiente.
“Acompanhamos aproximadamente 100 esposas de ex-empregados; cinco já têm placas pleurais”, corrobora o médico do trabalho Vilton Raile, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Osasco. Placas na pleura podem acarretar falta de ar, cansaço, dores nas costas e tosse com catarro. As cinco se contaminaram, lavando as roupas dos maridos. “Há um caso, confirmado, de mesotelioma de pleura”, acrescenta Eliezer, presidente da Abrea. “Essa senhora já morreu e se contaminou como as outras cinco esposas.”
Saúde pública“O amianto não é apenas questão de saúde ocupacional”, sustenta Hermano de Castro, coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz. “É problema de saúde pública, sim.”
O próprio Hermano justifica:1) Estudos epidemiológicos indicam que parte das pessoas atingidas pelo mesotelioma tem história de exposição direta, explícita. Mas outra parcela, não; neste caso, as evidências são de exposição ambiental. Os mais suscetíveis, mesmo expostos em baixas doses, correm o risco de ter esse tumor maligno.
2) Uma vez que há pessoas que têm mesotelioma vinculado à exposição ambiental ao amianto, ele torna-se problema de saúde pública.
3) Problema ocupacional é também problema de saúde pública.
4) Quando trabalhadores ou ex-empregados expostos ao amianto adoecem, vão para o SUS em busca de tratamento e para o INSS à procura de seguridade social. Aí, todos os seus custos passam a ser pagos pela sociedade em geral. Logo, mais um motivo para ser considerado problema de saúde pública e não só de saúde ocupacional.
Produto como testemunhaA esta altura, sabemos que algumas perguntas são inevitáveis. Pedimos a Fernanda Giannasi, que também coordena a Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, para respondê-las.
Ninguém na minha família trabalha com amianto. Por que deixar de usar esse tipo de telha, que é mais barata, resistente e vários vizinhos têm?Fernanda Giannasi - Porque o amianto, mesmo em baixas doses, é cancerígeno. Vá até uma loja de materiais de construção e descobrirá que na telha ou qualquer produto de cimento-amianto, por exemplo, está escrito: ao cortar ou furar não respire a poeira gerada, pois pode prejudicar gravemente a saúde. É porque, ao se cortar ou furar uma telha, centenas de fibras de amianto são liberadas no ar. E inala essa “poeira” não só quem faz o serviço, mas todo mundo que está no ambiente. Além disso, o material, com o tempo, se degrada e, ao ser manipulado, se desfaz, liberando fibras de amianto na sua casa, no meio ambiente. Logo, é um risco a ser considerado e temido.
Se eu respirar uma fibra, posso ficar doente?Fernanda - Pode, dependendo de onde ela se alojar.
Mas tem tanta gente que trabalhou com amianto e não tem nada... Tem tanta gente que mora em casa com telha de amianto e não tem nada...Fernanda - Não tem nada hoje. Mas é impossível garantir que não venha a ter no futuro.
Se as doenças mais graves levam, no mínimo, 25 anos para se manifestar, às vezes até 50, como é o caso do mesotelioma, e nós estamos em 2008, como é possível garantir que as pessoas que trabalharam a partir de 1980 não ficarão doentes? Isso é uma irresponsabilidade...uma leviandade. Quem foi exposto nos anos 80, só vai ter o seu mesotelioma a partir de 2015, 2025.
Risco, omissões a ameaça de morteSe o amianto é cancerígeno e desde os anos 80 se conhece todos os seus malefícios, por que ainda não foi banido no mundo inteiro?
"É um dos lobbies mais eficazes jamais visto. Me faz lembrar o do tabaco”, diz Joan Kuyek, da Mining Watch, organização não-governamental do Canadá, no documentário francês A morte lenta pelo amianto, de Sylvie Deleule. “O mesmo tipo de mito, mesmo tipo de ciência, mesmo gênero de cumplicidade entre industriais, trabalhadores e governo na forma de agir, para minimizar os riscos.
“Eu fui da Cipa [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes] da Eternit, fiz cursos de doença do trabalho, mas só em 1995 descobri que o amianto era cancerígeno”, conta Eliezer de Souza. “A cada dois anos, nós fazíamos raio X de pulmão. Nunca soubemos do resultado. O doutor Wagner sabia o que estava acontecendo e escondia da gente. Eu tinha muita pneumonia e não sabia o porquê.”
