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corrupção do petróleo nacionalização do petróleo exploração de petróleo
2008-06-30
Para Fernando Siqueira, engenheiro da AEPET, país não pode desperdiçar a riqueza de suas jazidas de petróleo como faz hoje; empresas anglo-americanas intensificam lobby pelo controle do nosso petróleo

Enquanto caminham a pleno vapor as notícias de novas reservas de petróleo na província do pré-sal - incluindo as reservas de Carioca, Tupi e Júpiter na Bacia de Campos -, sente-se a mão cada vez mais pesada de poderosos lobbies externos para ficar com a mina de ouro.

Halliburton, Repsol e outras mais contam, ademais, com o braço amigo de influentes figuras que, beneficiando-se do prodigioso espaço concedido pela mídia, salientam que as atuais descobertas de petróleo não foram frutos exclusivos de 50 anos de trabalho da Petrobras. Teriam resultado, outrossim, da nova Lei do Petróleo de FHC, a qual estabeleceu o fim do monopólio da União na exploração desse combustível e aumentou o número de empresas atuando no país.

E não param por aí as benesses que essa concepção pode receber. Encontra muitas vezes escandalosa guarida em uma preocupante interseção entre interesses privados e públicos.

A AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás –, tendo em vista mais uma indicação de apropriação indébita de nossos recursos, já está propondo mudanças na Lei do Petróleo criada no governo FHC em carta enviada ao Congresso. É para comentar as justificativas a essa mudança e o contexto atual de exploração de petróleo em nosso país que conversamos com o engenheiro da AEPET Fernando Siqueira. Confira abaixo.

Em entrevista concedida em abril ao Correio da Cidadania, o senhor avaliava que, a se confirmarem reservas de petróleo da ordem de 90 bilhões de barris na nova província do pré-sal (incluindo as reservas de Carioca, Tupi e Júpiter na Bacia de Campos), seria urgente rever a Lei do Petróleo do governo FHC, que estabeleceu o fim do monopólio da União na exploração desse combustível. Houve algum avanço na confirmação dessas reservas?
Fernando Siqueira - Sim. Dois avanços consideráveis: a Petrobrás descobriu mais dois campos (Guará e Bem-te-vi) na camada do "pré-sal" da Bacia de Santos. Podem ocorrer volumes maiores, pois ainda há, a serem explorados, os 41 blocos do pré-sal que foram corretamente retirados do 9º leilão. Além deles, existem os 10 blocos na borda do pré-sal que estão incluídos no oitavo leilão, suspenso por liminar.

A AEPET – Associação de Engenheiros da Petrobrás – já está propondo mudanças na Lei do Petróleo criada no governo FHC em carta enviada ao Congresso. Qual a justificativa para essa mudança e qual o teor mais importante das alterações propostas?
Fernando Siqueira - As justificativas são fortes:
1) A Lei do Petróleo, 9478/97, está com incoerências que precisam ser eliminadas. Por exemplo: os artigos 3º e 21º rezam que as jazidas e o produto da exploração delas pertencem à União, consoantes com a Constituição Federal. Mas o artigo 26 diz que quem produzir o petróleo é dono dele. Este artigo é fruto do lobby sobre o Congresso Nacional;
2) A lei 9478/97 estabelece que a União terá uma Participação Especial na produção pelas concessionárias. O Decreto 2705, de 1998, estabelece esta participação num patamar absurdamente baixo. Para águas profundas, a participação varia de 0 a 40%. No mundo, os países exportadores recebem, em média, 84% a título de Participação Especial;
3) A justificativa para a mudança da Constituição era a vinda de capital externo para descobrir novas áreas produtoras. Ora, o pré-sal não tem mais o que descobrir. Já está descoberto e a quantidade de petróleo é enorme, sem nenhum risco.
Suponhamos, para efeito de cálculo, que chegue a 100 bilhões de barris de reserva. A 140 dólares o barril, isto representa uma riqueza de US$ 14 trilhões, que pertence ao povo brasileiro. Como cedê-lo, nas atuais condições, para concessionárias estrangeiras ou seus testas de ferro?

Alguns críticos às mudanças salientam que as atuais descobertas de petróleo não foram frutos exclusivos de 50 anos de trabalho da Petrobras. Teriam resultado, outrossim, da nova lei, a partir da qual aumentou o número de empresas atuando no país. O que o senhor responderia a esses críticos?
Fernando Siqueira - Esta é uma profunda falácia. A Petrobrás estudou essa província durante 30 anos, correu todos os riscos para encontrá-la, sendo que o 1º poço custou US$ 240 milhões. A empresa também desenvolveu toda a tecnologia para explorar nessa profundidade. Em contrapartida, as empresas estrangeiras que vieram não adquiriram um único bloco em áreas novas. Só compraram blocos onde a Petrobrás pesquisou e eliminou boa parte do risco geológico. No caso do pré-sal é ainda mais gritante: as empresas não tinham conhecimento tecnológico nem confiança ou coragem de participarem sozinhas e se associaram à Petrobrás. Mas não ajudaram em nada. A Petrogal, por exemplo, não conhece águas profundas. Nem a Repsol. Mas são sócias.

