Sobre os rochedos do cabo Fréhel nesta primavera, eles eram três vezes menos numerosos que dois anos atrás. Em outros lugares eles modificam seus itinerários de migração, antecipam os períodos de reprodução, mudam seu regime alimentar. As perturbações no modo de vida das aves constituem um dos melhores indicadores das evoluções climáticas em curso. E todos os sinais estão ficando vermelhos. Os tempos mudam, e assim como várias espécies de aves os homens também terão de se adaptar.
O fitoplâncton foi o primeiro a desaparecer. Como as águas do mar do Norte se aqueceram em apenas 1 grau, esses microrganismos marinhos subitamente migraram para os fundos mais rigorosos. O zooplâncton o seguiu. E depois, em seu rastro, vimos partir a galeota, esse "peixe-ração" fino e comprido do qual se alimentam os grandes peixes e as aves marinhas. Entre as vastas colônias de gaivotas de três dedos, airos e pingüins, de andorinhas-do-mar e gansos-patola que povoam as costas britânicas, soprou um vento de pânico. As aves, empurrando cada vez mais longe sua magra pesca, perderam as forças. Penúria alimentar, fracasso na reprodução, revoltas da fome... A desolação deu lugar ao medo: gaivotas-rapineiras e mandriões, esses superpredadores incapazes de pescar sozinhos, se encheram de cólera e, esfomeados, se atiraram sobre os ovos, os filhotes e até sobre as gaivotas que voltavam sem presa. Guerra e fome... Em um dia de 2004, quando os ornitólogos escoceses voltaram à falésia que estudavam, não havia mais aves.
Apesar de manter sempre um sorriso de lado, lemos a preocupação nos olhos de Bernard Cadiou. Seus binóculos estão pendurados, inúteis: aqui, nas Côtes-d'Armor, a face noroeste da Grande Fauconnière, esse rochedo de granito vermelho esculpido pelos ventos abaixo do cabo Fréhel, habitualmente povoada por dezenas de casais de cormorões, está deserta. Somente algumas silhuetas negras e tranqüilas, de pescoço alto e bico sublinhado de amarelo, pairam sobre os raros montes de galhos e de algas. "Contávamos cerca de 350 casais dois anos atrás. Hoje há três vezes menos... E enquanto os cormorões começam a se acasalar a partir de fevereiro, este ano só vimos o primeiro ovo em 21 de abril... A forte tempestade que houve em 11 de março não pode explicar sozinha o fenômeno. Mesmo os ninhos abrigados do vento não receberam novos locatários..."
Com sua franja e três brincos na orelha, o eco-etólogo baseado em Brest (oeste da França), observador das aves do litoral bretão, tem a agilidade de um pirata quando percorre, com sua luneta ao ombro, o estreito caminho de malucos sobre os recifes do cabo Fréhel. Ele desaparece por uma falha para ressurgir lá embaixo, no nível do mar, sua pequena silhueta perdida no meio da neblina. Um bando de airos se aperta em uma cavidade da rocha. Seis pingüins - dos cerca de 30 casais que restam na Bretanha, apenas - procuram um lugar batendo as asas violentamente. Três fulmares boreais cochilam, insensíveis aos gritos das gaivotas-prateadas. O cabo é, no fim de maio, uma enorme incubadora. Mas para Bernard Cadiou tudo está calmo demais: "Segundo o que os ornitólogos britânicos relataram, esperávamos que isso acontecesse qualquer dia. Já no ano passado todos os sinais ficaram vermelhos: a reprodução das aves foi catastrófica. E ao mesmo tempo os pescadores nos contaram que não se encontravam mais galeotas na barriga da raia ou do salmão branco, que costuma regurgitá-los. Pois o que é verdade para as aves também vale para os homens. O empobrecimento dos recursos marinhos afeta a ambos. Em Saint-Jacut, o dono de um barco pesqueiro me contou que no ano passado começou sua campanha com um mês de atraso por não encontrar a galeota que usa como isca".
