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biodiesel soja
2008-06-27

A Lei 11.097 de 2005, que tornou obrigatória a adição de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo (B2), passou a vigorar este ano e atingirá o teor de 5% (B5) em 2013. A partir de julho deste ano, o governo já autorizou a adição de 3% (B3). O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) foi criado visando à utilização de diversas fontes de plantas oleaginosas como o dendê, mamona, amendoim, girassol, soja, entre outras, bem como a partir de resíduos gordurosos. Ocorre que, na prática, a maior parte do biodiesel está sendo produzido a partir da soja.

Subprodutos conseguem bom valor no mercado

A pesquisadora Anna Lúcia Mourad avaliou a cadeia produtiva de biodiesel da soja, provavelmente a primeira com este enfoque, em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) sob a orientação do professor Arnaldo Cesar da Silva Walter, do Departamento de Energia.

“O óleo de soja é produzido em quantidades muito superiores às das demais potenciais fontes oleaginosas e tem sido mais usado tanto pela maior disponibilidade, como pelo menor preço, além da enorme cadeia produtiva previamente estabelecida”, afirma Anna Mourad, que há cerca de dez anos trabalha com estudos de avaliação de ciclo de vida no Centro de Tecnologia de Embalagem do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Cetea/Ital).

Em se tratando de biocombustíveis, uma questão crucial abordada pela pesquisadora é o balanço geral de energia. Para o biodiesel da soja, este balanço é positivo, gerando-se três vezes mais energia renovável do que a energia fóssil consumida na sua produção. “Como qualquer outro ciclo produtivo, este requer insumos e apresenta emissões associadas. Há, portanto, um custo ambiental, devido, por exemplo, ao uso de agroquímicos e de solvente orgânico”.

O professor Arnaldo Walter destaca que a pesquisa de sua aluna acusou um consumo significativo de diesel fóssil associado ao uso de equipamentos agrícolas e devido ao transporte dos grãos, quando se considera desde a etapa agrícola até a extração do óleo e a transesterificação. “Na prática, pode-se dizer que o B2 equivaleria a B0,8, substituindo 0,8% e não 2% na matriz de diesel”.

Anna Mourad observa que, ainda assim, há uma redução geral no gasto de diesel pela introdução do biodiesel. Segundo ela, o óleo de soja supriria a meta do B-2 com apenas 14% da produção atual, que é grande a ponto de boa parcela acabar destinada à exportação. “Não haveria necessidade de ampliar a área cultivada de soja, bastaria mudar a destinação de parte do óleo atualmente exportado, produzindo-se dele biodiesel, ao invés de mandá-lo para fora”.

Considerando o que foi consumido em 2006, a viabilização do B2 pediria um volume de 812 milhões de litros de biodiesel no ano. Com a alteração para B3 no segundo semestre, Arnaldo Walter calcula que o volume deve girar em torno de 1 bilhão de litros. “A adição de 2% talvez não pareça significativa, mas do início de 2005 até hoje foram produzidos apenas 685 milhões de litros biodiesel, o que dá uma média bem inferior do que precisaríamos produzir por ano”.

A autora da tese explica que a cultura da soja geralmente ocupa grandes propriedades, com grau elevado de mecanização, e que por estas razões é pouco provável que o biodiesel produzido a partir dela sirva de alavanca para o crescimento dos pequenos agricultores. “Por outro lado, a soja pode representar uma ponte para a entrada de outras fontes oleaginosas, já que a sua cadeia produtiva e o mercado estão estabelecidos há muitos anos”.

Ela reitera que o governo, seguindo no propósito de consolidar a cadeia produtiva de biodiesel inserindo outras plantas, deve considerar a logística de transporte, que tem um peso significativo no consumo de energia. Por razões econômicas, as novas fábricas estão sendo montadas perto da fonte da matéria-prima.

A título de ilustração, Arnaldo Walter pondera sobre a insensatez que seria a concentração do programa de biodiesel, por exemplo, no Nordeste. “O balanço energético de emissões não seria favorável, pois o maior consumo de diesel está em outras regiões e o biodiesel teria de ser transportado em grandes volumes e distâncias”.

