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agroextrativismo
2008-07-02
Nos confins do Guaporé falta união para o associativismo.  Perto das reservas, gado é uma ameaça

Administração confusa, invasão da pecuária e indefinição fundiária são os principais entraves à auto-sustentação das reservas extrativistas rondonienses.  Exemplo disso se vê no município de Guajará-Mirim, onde três associações gerenciam a Reserva Extrativista (Resex) do Rio Ouro Preto, com 204,5 mil hectares.  A distância e a falta de contato entre comunidade e diretorias provocam desconfianças.  Nas conversas com moradores, a equipe da Agência Amazônia percebeu a inexistência do hábito de trabalho conjunto.

Uma das primeiras áreas de proteção ambiental criada como reserva extrativista pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rio Ouro Preto consumiu R$ 1,2 milhão entre apoio e material de construção. Na data de sua criação havia setecentos moradores e hoje apenas 171 famílias estão ali.  “É uma questão crucial”, considera o chefe da Unidade do Incra em Guajará-Mirim, Leonardo de Oliveira, com a experiência de acompanhar há anos as tentativas do Governo Federal para organizar a estrutura fundiária na região.

Especuladores tomam 15% da área conservada
Segundo a Polícia Federal em Rondônia, em dez anos cerca de cem mil hectares de terra foram "legalizados" em áreas ambientais e no seu entorno, por meio de declarações de posse e títulos de domínio fraudulentos.  A aparente calma não esconde que, desde a sua criação, essa Resex teria perdido 31,4 mil ha (15% de sua área) para especuladores de terras.  Com isso, parte do seu território ficou totalmente descaracterizada.

Vêem-se muito pasto, gado nelore e, em pelo menos uma das fazendas, um vistoso portão de entrada.  “Boa parte havia sido titulada para seringueiros, mas eles não tiveram condições de tocar, venderam as terras e foram embora para a cidade, viver na pobreza”, conta o presidente da Organização dos Seringueiros de Rondônia, Osvaldo Castro de Oliveira.

Aprovada na Câmara dos Deputados, a mensagem pedindo a redução da área estava pronta para ser votada no plenário do Senado.  No entanto, em 2006, outra mensagem presidencial a retirou de pauta.  Motivo: um estudo posteriormente encomendado pelo Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendava o contrário: manter a reserva para extrativistas e estruturá-los para que fossem verdadeiros guardiões da floresta.  Rondônia tem quatro Resex criadas pelo governo federal, com área total de 738,1 mil ha, e 21 Resex estaduais que somam 967 mil ha, totalizando 1,7 milhão de ha (7,15% do Estado).

Método antigo de esvaziamento
Entre os argumentos para manter a área original da Resex, um se destaca: a área excluída interfere na formação do rio Madeira e nela estão pequenos afluentes e nascentes de água.  O laudo técnico do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT) e do Ibama informa que a grande maioria dos ocupantes estava há pouco tempo na área e que, à época da divulgação de que ela seria excluída da reserva, houve uma invasão orientada por especuladores, sempre com a mesma prática: arregimentam famílias pobres e as instalam no lote, incentivando o desmatamento e plantio de pequenas lavouras brancas para assegurar a posse da terra.  Depois, as desalojam e vende o lote.

Outro agravante é o avanço sobre a floresta.  A maior parte dos desmatamentos tem ocorrido em grandes imóveis, a exemplo de uma grande derrubada observada na área ocupada pelo conhecido Chicão da Emater.  Imagens de satélite e observações de campo indicam que grande parte dos desmatamentos ilegais ocorreu em Áreas de Preservação Permanente (APPs) ao longo dos cursos d’água (a maioria afluentes do Rio Ouro Preto) e nas encostas de serras da formação Pakaas-Novos.

Napoleão, um homem feliz
Napoleão Rodrigues, 59 anos, é um homem tranqüilo.  Segue o ritmo das águas e obedece ao ciclo da natureza na região onde vive.  Junto com 12 famílias, ele vive na localidade Paz e Amor – Comunidade Nossa Senhora do Seringueiro, na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto, aonde se chega – saindo de Guajará-Mirim - depois de percorrer duas horas de estrada esburacada e mais outras tantas de “voadeira” pelo caudaloso rio Ouro Preto.  Isso, no inverno amazônico, quando as águas sobem e vão se espalhando até o quintal das casas.

Ele cultiva dez hectares com arroz, mandioca, banana e café.  Cria galinha, pato e produz farinha de mandioca.  Também colhe castanha-do-Brasil e mantém um viveiro com mudas de jatobá, cujo plantio em capoeiras (áreas já desmatadas) pretende iniciar este ano, e mil pés de cupuaçu em fase de produção.  Animado com as mudanças ocorridas nos últimos dez anos, Napoleão aprendeu a explorar coco babaçu em suas múltiplas formas.  Dona Francisca Augusta Rodrigues, 58, a mulher dele, fabrica sabonetes, farinhas e óleos.

