Nem conservacionistas nem caçadores se impuseram na 60ª reunião da Comissão Baleeira Internacional, que terminou sexta-feira (27/06) no Chile com o compromisso de iniciar um processo de negociação para aproximar posições, considerado por todos como “muito difícil”. Os comissários consultados pela IPS consideraram “positivo” o encontro, que começou na segunda-feira passada, destacando a criação de um reduzido grupo de trabalho que debaterá sobre o futuro da CBI e, por extensão, dos cetáceos. Mas, ninguém se atreveu a garantir que esse processo terminará com êxito.
A primeira reunião deste grupo, formado por cerca de 20 dos 81 membros da CBI, acontecerá em setembro, e espera-se que apresente uma proposta concreta no próximo encontro anual, marcado para Madeira, em Portugal, no mês de junho de 2009. A nova instância vai discutir uma agenda de 33 pontos, incluído o questionado programa de caça científica iniciado pelo Japão em 1987, um ano depois de entrar em vigor uma moratória da caça comercial de grandes cetáceos. Desta forma, em Santiago não foi adotada nenhuma medida especial para proteger os cetáceos que são atualmente caçados, com esperava a maioria das organizações não-governamentais presentes ao encontro.
A CBI foi criada em 1946 pelos países signatários da Convenção Internacional para a Regulamentação da Caça de Baleias. A suspensão, da qual estão isentas comunidades aborígines de Rússia, Estados Unidos e Groenlândia, foi adotada devido à super-exploração sofrida pelas espécies. A moratória só foi violada por Islândia e Noruega, que caçam com fins comerciais em suas águas jurisdicionais, enquanto o Japão estabeleceu para si uma cota de mil baleias por ano para realizar pesquisas letais. Para os ambientalistas trata-se de uma caça comercial disfarçada.
O grupo de trabalho criado em Santiago responde à imobilidade que afeta a CBI, já que nem conservacionistas nem baleeiros possuem os 75% dos votos necessários para aprovar reformas de fundo. Os dois blocos desejam modificar o atual status quo para responder, do ponto de vista de cada um, às mudanças registradas nas populações de cetáceos e na valorização social dessas espécies. Os baleeiros defendem que há espécies com populações abundantes, que podem ser caçadas de forma sustentável. Países asiáticos e africanos aderem a essa postura.
Os conservacionistas pretendem que seja mantida a atual moratória e proibida a caça com fins científicos no Santuário do Oceano Austral (Antártida). Em substituição, defendem o uso não letal de cetáceos, como turismo de avistamento, que representa para a América Latina cerca de US$ 278 milhões por ano, segundo um estudo divulgado na semana passada. Este bloco está liderado pelo chamado “Grupo de Buenos Aires”, que reúne uma dezena de países latino-americanos sendo integrado também por Austrália, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Européia.
O primeiro sinal de aproximação em Santiago foi a decisão de não submeter a votação petições que não contavam com a maioria requerida para sua aprovação, como a criação do Santuário Baleeiro do Atlântico Sul, impulsionado por Brasil e Argentina com o patrocínio da África do Sul, e a reabertura da caça comercial de baleias em quatro comunidades costeiras do Japão. A única medição de forças foi a rejeição à proposta da Dinamarca, representando seu território autônomo Groenlândia, que pedia aumento da cota de caça para suas comunidades aborígines em 10 baleias jorobadas anuais, durante cinco anos. O projeto, que contava com a aprovação do comitê científico, recebeu 36 votos contra 29 e duas abstenções, deixando os ânimos tensos.
Enquanto só membros favoráveis à caça diziam que com esta decisão se negava o direito da população da Groenlândia à sua segurança alimentar, algumas organizações ambientalistas denunciaram que parte dessa carne é vendida em supermercados. “Ninguém está satisfeito com o atual status quo. Temos cada vez mais baleias que são mortas anualmente, sob objeção à moratória ou sob caça cientifica. Nosso interesse é trabalhar para melhorar a realidade que vivemos atualmente, explicou à IPS Bernardo Veloso, comissário do Brasil. Mas, “não estamos dispostos a comprometer pontos que para nós são fundamentais, como a promoção do uso não letal de cetáceos, o Santuário do Atlântico sul e o turismo de observação”, ressaltou.
“O Japão trabalhará muito para encontrar uma solução conveniente a toda CBI”, disse, por sua vez, o porta-voz da delegação japonesa, Glenn Inwood, do Instituto de Pesquisa de Cetáceos de Tóquio. Mas – esclareceu – “no mínimo a CBI deve encontrar um modo de acabar com a moratória global da caça comercial de baleias e pôr em prática um esquema de direção que restaure o mandato do organismo, isto é, a regulamentação da caça”. Segundo Inwood, “há muitas nações no mundo que hoje caçam baleias de forma sustentável para alimento. O Japão continuará com seus programas de pesquisas mortais na região antártica e no Pacífico noroeste, além da caça sustentável de pequenos cetáceos em águas japonesas”.
Apesar da moratória da CBI vigorar apenas para os grandes cetáceos, golfinhos e botos, também são vistos com atenção. De fato, o comitê científico do órgão na semana passada exortou o Japão a reduzir consideravelmente a caça de botos de Dall (Phocoenoides dalli) no norte do país, por sua precária situação. Além disso, o comitê científico alertou sobre o crítico estado da vaquinha marinha (Phocoena sinus) nas costas do golfo do México, país que criou um fundo de US$ 5 bilhões para sua proteção. De acordo com o informe científico, não restariam mais de 150 exemplares, e, se sua pesca incidental continuar, a espécie se extinguirá em cinco anos.
“Hoje é muito difícil vislumbrar uma solução (para o confronto na CBI). Fala-se de possíveis pacotes, mas hoje é muito difícil saber se haverá convergência. Os dois lados têm duas posições muito distintas. O ponto fundamental para nós é que não vamos mudar o status quo por uma realidade pior do que a atual”, disse Veloso. “No geral, a reunião foi positiva”, afirmou à IPS susan Liebermna, diretora do programa de espécies do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Mas outras organizações dedicadas à proteção dos cetáceos indicam que o encontro apenas beneficiou o Japão e demais países baleeiros, pois continuarão caçando, apesar de a CBI ter uma moratória.
O grupo de trabalho “tem muitos assuntos para discutir e nos preocupa que tratem mais dos aspectos administrativos do que dos pontos centrais”, afirmou Lieberman, que também destacou o fato de se ter acordado “realizar reuniões científicas na Costa Rica e Itália para discutir o impacto da mudança climática nas baleias”.
(Por Daniela Estrada, Envolverde, IPS, 30/06/2008)