Subprodutos

Outro aspecto a favor da soja, na opinião do docente da Unicamp, são seus subprodutos, notadamente o farelo, que possui bom valor comercial e serve a nichos como de rações animais. “Em uma planta, a quantidade que se extrai de óleo é relativamente pequena em relação à massa. É preciso encontrar utilidade para o que sobra. Sabemos de um criador que deu para suas vacas a torta da mamona [que contém princípios tóxicos, em especial a ricina], sem prévio processo de desintoxicação, e perdeu quase todos os animais”.

Anna Mourad considera que a soja oferece uma combinação interessante, pois o farelo é rico em proteína e se constitui atualmente na principal fonte protéica de rações animais, como por exemplo, para frangos. “São mercados que crescem juntos. Esta visão de cadeia precisa estar bem estabelecida, pois não se trata apenas de produzir biodiesel, mas de valorar e destinar os subprodutos para absorção no mercado. Em relação à soja, cada tonelada de biodiesel resulta em 4,4 toneladas de farelo”.

A glicerina é outro subproduto da cadeia da soja, que resulta do processo de transesterificação do óleo em biodiesel. “A produção de 2% de biodiesel da soja gera 80 mil toneladas de glicerina por ano, o que está muito acima das 14 mil toneladas atualmente consumidas no país. Há um excedente ainda sem destino, embora existam iniciativas para usá-la como matéria-prima”.

Maior mistura 

Em tese, motores a diesel podem funcionar com até 100% de biodiesel. Voltando à aparente exigüidade do percentual de 2% de biodiesel misturados ao diesel mineral, o professor Arnaldo Walter informa que existem problemas de operação dos motores. “Não só no Brasil, mas em todo o mundo, a indústria automobilística aceita um limite de biocombustíveis, algo como B3 e B5, sem afetar a garantia dos seus veículos. Maiores percentuais precisam ser estudados e negociados”.

Apesar de estudos indicando que misturas de até 20% não exigem grandes alterações nos motores, a margem de segurança que os fabricantes estipulam é muito menor, não se responsabilizando por problemas como na bomba injetora e nos bicos de injeção. “Diante de toda uma frota de veículos em circulação, as montadoras não aceitariam uma alteração tão radical e repentina para B100, embora não existam profundos segredos em termos de desenvolvimento tecnológico”.

Maior uso de outras fontes ainda depende de pesquisas agrícolas

A soja é a principal fonte para a produção de biodiesel no Brasil e também nos Estados Unidos, enquanto que a Europa tem recorrido principalmente à colza (parente da canola). Embora não existam dados oficiais sobre a participação da soja na produção atual de biodiesel no Brasil, o professor Arnaldo Walter, com base em artigos publicados na mídia, afirma que o índice mais aceito está entre 80% e 83% – fontes do governo falam em 70%, contra os 90% sugeridos pelos críticos do programa de biodiesel. “Quando há uma aceleração do processo produtivo, os únicos capazes de responder imediatamente são os produtores de biodiesel a partir da soja, que também têm poder econômico”.

Anna Lúcia Mourad informa que já existe uma produção importante a partir da gordura animal (sebo) e do óleo de palma, que têm um balanço energético também favorável, segundo a literatura. Há inúmeros outros projetos em andamento, como o desenvolvimento do pinhão manso, que apresenta maior conteúdo de óleo.

“Para produzir biodiesel de outras oleaginosas em larga escala, ainda é preciso maiores pesquisas na área agrícola. Não sabemos se esta predominância da soja é apenas momentânea, ocorre que ela tem se mostrado a mais viável economicamente. Mas outras fontes com maior rentabilidade de óleo podem ser viabilizadas”, diz a pesquisadora.

Arnaldo Walter recorda que a lei publicada em 2005, referente ao programa de biodiesel, prega explicitamente a concessão de incentivos fiscais para a produção de biodiesel a partir de mamona no Nordeste e de dendê no Norte. “Tenho um orientado trabalhando no Rio Grande do Norte, ligado à Petrobras, que foi solicitada a apoiar a agricultura familiar. Uma primeira tentativa com a mamona, em 2006, foi um fracasso; na experiência com o girassol, em 2007, a produção também foi baixa. Este ano estão tentando novamente com o girassol, esperando melhor colheita daqui a um mês”.

Anna Mourad afirma que o bom desempenho da soja é resultado de muitos anos de pesquisa, já havendo cultivares adaptados a todas as regiões do país. “Nenhuma das outras potenciais fontes oleaginosas traz este nível de desenvolvimento tecnológico, mas ele pode vir a ser alcançado”.
 
(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 26/06/2008)


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