O doutor é Wagner José Meirelles. Foi o médico responsável da Eternit de 1974 (aproximadamente) a 1993, quando a fábrica de Osasco fechou. Depois, atuou na Associação Brasileira do Amianto (Abra). Hoje mora em Ubatuba, litoral norte de São Paulo: “Eu me lembro do Eliezer, mas eu me aposentei e não quero mais falar sobre o assunto. Os trabalhadores me viam como pessoa da empresa, o que não era verdade. Fui eu quem instituiu todos os controles não só de saúde como de ambiente do trabalho na empresa”.
A repórter voltou a contatar o médico Wagner José Meirelles:Além do Eliezer, outros ex-empregados disseram que só souberam que o amianto era cancerígeno por volta de 1995...Wagner José Meirelles - Desde 1984/85, eles já sabiam dos riscos do amianto. Agora, se acham que foram prejudicados, que procurem os seus direitos. É legítimo.
Soube que num debate na Assembléia Legislativa de São Paulo, quando se discutia a primeira lei do banimento do amianto em São Paulo [só aprovada em 2001], o senhor pediu a palavra e chorou quando viu ex-empregados da fábrica. É verdade?Meirelles - Eu não chorei. A Fernanda Giannasi me chamou de omisso. Achei injusto e pedi para falar. Com a voz embargada, convoquei os trabalhadores para que, se tivessem alguma coisa contra mim, falassem. Todos calaram.
Segundo a Fernanda, em 1987, o senhor tinha conhecimento de seis casos de doenças pelo amianto, que não foram comunicados ao INSS por decisões superiores. Em 1996, o senhor teria lhe dito que muitos casos passaram por suas mãos, foram relatados à matriz, na Suíça, e a ordem foi de que não fizesse nenhum alarde; que cada um, quando descobrisse, procurasse os seus direitos na Justiça. O senhor confirma?Meirelles - Não é verdade.
“O Wagner disse que negaria tudo se um dia eu revelasse essas informações”, manifesta-se Fernanda. “Tenho a consciência tranqüila, até porque o alertei. Infelizmente, alguns médicos ainda contribuem para a invisibilidade social das doenças do amianto no Brasil -- o chamado silêncio epidemiológico. Fazem isso quando atendem os casos e não geram informações nem para o INSS nem para o Ministério da Saúde, apesar de muitas vezes serem profissionais da rede pública de saúde. Será isso ético ou moral?”
Nem uma ameaça de morte calou Fernanda. Em janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e o motorista do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em Unaí, Minas Gerais. Cinco dias depois da chacina, uma carta anônima, intimidatória, lhe foi enviada.
Fernanda dedica-se à causa do amianto desde 1985. É a maior referência na área no Brasil. Incomoda, aqui e lá fora. Em abril de 2001, Denis Hamel, diretor do Instituto da Crisotila do Canadá mandou uma carta ao então Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, Francisco Dornelles, pedindo “para repreendê-la e enquadrá-la”. Fernanda é auditora fiscal do MTE, lotada na Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo. No documentário A morte lenta pelo amianto, Hamel justifica a retaliação: “Ela dá declarações mentirosas, exageradas, que prejudicam enormemente os esforços da indústria”.
Uso controlado é impossívelFernanda Giannasi e os “velhinhos da Abrea”, como os defensores do amianto se referem malevolamente aos ex-empregados e membros da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, começam a colher os frutos de mais de uma década de batalha. No dia 4 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que a lei 12.684, que proíbe o uso do amianto no Estado de São Paulo, é constitucional.
“Uma vitória histórica do direito à saúde, à prevenção de doenças e ao meio ambiente equilibrado”, avalia Mauro Menezes, advogado da Abrea e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP).
Até essa decisão, segundo o advogado da Abrea e da ANPT, o argumento usado pelos defensores do amianto para derrubar as leis municipais e estaduais de banimento era de que elas violavam um princípio federativo, pois existe uma lei federal sobre o assunto. E, com base nesse raciocínio formal, havia a superveniência da lei federal sobre a estadual. Só que havia – e há! – uma discussão muito mais significativa, também constitucional, que é avaliar se o uso do amianto, ainda que controlado, ofende ou não o direito à saúde, à redução do risco de doença, à valorização social do trabalho, à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente equilibrado.