O casal produz o combustível para movimentar a mini-usina de extração de óleo e geração de energia elétrica.  Usam a técnica de produção da folha defumada líquida (FDL).  Moram numa casa construída com madeira da própria floresta – mara e marupá – usadas nas paredes e no assoalho, sem passar pela serraria.  Um dos filhos se encarregou de aprender a cortar a tora com motosserra.

Convivendo com mudanças
O dinheiro obtido da linha especial do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) permitiu-lhe comprar equipamentos e construir o telhado.  A família tem televisão, geladeira, aparelho de som e rádio.  Tem ainda um rádio-comunicador para as emergências e até um salão de festas.  “Confesso que era contra as reservas.  Agora sou muito a favor”, diz Napoleão.  Antes, vivia da borracha e só queria babaçu para queimar e fazer fumaça na defumação.  Hoje, organizado na Associação Agroextrativista dos Seringueiros da Resex Rio Ouro Preto, Napoleão lamenta que alguns companheiros ainda não tenham despertado para as mudanças.  “Tem uns que gastam o dinheiro em outras coisas, não pagam e atrapalham o desempenho da comunidade”, queixa-se.

Biocombustível
A floresta de babaçu começa a cem metros das casas das famílias e até as crianças participam da tarefa de coleta, que exige rapidez, porque o coco deve ser pego menos de 24 horas depois da queda.

Exposto para secar num jirau ao ar livre, o babaçu é quebrado e separado – a casca vai para a queima, a entrecasca para fabricação de farinha, a amêndoa produzirá o óleo, tanto para o biocombustível quanto o que será usado na produção de sabonetes, shampoo e cosmético.  “Do bagaço ainda se produz o sabão de lavar roupa”, explica dona Francisca.  O casal consegue uma safra de 20 quilos de amêndoas para 10 litros de óleo.  A mistura ao óleo diesel movimenta a pequena usina de energia elétrica.

A mini-usina foi montada em parceria com o Grupo de Energia Renovável e Sustentável da Universidade Federal de Rondônia.  No começo houve dificuldades.  “Demoramos a aprender que primeiro se deve aquecer o motor com o diesel e só então liberar a entrada do óleo do babaçu, já aquecido para a mistura.  Aos poucos, ele sozinho gira o motor”, lembra.  Hoje, além de se auto-sustentar, há excedente de óleo vendido para os vizinhos.  E está garantido o forró nos finais de semana e em dias especiais.

De ex a seringueiro
Algumas tardes dona Francisca reúne as filhas Marliete e Marcilene, e a nora Tatiana, para a produção de sabonetes, shampoo, farinha e óleo.  Ela fabrica sob encomenda e já vendeu 400 unidades numa feira da agricultura familiar em Cuiabá (MT).  Os preços variam de R$ 0,50 a R$ 3 o sabonete.  A farinha, oferecida para usar como remédio contra dores estomacais custa R$ 5,00 e o vidrinho de óleo R$ 0,50.  “É um dinheirinho a mais e a gente vai melhorando a produção”, diz.  Também confecciona botas e artesanato com as folhas de borracha.

O curioso dessa história é que entre 1986 e 1990, quando o governo deixou de financiar a produção do látex, Napoleão havia desistido da borracha.  A profissão acabara.  “Fiz 600 quilos de borracha e não tinha para quem vender.  Entreguei a mercadoria para receber depois”, recorda.  Logo ele que tinha cinco “estradas” de seringa com 200 seringueiras produzindo bem.

Começou com a borracha aos 22 anos, depois que saiu do quartel do Exército e não tinha profissão, nem o que fazer.  “Um amigo me chamou pra trabalhar no seringal, fui conversar com o “patrão” Bennesby (de Guajará-Mirim), disse a ele que tinha experiência e fui pro mato.  Era 1971, faca para corte, arma, poronga, balde, cuia, rede, roupa e alimento, eram ‘aviados’ no armazém.  “O aviador (quem financiava a produção), arrendava as colocações e repassava para o seringueiro pelo dobro do valor”, explica.  Explica em seguida que “seringueiro não tinha nada, só a durmida”.

Em 2006, Napoleão aprendeu e aprovou a técnica de produção da folha defumada líquida (FDL).  A técnica, desenvolvida pelo professor Floriano Pastore Júnior, da Universidade de Brasília, usa o ácido pirolenhoso (APL), ou ácido acético, produtos químicos que podem ser facilmente encontrados.Com um kit de produção – duas calandras, duas bandejas de coagulação, uma proveta para dosagem, baldes graduados e tambores para coleta de látex – ele, sozinho, produziu no ano passado, 500 quilos vendidos a R$ 3,50/quilo.  “Paga mais e ainda se trabalha na sombra.  Quero morrer seringueiro”, ri.  Napoleão se diz realizado: “Tenho essa terra boa, caça, filhos formados, casa na cidade.  Sou feliz!”.

(Agência Amazônia, Amazonia.org.br, 01/07/2008) 

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