Para os que se preocupariam em saber quais são as conseqüências do aquecimento climático, as aves - sejam elas marinhas, migratórias ou hibernantes - são um indicador rico de informações sobre a rapidez das evoluções em curso. O fitoplâncton foi o primeiro a desaparecer, depois a galeota, depois os cormorões... quem será o próximo? Um simples grau de aumento na temperatura e todo um ecossistema desmorona. Quando sabemos que os climatologistas do Grupo Intergovernamental sobre a Evolução do Clima (Giec) informam em seu relatório sobre uma possível elevação da temperatura de 1,8 a 4 graus nos próximos cem anos, imaginamos a grande convulsão que se prepara nessa natureza onde os seres vivos, incluindo nós mesmos, são interdependentes. E os climatologistas sabem que, mesmo que as metas de redução dos gases de efeito estufa anunciadas pelas grandes nações sejam atingidas - o que já é amplamente improvável diante da revolução energética que representa -, a duração desses gases não permite imaginar uma recuperação milagrosa e rápida da situação.
As aves são alarmes que não param de tocar. É a andorinha que não anuncia mais a primavera porque prefere passar o inverno em seu habitat, a cegonha que em grande parte se tornou sedentária, a perna-longa branca que se implanta ao norte do Loire e a garça guarda-boi, moradora da Camargue, que hoje passeia na baía de Somme... É o inseparável-de-Fischer, um periquito da África tropical, que se instala perto de Nice, ou ainda o tordo, que os caçadores esperam desesperadamente enquanto ele hesita em deixar as terras frias da Escandinávia.
Em 1989 a comunidade científica francesa adotou uma ferramenta de vigilância territorial das aves, o programa Stoc (Acompanhamento Temporal Comum das Aves, na sigla em francês). Em 2006, 18 anos depois de sua implementação, constatou-se que as comunidades de aves se deslocaram 124 km para o norte!
Migração fora de época
Assim que o sol se levanta, Yves Muller está na floresta. A grande floresta dos Vosges do norte que rodeia sua casa, perto da Alemanha. Dos dois lados do caminho a terra foi revirada em buracos selvagens pelos javalis. O sol ainda está amarelo, mas o ar está puro e cheio de cantos de aves. Uma trepadeira-azul faz tut-tut-tut, um tentilhão lança seu ti ti ti ti tui-iú. O grito seco e estridente das toutinegras - tac tchack tchack - se transforma em um canto: "É muito fácil reconhecê-la, é o que parece uma bonita flauta no final". É a floresta de Yves Muller, 6.300 hectares classificados zona Natura 2000, a rede ecológica européia. Professor de matemática em meio período no colégio de Bitche e ornitólogo no resto do tempo, ele conhece seus menores recantos há 30 anos, que percorre de cima a baixo. Foi ele quem pintou esses sinais redondos amarelos que vemos aqui e ali enfeitando árvores mortas. Não se trata de abatê-las, mas, ao contrário, de conservá-las. Muller as escolheu devido às cavidades que possuem como possíveis ninhos para os pássaros migratórios.
Tchira tchira tchira? é ele. O sabiá-preto. É ele que viemos visitar. Nesse bosque de árvores meio comidas pelo tempo, três passarinhos voam de galho em galho. Diante de um buraco à meia altura de um pinheiro, um deles se imobiliza e, balançando a cauda em um movimento de exibição, de cima para baixo, de baixo para cima, começa a cantar. É um macho e em sua linguagem ele convida a fêmea a unir-se a ele, prometendo-lhe ali, naquele buraco abandonado, o conforto de um ninho de amor e toneladas de lagartas para seus rebentos... Esse sabiá Yves Muller conhece bem. Ele o estudou durante dez anos, fabricou ninhos para ele, o segurou nas mãos, o fotografou. Ao longo desses anos anilhou mais de 500. Hoje um estudo vindo dos Países Baixos mostra que a desordem climática é como uma espada de Dâmocles sobre sua frágil carcaça.
O sabiá é um migrador de longo percurso. Quando o vento frio do norte chega, no outono, podemos ver sua silhueta esguia, apenas 15 gramas, levantar vôo para vencer corajosamente, sozinho e de noite, os milhares de quilômetros que o separam de seu refúgio invernal na África Ocidental, do outro lado do Saara. Ali ele ficará até meados de abril. Nessa data, seu relógio interno lhe avisa que está na hora de voltar. Há 20 anos esse relógio se modifica progressivamente. E essa assincronia, segundo a equipe de pesquisadores holandeses, poderá causar seu desaparecimento. De fato, quando o simpático passarinho volta exausto de sua odisséia, desembarca em florestas onde o clima cada vez mais brando há muito tempo esverdeou as folhas. As lagartas - que compõem grande parte de sua alimentação - se regalaram e estão prontas para se metamorfosear em borboletas, quando já não o fizeram. Há 20 anos os sabiás tentam portanto atenuar essa decalagem adiantando sua data de postura. Eles que até agora tiravam uns 15 dias de descanso depois da viagem pré-nupcial, para se recompor, agora se acasalam prematuramente. Mas, cansados, estressados, assim como os cormorões, eles têm dificuldade para se reproduzir adequadamente, ou se tornam belas presas para os gaviões. "Por enquanto, no que diz respeito aos Vosges, nossos efetivos continuam estáveis", constata sabiamente Muller, alisando seu bigode. Mas o que acontecerá com eles amanhã se não conseguirem modificar seu relógio interno e a primavera continuar chegando precocemente às nossas latitudes?