“Pela primeira vez o STF eliminou as questões preliminares e foi ao cerne do problema, tomando por base trabalhos científicos idôneos”, afirma Menezes. “O STF considerou de forma muito convicta que todo tipo de amianto, em função da lesividade ao ser humano, não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida.”
Essa foi a segunda tentativa de se banir o amianto no Estado de São Paulo. A primeira lei, aprovada em 2001, foi revogada pelo STF por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). A relatora foi a ministra Ellen Gracie. Mato Grosso do Sul teve também sua lei estadual derrubada no STF. O relator foi o então ministro Maurício Correa; na ocasião, era presidente do Supremo Tribunal Federal.
Atualmente, Maurício Correa encabeça como advogado as ADINs ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), que visam derrubar as leis do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. A CNTI abriga a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), financiada pela indústria do amianto, através do Instituto Brasileiro do Crisotila. “Há nove ADINs aguardando julgamento”, informa Menezes. “A indústria do amianto está com os seus dias contados no Brasil. O problema é que, nesses dias contatados, vidas serão sacrificadas e isso não é plausível numa sociedade democrática, que tem a Constituição que tem. Afinal, é considerada a Constituição Cidadã!”
Talvez alguns questionem: será que não é mesmo possível o uso controlado do amianto crisotila?“No máximo, as indústrias conseguem reduzir a dose de contaminação dentro das fábricas. Não conseguem controlar depois que o produto sai das fábricas e vai para o público”, esclarece Hermano de Castro, da Fiocruz. Por exemplo, na própria construção civil, onde é freqüente a instalação de telhados. Devido à alta rotatividade de mão-de-obra do setor, os operários não têm noção de que aquele produto, que estão furando e cortando, tem amianto. E acabam respirando suas fibras sem qualquer proteção. O mesmo pode acontecer nas suas casas.
Talvez alguns ainda rebatam: mas isso é de responsabilidade da construção civil, do Ministério do Trabalho e não da indústria do amianto...“É problema das indústrias que trabalham com amianto, sim”, volta à carga Hermano de Castro. “Elas têm responsabilidade por toda a cadeia: mineração, produção, colocação no mercado. E, aí, como é que elas vão controlar o manuseio desses produtos pela população? É impossível. O uso controlado é uma ilusão total. Uma falácia!”
“Agora, se a sociedade decidir pela substituição do amianto por fibras sintéticas, terá que pagar por isso”, diz Élio Martins. “Além de eventual desabastecimento, o nosso produto vai custar 30% a 60% mais caro do que hoje.”
Por curiosidade, checamos na London, uma loja de materiais de construção situada na avenida Vicente Rao com o viaduto da Washington Luís; é o segundo após o aeroporto de Congonhas, em São Paulo. No sábado, dia 28 de junho, uma telha de amianto de 2,44m x 1,10m x 6 mm saía por R$27,80. “A outra, de fibra sintética, custa o mesmo preço”, frisou a vendedora.
“O banimento do amianto vai representar o desemprego de 170 mil a 200 mil trabalhadores,” apela Adilson Santana, da CNTA. “Desde quando as lojas de material de construção vendem apenas produtos com amianto?”, rebate Fernanda Giannasi. “Nesses 170 mil a 200 mil estão computados todos os trabalhadores do comércio varejista, que trabalha com centenas de itens, do setor de transportes e da construção civil. Hoje em dia a indústria do amianto, incluindo fábricas e mineradora, emprega cerca de 3 mil trabalhadores.”
“O amianto é uma bomba de efeito retardado; a única saída é o banimento completo”, Aldo Vicentin, da UTI do Incor, onde continua internado após a cirurgia do mesotelioma, pede para reforçar a esta repórter. Junto veio outra solicitação, a de mostrar a sua foto: “Quero que o mundo saiba o sofrimento que o amianto causa”.
Aldo teve extirpado o pulmão esquerdo, o diafragma, o pericárdio e a pleura. Ele ainda não sabe, mas o colega José Roncadin, 74, também diretor da Abrea, acaba de ter confirmado o mesmo diagnóstico de Aldo: mesotelioma de pleura. Seu futuro também está selado, e é sombrio.
(Por Conceição Lemes,
Blog Vi o Mundo, 01/07/2008)