O senhor acredita que as mudanças propostas na Lei do Petróleo poderão se concretizar?
Fernando Siqueira - Acredito piamente. Não tem o menor sentido permanecerem as condições atuais do marco regulatório. O Brasil não pode abrir mão de uma riqueza desta ordem tendo 60 milhões de miseráveis, um sistema de saúde caótico, uma educação vergonhosa, uma infra-estrutura e um desenvolvimento muito aquém do seu potencial.
Mesmo tendo um parlamento vergonhoso, ainda assim, acho que a sociedade tem que exigir os seus direitos e defender o patrimônio nacional. E aqui dou algumas razões: suponhamos, para efeito de raciocínio, que as reservas do pré-sal sejam da ordem de 100 bilhões de barris e que o petróleo se mantenha no preço de US$ 140/barril (sabemos que a tendência de subida é irreversível, visto que chegamos ao pico de oferta). Isto representa uma riqueza de US$ 14 trilhões.
Com esse dinheiro, a União Federal pode pagar sua dívida mobiliária e criar um Fundo de Desenvolvimento Sustentado para as gerações futuras, como fez a Noruega; destinar verbas anuais de R$ 100 bilhões para a educação e R$ 100 bilhões para a saúde, usando parte para prevenção, parte para erradicar doenças como dengue, malária, chagas, e parte para equipar os hospitais de tratamento e assistência médica, bem como destinar aos institutos, tipo Manguinhos, Vital Brasil, Butantã, Lapec e outros, recursos para fabricar vacinas e remédios para a população carente; destinar verba anual de R$ 100 bilhões para tirar cerca de 60 milhões de brasileiros do nível de miséria, número vergonhoso, sobretudo para o país mais viável do planeta; destinar verba de R$ 100 bilhões anuais para pesquisa e desenvolvimento, através de universidades, institutos e laboratórios de pesquisa; destinar R$ 100 bilhões para construir uma infra-estrutura viável e investir no saneamento básico; destinar, também, uma verba de R$ 100 bilhões para dotar as Forças Armadas de condições de defender o país, em especial a Marinha, para defender a costa brasileira e a plataforma continental, protegendo não apenas as reservas de petróleo, mas também as riquezas do mar, a chamada "Amazônia Azul", que possui recursos fabulosos. Quer dizer, há muito a se fazer no país com esses recursos.

Subsidiárias da empresa internacional Halliburton são sabidamente algumas das contratadas da Petrobrás para tudo que diz respeito à exploração das reservas de petróleo e gás no litoral. Como o senhor prevê que essa e outras empresas atuarão em face das alterações propostas na Lei do Petróleo?
Fernando Siqueira - A Halliburton, cujo presidente foi, por muito tempo, o atual vice-presidente norte-americano, é um caso de polícia (internacional). Além de ter trazido o seu diretor (Nelson Narciso) de Angola para ser diretor da ANP, ela administra, há 10 anos consecutivos, o banco de dados daquela agência reguladora, ou seja, os dados de exploração que a Petrobrás é obrigada, pelo artigo 22 da Lei 9478/97, a repassar à ANP. A Halliburton tem ainda um mega-contrato de serviços com a Petrobrás há vários anos, para perfilagem e canhoneio de poços. É uma relação meio incestuosa que precisa ser revista.
Lembro que nós estamos em pleno terceiro e definitivo choque mundial de petróleo (com a oferta chegando ao pico e a demanda crescendo fortemente), cuja conseqüência é a subida, irreversível, do preço do barril de petróleo. Como os EUA têm uma brutal dependência do petróleo (consomem cerca de 10 bilhões de barris/ano, dos quais 8 bilhões internamente e 2 bilhões nas bases militares, tendo 29 bilhões em reservas) e os preços irão disparar, aquele país deve vir com todo o seu aparato político/econômico/militar atrás de nossas reservas. A Halliburton, como ponta de lança, e as demais empresas norte-americanas estarão à frente desse processo com todos os seus recursos escusos de pressões e constrangimentos, como mostrado no livro "Confissões de um assassino econômico", do norte-americano John Perkins.
A Repsol também vem fazendo lobby fortíssimo pela reabertura dos leilões e a permanência do marco regulatório. Ela é uma empresa do Banco Santander, cujo dono é o Scotland National Bank Co., ou seja, é o capital anglo-americano, o mesmo que coordenou a invasão do Iraque. É presidida pelo também presidente do IBP, o lobbista João Carlos de Luca. A Halliburton, assim como a Repsol, é membro da poderosa comunidade financeira internacional anglo-americana.

A ex-ministra das minas e energia, Dilma Roussef, atualmente muito influente no governo através da Casa Civil, prosseguiu exercendo influência no setor elétrico, como, por exemplo, através da indicação de Maria da Graça Foster para a diretoria de Energia e Gás da Petrobrás no lugar de Ildo Sauer. Como deverão, nesse sentido, atuar o governo e seus representantes em face das pressões que deverão advir de vários lobbies contra mudanças na lei, para que empresas privadas continuem se beneficiando dos leilões de petróleo?
Fernando Siqueira - A ministra é presidente do Conselho de Administração da Petrobrás. E teve um papel importante na retirada dos 41 blocos do 9º leilão. Acho até que esta é uma das razões pelas quais os "aloprados" querem queimar sua candidatura. A substituição do Ildo Sauer foi, entretanto, ruim para a Petrobrás e para o país. Ildo era o mais nacionalista dos diretores da Petrobrás. Vinha defendendo os interesses da empresa e do país com muita competência e zelo. A Maria da Graça, por sua vez, é esposa do Collin Foster, que tem uma empresa que, segundo a imprensa internacional, presta serviços à Halliburton. Ele adquiriu blocos no Brasil e declarou que pretendia formar uma grande empresa de petróleo. Há conflitos de interesses, no mínimo, preocupantes.

(Por Valéria Nader, Correio da Cidadania / Agencia Brasil de Fato, 25/06/2008)

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