Evoluir ou morrer
Quando voltou de sua célebre viagem às ilhas Galápagos a bordo do Beagle, Charles Darwin trouxe várias aves diferentes desconhecidas, nas quais ele via melros, azulões, canários... Em Londres, os ornitólogos chegaram à conclusão de que eles formavam na realidade um grupo de aves próprio, composto de 12 espécies diferentes. Cada uma correspondia a uma das ilhas do arquipélago, muito diferentes e distantes entre si. Esses "canários de Darwin", como os chamamos hoje, contribuíram assim para assentar a teoria da evolução, segundo a qual, a partir de ancestrais comuns, cada espécie evolui para responder às diferentes necessidades que correspondem a seu ambiente... Adaptabilidade como palavra-chave de todo o futuro.
"Dizemos ainda hoje que a evolução leva um tempo infinito, mas não é verdade. Processos evolutivos podem ocorrer em tempos muito curtos", entusiasma-se Phillipe J. Dubois, o carismático diretor da Delachaux et Niestlé, augusta e incontornável editora sobre a natureza. "Veja as toutinegras: bastaram algumas gerações para que elas mudassem em seus genes as informações migratórias!" Um passarinho como o sabiá, mas um dos mais comuns em nossas florestas temperadas, tradicionalmente a toutinegra migra para o sul para ocupar seu habitat de inverno na Espanha. Mas um dia, em dezembro de 1961, um gato irlandês apanhou em suas garras uma toutinegra um pouco mais cedo naquele ano, em Linz, na Áustria.
Seleção natural em marcha
O que ela estava fazendo ali? Fuga solitária de um pobre animal desorientado? Bem mais tarde se compreendeu que ela era apenas o sinal precursor de um fenômeno emergente: as toutinegras das planícies da Europa Central começaram a hibernar, em grande parte, nas terras hoje hospitaleiras da fachada atlântica. Desde então o movimento não pára de crescer: quando chega a hora certa para elas encontrarem suas terras de nidificação, as toutinegras que decidiram migrar para oeste voltam mais rapidamente que suas irmãs que fizeram a grande viagem para o sul. As inglesas, primeiras a chegar, levam vantagem e conseguem os melhores lugares, estão menos cansadas pela viagem, se reproduzem melhor. A seleção natural está em marcha...
Como essas migradoras noturnas que voam a 2 mil metros de altura e se orientam pelas estrelas puderam mudar sua rota em tão pouco tempo? A equipe de Peter Berthold, do Max Planck Institute de Radolfzell, perto do lago de Constança na Alemanha, criou em gaiolas passarinhos cujos pais haviam hibernado na Inglaterra. Na hora da migração, eles foram colocados no meio de um campo em uma caixa cuja tampa de vidro deixava ver a noite estrelada. O solo foi coberto de um pó preto. De manhã, todas as pegadas no chão estavam voltadas para oeste: prova de que as toutinegras haviam sofrido uma mutação. A informação havia sido inscrita em seu patrimônio genético.
Quando não está na Delachaux et Niestlé, na revista "Ornithos", que ele anima, na Liga de Proteção às Aves, para a qual trabalha em tempo parcial, ou fazendo pesquisas com uma equipe da Universidade de Lille sobre o impacto da corrente transatlântica sobre os seres vivos, Dubois percorre a subfloresta do parque natural do Vexin, em Pontoise, onde mora. Uma curiosidade jamais esgotada desde que, com 13 anos, uma tia lhe ofereceu a bíblia da ornitologia, "e" Peterson. ("No começo achei aquilo muito chato, todos aqueles pássaros alinhados em pranchas, mas peguei emprestados os binóculos de teatro da minha avó, e então...") "Tudo isso, essas ameaças, essas guerras, esses movimentos, nos falam evidentemente também de nós", ele explica, "e somos obrigatoriamente levados a nos perguntar se o que acontece com as aves não prefigura o que poderá nos acontecer amanhã..." .
