John McCain descobriu o meio ambiente. O candidato republicano para presidente virou repentinamente um amigo do meio ambiente e um defensor da proteção do clima. Vestindo seu novo manto verde, ele passou a percorrer as florestas no noroeste dos Estados Unidos, inspecionar fazendas de vento e a se retratar como um dos primeiros políticos a ter "soado o alarme sobre o aquecimento global".
Dificilmente passa um dia sem que McCain proclame alguma nova idéia para proteger o meio ambiente, dos limites rígidos para emissão de gases do efeito estufa à novas tecnologias para os automóveis. De um dia para outro, ele apregoa os benefícios da energia nuclear, energia eólica, células solares, biodiesel e até mesmo o carvão. Às vezes ele reúne tudo junto, como fez recentemente quando disparou uma série de propostas como parte de sua "grande campanha nacional para obter segurança de energia para a América".
Mas com sua mais recente idéia, McCain espera reduzir a vantagem de seu adversário, Barack Obama, nas pesquisas. Ela se resume a uma única palavra: petróleo. Ou melhor: mais petróleo, e não apenas do Oriente Médio, mas também de produção doméstica.
Para obter esta nova meta, McCain quer a suspensão da proibição de 26 anos que protege a plataforma continental além da costa americana contra a exploração de petróleo. Segundo McCain, "nós temos enormes reservas de energia próprias. E estamos obtendo meios para usar estes recursos de formas mais limpas e responsáveis". Pode soar lógico e consistente o suficiente à primeira vista, mas na verdade é uma mudança de opinião cheia de conseqüências, porque mina completamente a nova ofensiva ecológica de McCain.
McCain diz que suspenderá as proteções
Desde 1982, a exploração de petróleo está proibida na "plataforma continental exterior" dos Estados Unidos, a extensão do continente norte-americano que desce até uma profundidade de 200 metros abaixo do nível do mar. Na época, o Congresso americano controlado pelos republicanos aprovou uma moratória ambiental contra a exploração de gás e petróleo em alto-mar. A moratória, que tem sido renovada repetidamente desde então, permite apenas algumas poucas exceções, como o Golfo do México. Em 1990, um ano após o desastre com o navio petroleiro Exxon Valdez, o presidente George H. W. Bush assinou uma ordem executiva criando uma segunda moratória presidencial. Seu sucessor, Bill Clinton, prorrogou esta moratória até 2012. Esta proteção costeira dupla é uma das políticas ambientais vigentes há mais tempo nos Estados Unidos.
Mas agora McCain está convencido de que a eliminação destas proteções é a nova bala de prata contra a explosão dos preços do petróleo e da gasolina. Ele também quer a abertura do Refúgio Nacional da Vida Selvagem do Ártico, a região protegida mais ao norte dos Estados Unidos, para a exploração de petróleo. Este ecossistema único conta com enormes reservas de petróleo, e explorá-las é alvo de controvérsia há décadas.
McCain considera obsoletas as preocupações com as costas, praias e reservas naturais, alegando que a produção de petróleo se tornou tão segura que "nem mesmo os furacões Katrina e Rita puderam causar vazamento significativo nas plataformas atingidas além das costas de Nova Orleans e Houston".
Não é coincidência que McCain tenha escolhido Houston, a capital do petróleo dos Estados Unidos, para anunciar sua nova idéia a um grupo de executivos de petrolíferas -os chefes das mesmas corporações que já escolheram McCain como alvo de seus gastos políticos, doando US$ 1,5 milhão até o momento para sua campanha.
Entretanto, as alegações de McCain sobre o Katrina e o Rita são mentirosas. Segundo a Guarda Costeira dos Estados Unidos, os dois furacões causaram um vazamento de cerca de 2,7 milhões de litros de produtos de petróleo no Golfo do México vindos das plataformas de sondagem destruídas.
Em 1999, quando foi candidato nas primárias presidenciais republicanas, McCain apoiava as moratórias na exploração de petróleo. E até há pouco ele também era contrário à exploração no reserva do Ártico. Mas petróleo, gasolina e energia são atualmente o tema dominante nos Estados Unidos, e não apenas na campanha eleitoral. O equilíbrio entre proteção ambiental e produção de petróleo está pendendo em prol da produção de petróleo.
