OLINDA - Os desafios da agricultura familiar e sustentável frente ao agronegócio exportador e o balanço dos avanços e carências nas políticas públicas para o meio rural brasileiro foram os temas predominantes na mesa de abertura da 1ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CNDRSS), que acontece em Olinda até o dia 28 de junho. Com a presença do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, e do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o primeiro debate contou também com representantes de diversos movimentos sociais, numa mostra da pluralidade e riqueza das discussões que serão travadas durante a conferência.
Secretário de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Humberto Oliveira deu início à cerimônia enaltecendo a participação de 30 mil pessoas nas etapas preparatórias à 1ª CNDRSS: "O meio rural hoje está presente em todas as discussões sobre políticas públicas no Brasil. É um setor vivo, real e pulsante, e, com o seu fortalecimento, conseguiremos enfrentar as desigualdades sociais e regionais no Brasil. Nesta conferência, vamos discutir e definir políticas para isso", disse. Oliveira também saudou a importante participação das mulheres, que ultrapassou a meta mínima inicialmente estabelecida em 30%: "Ao fim do primeiro dia de credenciamento dos delegados, o número de mulheres na CNDRSS superou os 44%", disse.
Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Manoel dos Santos lembrou que uma conferência nacional sobre desenvolvimento rural sustentável já deveria ter acontecido em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas que o modelo de discussão previsto na época _ uma mera prestação de contas governamental _ não atendia aos interesses dos trabalhadores. Em 2008, segundo Manoel, o momento é de aprofundar os espaços conquistados no atual governo: "Considero que avançamos muito nos últimos cinco anos, mas o agronegócio tem avançado muito mais, agora estimulado pelo capital estrangeiro. O espaço de discussão dos movimentos sociais deve ser o MDA, mas precisamos fazer pressão para não perder esse espaço. Vivemos uma disputa constante, num governo que, precisamos entender, é de coalizão".
Para Jaime Amorim, dirigente do MST que representou também a Via a Campesina na mesa de debates, é importante "saber por que os movimentos sociais participam de um espaço como a CNDRSS". Citando Celso Furtado e diversas lideranças históricas do movimento dos camponeses, Amorim criticou a construção do modelo agrícola brasileiro e conclamou os agricultores a enfrentar o grande capital econômico que controla a agricultura no país: "É possível construir um país novo, diferente, sem usineiros e sem a prepotência do agronegócio exportador. Precisamos construir uma unidade camponesa no país para combater esse modelo agroexportador baseado na financeirização da agricultura brasileira e combater o latifúndio improdutivo que concentra renda e riqueza", disse.
A crítica ao agronegócio também foi feita por Maria Aparecida Mendes, dirigente do movimento dos quilombolas: "Não podemos viver num país onde uma só pessoa possua terras do tamanho de São Paulo enquanto milhares de outras não têm terra para morar e produzir", disse. Citando um dos slogans da 1ª CNDRSS, que fala em "um Brasil rural com gente", Maria Aparecida afirmou que é preciso ir além: "Queremos um Brasil rural com gente feliz e livre, que tenham suas potencialidades valorizadas. Para isso, precisamos discutir novas políticas públicas nessa conferência".
"Nosso momento é agora"
O ministro Guilherme Cassel fez um balanço das ações do MDA no atual governo, e ressaltou o caráter democrático do processo de discussão das políticas e projetos implementados: "Nesses quase seis anos, cada política desenvolvida pelo MDA foi construída junto com os movimentos sociais", disse. O ministro citou também "a inclusão de 1,1 milhão de famílias na cadeia produtiva da agricultura familiar" e "o assentamento de 550 mil famílias pela reforma agrária nos últimos cinco anos", além de falar sobre a importância de programas como o Territórios da Cidadania, que já inclui 120 territórios em todo o país, e o Mais Alimentos, que será lançado pelo MDA em julho.
Cassel afirmou que a 1ª CNDRSS "acontece em um momento histórico muito particular", com as crises internacionais de energia e de aumento do preço dos alimentos: "Essas crises, sobretudo a dos alimentos, questionam de forma muito clara e objetiva a estrutura fundiária, proclamam a necessidade de políticas públicas permanentes de segurança e soberania alimentar e recolocam o agricultor familiar e o assentado da reforma agrária como protagonistas de soluções que passam por maior e melhor produção de alimentos. Penso que esse é o momento certo para fazermos um balanço crítico, mas é, acima de tudo, hora de avançar, de construir a unidade e retomar a ofensividade política. Nosso momento é agora", disse.
Eduardo Campos lembrou "o papel histórico de Pernambuco na luta contra o latifúndio", e afirmou ser fundamental transformar a estrutura do setor agrícola no Brasil: "Precisamos combater o modelo patriarcal ainda vigente no campo brasileiro, viabilizar a agricultura familiar e recolocar de outra forma o modelo que temos, que é dependente do agronegócio", disse. O governador ressaltou ainda a importância política dos agricultores familiares: "Foi a população do campo brasileiro que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente respeitou o diálogo, dinamizou a relação com os movimentos sociais e procurou, a partir desse diálogo, construir passos fundamentais para que acumulássemos forças e pudéssemos pensar em novos horizontes para o campo. Não vamos construir uma nação equilibrada se não reconstruirmos o campo que foi destruído pela irresponsabilidade das elites brasileiras".
(Por Maurício Thuswohl, Carta Maior, 26/06/2008)