Sobre sua escrivaninha estão as primeiras provas do relatório sobre o impacto do clima sobre as aves que lhe foi encomendado pelo Observatório Nacional sobre os Efeitos do Aquecimento Climático. As 379 espécies de aves encontradas na França foram revistas, salientando as "perturbações que às vezes acontecem rápido demais e para as quais a previsibilidade continua muito imprecisa". Esse defensor da biodiversidade pede a criação de um observatório específico "para aves e clima" e defende a implementação de um painel de dez espécies que serviriam de indicadores das conseqüências do aquecimento.
"A pesquisa sofreu muito de uma tendência molecularista que foi feita em detrimento da entomologia de campo, menos confortável e menos gratificante", escreve o climatologista Jean-Pierre Besancenot em "Notre santé à l'épreuve du changement climatique" (Delachaux et Niestlé, 2007, 220 p., 19 ?) (nossa saúde sob a prova da mudança climática). O que é verdade para os insetos também vale para as aves. "Não há mais ninguém para observar os seres vivos", lamenta Dubois. A biologia molecular conseguiu todos os créditos para pesquisa. E quando se trata hoje de observar e conhecer o comportamento e os movimentos dos insetos - esses importantes vetores de doenças para o homem -, a fenologia das plantas - esses formidáveis indicadores do estado de saúde do planeta - ou a evolução das aves que sofrem plenamente o choque dos distúrbios ambientais, apela-se para a boa vontade pública. O Observatório das Estações, o Observatório das Borboletas de Jardim, Phénoclim... graças à Internet, cada um hoje é convidado a vigiar essa natureza em perigo.
O programa de Acompanhamento Temporal Comum das Aves, criado há 20 anos, contribui assim com mais de mil ornitólogos amadores, cada um encarregado de uma parte do território a observar, anotar e estudar ao longo dos anos, conforme protocolos definidos por uma equipe de pesquisadores. "Além do deslocamento significativo das populações de aves para o norte, os resultados desse estudo são ricos em informações", constata Romain Julliard, 37 anos, biólogo da conservação, que é um dos responsáveis pelo programa no Museu Nacional de História Natural. "Vemos assim duas tendências se destacarem: a primeira é que de um lado os efetivos das espécies especialistas - sejam elas agrícolas, como a perdiz ou as cotovias; ou florestais, como os parulídeos - diminuem em benefício de espécies generalistas como o pombo comum. A segunda é que as espécies habitualmente situadas ao norte diminuem, enquanto as comumente situadas ao sul estão aumentando."
Sob um velho pórtico do honorável museu na Rue Buffon em Paris, uma placa de cobre que esqueceram de lustrar há muito tempo indica: "Centro de Pesquisas sobre a Biologia das Populações de Aves". É lá que Romain Julliard e seus colegas estudam essas espécies em mutação. Abaladas pelo clima, sim, mas não unicamente. A urbanização galopante, o desaparecimento progressivo das florestas, dos charcos e pântanos é uma ameaça bem mais imediata para elas. Assim como o envenenamento dos solos pelos fertilizantes e pesticidas de todo tipo. "O equilíbrio natural é uma imagem ilusória", sorri com indulgência Julliard. "Na realidade estamos em sistemas muito dinâmicos, que se desequilibram facilmente... Mas o que é tranqüilizador, quando se estudam os pássaros, é ver que as coisas são reversíveis. Na Dinamarca diminuíram amplamente os recursos para fertilizantes e as cotovias voltaram..."
Enquanto a noite invade o Jardim de Plantas e os passos dos visitantes se afastam em direção às grades do parque, os pardais tomam posse do lugar. Julliard ajusta seus óculos com o dedo indicador: "Fomos formados em uma ecologia da restauração. A imagem de um ideal perdido que tentamos conservar, manter, não é mais pertinente. É bem mais judicioso pensar em preservar a biodiversidade do futuro do que se agarrar à do passado. Hoje o desafio é encontrar as ferramentas que nos permitirão viver amanhã, quando fará mais calor. E certas espécies de aves têm aí um papel essencial. Pelo menos na polinização das plantas... Diante dos movimentos extremos da natureza, os seres vivos resistem se adaptando: cabe a nós lhes deixar os meios e o espaço para tanto."
(Por Laurent Carpentier, Le Monde, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, UOL, 29/06/2008)