Apoio de uma fonte desconfortável
Logo, não causa surpresa que, após seu discurso em Houston, McCain tenha recebido apoio de alguém de quem tem tentado se distanciar: o presidente George W. Bush, cujo pai pronunciou a moratória em 1990.
Bush Jr. também quer abrir a plataforma continental externa e o refúgio da vida selvagem do Alasca para produção de petróleo -um sonho há muito acalentado pelo atual presidente. Ele até mesmo tentou transferir a responsabilidade à maioria democrata no Congresso, dizendo que apenas se o Congresso suspender sua moratória, ele suspenderia a moratória presidencial. E se o Congresso se recusar a cooperar, diz Bush, será culpa dos democratas, que "precisarão explicar por que a gasolina a US$ 4 o galão não é suficiente para levá-los a agir".
O governador da Flórida, Charlie Crist, um possível companheiro de chapa de McCain, e outros republicanos influentes adotaram a causa daqueles que apóiam a exploração. De lá para cá, McCain tem repetido sua ofensiva diariamente, até mesmo acrescentando outro argumento à mistura: a exploração das reservas de petróleo em alto-mar dos Estados Unidos, segundo McCain, teria um "impacto psicológico positivo" sobre os consumidores em dificuldades.
O rival Barack Obama, cerrando fileira com seus companheiros democratas no Congresso, desdenhou as propostas de McCain como nada além de um "artifício de campanha". Quanto aos efeitos psicológicos, Obama disse que são nada além de um jargão de Washington para "terá um bom efeito nas pesquisas de opinião".
Neste sentido, pelo menos, Obama está certo. Os preços da gasolina saltaram drasticamente desde março, e de lá para cá a parcela de cidadãos americanos que apóiam a exploração de petróleo em águas costeiras protegidas aumentou de 42% a 72%. E, segundo uma recente pesquisa do Instituto Zogby, 59% dos americanos apóiam a exploração de petróleo no Alasca.
Ambientalistas temem danos
A disposição de sacrificar a natureza em prol do petróleo cresce proporcionalmente ao aumento nos preços nas bombas. Muito poucos prestam atenção aos detalhes, e não há muito debate sobre as capacidades previstas nos campos.
O governo americano estima que entre 16 bilhões e 18 bilhões de barris de petróleo podem ser extraídos nas regiões costeiras em questão. Segundo um anúncio da Casa Branca, isto dobraria a produção doméstica ao longo da próxima década.
Isto contraria uma análise de 2007, feita pela Administração de Informação de Energia (EIA) do governo, que concluiu que mesmo as reservas em alto-mar "não teriam impacto significativo sobre a produção doméstica de óleo cru e gás natural, assim como sobre os preços, antes de 2030". Segundo o estudo da EIA, este é o tempo que levaria para concluir o trabalho preparatório técnico e geológico necessário, eliminando qualquer esperança de uma redução rápida nos preços da gasolina.
Os ambientalistas e cidades costeiras também temem o potencial de poluição nas praias e criação de problemas em áreas turísticas. Os californianos ainda lembram de um vazamento em 1969 de uma plataforma de sondagem perto de Santa Barbara, que espalhou petróleo viscoso por 60 quilômetros da costa. O desastre levou à criação do primeiro Dia da Terra em 1970 e acelerou a formação da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos.
Todavia, os defensores da exploração têm mais um argumento moral ao seu lado: por que os Estados Unidos proíbem exploração em alto-mar além de suas costas mas não têm escrúpulos sobre queimar petróleo de lugares como a Nigéria ou Equador, onde ele é extraído sem nenhuma consideração pelo meio ambiente?
"É justo terceirizar nossos problemas ambientais?" perguntou o "New York Times". E como o autor Peter Maas escreveu há três anos, também no "New York Times": "Nós exigimos praias limpas e natureza selvagem intocada em casa, mas vivemos de um modo intensivo em energia que leva outros países a sacrificarem suas águas e florestas".
(Por Marc Pitzke, Der Spiegel, UOL, 28/06/2008)