Três contratos para a produção de biocombustíveis no Timor Leste estão no centro de uma polêmica entre governo, oposição e organizações não-governamentais. A concessão de 100 mil hectares de terreno para a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e um projeto de biodiesel utilizando sementes de pinhão-manso (Jatropha curcas) têm sido questionados pela oposição parlamentar e por organizações da sociedade civil timorense.
Os dois projetos, objeto de três contratos diferentes assinados pelo Estado timorense com empresas estrangeiras, voltaram a ser criticados no debate da proposta de retificação do orçamento, iniciado na segunda-feira.
Um dos projetos contestados é a construção de uma fábrica de biodiesel e de uma central de biomassa em Carabella, uma aldeia costeira no sopé do planalto de Baucau, 120 quilômetros a leste da capital Dili.
O acordo de Carabella prevê a concessão pelo Estado timorense de 59 hectares de "solo industrial" à empresa Enviroenergy Developments Australia (EDA), do grupo MPI, com sede em Sidney. Outro documento na mira da oposição e da sociedade civil timorense foi assinado em 15 de janeiro pelo Ministério da Agricultura e Pescas com a empresa indonésia GTLeste Biotech.
O memorando de entendimento com a GTLeste Biotech prevê a concessão de 100 mil hectares, no valor de US$ 100 milhões, que serão utilizados na plantação de cana-de-açúcar para a produção de etanol. O projeto atinge uma área substancial de quatro distritos, sobretudo na costa sul do país: Covalima, Manatuto, Viqueque e Lautém.
Para o deputado Estanislau da Silva, do partido de oposição Fretilin, ex-premiê e ex-ministro da Agricultura, as "ofertas" de terreno a empresas estrangeiras contrariam as políticas de segurança alimentar da população timorense, que depende em 80% da agricultura. Para os deputados da Fretilin que abordaram o tema no Parlamento, a utilização de solos para a produção de biocombustíveis vai ter um impacto negativo na vida dos camponeses.
"Dizem que a concessão para a cana-de-açúcar é em solos improdutivos. Onde é que se viu a cana-de-açúcar crescer em solos improdutivos?", criticou Estanislau da Silva, em declarações recentes à imprensa. Também os termos legais das concessões têm sido contestados por diferentes setores da sociedade timorense.
A concessão à GTLeste Biotech é válida por cinqüenta anos e representa uma área equivalente a cerca de 25% do total de solo arável do Timor Leste. A concessão dos 59 hectares em Carabella é válida por 30 anos e supõe uma opção de compra pela EDA ou a renovação da licença de uso por períodos iguais, totalizando um total de 90 anos.
A EDA comprometeu-se a investir US$ 550 milhões em Carabella nos próximos dez anos, para a construção de uma fábrica de extração de óleo de pinhão-manso. O projeto de Carabella inclui a construção da refinaria de óleo e de uma central de biomassa para produzir energia a partir da combustão dos excedentes da extração de óleo.
A refinaria de Carabella, segundo o contrato divulgado em Dili por organizações não-governamentais e no Parlamento pela Fretilin, espera atingir uma produção de 2,5 milhões de toneladas de óleo refinado por ano.
Esta produção supõe um excedente de 4,7 milhões de toneladas de matéria orgânica, após a extração do óleo das sementes. A produção será exportada para Austrália, Europa, Ásia e Estados Unidos, diz o contrato, que deixa aberta a possibilidade de a refinaria de Carabella processar sementes de pinhão-manso provenientes de todo o Sudeste Asiático.
A Fretilin e organizações timorenses de monitoramento, como a La'o Hamutuk, que denunciou publicamente a existência do contrato com a EDA, criticam a falta de transparência dos projetos de biocombustíveis.
Os críticos do projeto citam o intenso debate sobre o cultivo do pinhão-manso travado no Brasil. O governo brasileiro chegou a suspender a expansão da cultura em 2007 por causa de seu possível impacto negativo.
Em entrevista à Agência Lusa, o secretário de Estado timorense da Política Energética, Avelino Coelho, defendeu a utilização da Jatropha como veículo para o investimento estrangeiro no Timor Leste e, no caso de Carabella, para a criação de emprego para cerca de 30 mil camponeses.
Foi Avelino Coelho quem assinou o acordo com a EDA em nome do Estado timorense, em 13 de fevereiro de 2008, dois dias depois dos ataques de um grupo de rebeldes contra o presidente e o primeiro-ministro do país.
A assinatura deu seguimento a um acordo de parceria entre a EDA e a empresa timorense Daba-Loqui, de 14 de julho de 2005, para a plantação de pinhão-manso.
Na altura da assinatura do acordo com a Daba-Loqui, na presença do então presidente Xanana Gusmão, atual primeiro-ministro, a imprensa australiana noticiou o projeto como a maior refinaria de óleo de Jatropha do Sudeste Asiático.
Avelino Coelho, na entrevista à Lusa, destacou que o Timor Leste dispõe de mais de setenta espécies oleaginosas e que a expansão da Jatropha permite investir em culturas alimentares intercaladas no mesmo terreno, como a mandioca. O Programa de Energia Rural do atual governo do Timor Leste também contempla o apoio a hortas populares de Jatropha.
(Lusa, UOL, 01/07/2008)