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crise alimentar biocombustíveis alta no preço dos alimentos
2008-06-26

OLINDA - A atual crise mundial do preço dos alimentos recoloca de uma maneira muito clara o papel da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária para garantir soberania e segurança alimentar para a população. A avaliação é do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, que, em entrevista à Carta Maior, trata dos objetivos e da importância da Iª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário.

Para Cassel, essa crise, ao mesmo tempo que apresenta problemas sérios, representa uma oportunidade rara para o Brasil. “O Brasil é hoje um dos grandes exportadores de alimentos do mundo e é o país que pode ampliar ainda mais a sua produção, seja por um pequeno aumento de área e, especialmente, por um aumento de produtividade”, defende. Na avaliação do ministro, o setor patronal da agricultura brasileira já se encontra numa fronteira de produtividade e é muito difícil ampliá-la. “Quem pode auxiliar o Brasil neste momento, combater a inflação e produzir mais alimentos de qualidade são os agricultores familiares e os assentados de reforma agrária”. Na entrevista, Cassel também fala das políticas de segunda geração do governo Lula para aumentar a produção de alimentos no país e aborda a polêmica em torno dos biocombustíveis.

Carta Maior: Quais os objetivos e a importância desta Iª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário?

Guilherme Cassel: Em primeiro lugar, é importante destacar que a conferência acontece em um momento histórico muito singular. A humanidade vive hoje uma crise do preço dos alimentos como nunca se viu antes. Isso recoloca de uma maneira mais clara o papel da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária para garantir aos nossos povos soberania e segurança alimentar. Quem produz alimentos neste país são os agricultores familiares e os assentados da reforma agrária. São eles que produzem o arroz, o feijão, o leite, as aves, aquilo que a gente consome no dia-a-dia. Portanto, essa crise, que é uma crise mundial, coloca para o nosso país a necessidade de ter uma política de segurança alimentar e também de exportação de alimentos.

CM: Na sua avaliação, considerando esse contexto de crise mundial, qual é a situação da agricultura brasileira hoje?

GC: Se é verdade que essa é uma crise mundial, que pressiona a inflação, que recolocou o tema dos preços dos produtos agrícolas em um outro patamar, se é verdade que ela coloca dificuldades para todos os países, inclusive o Brasil, na medida que vamos enfrentar daqui para frente problemas de oscilação de preços e pressões inflacionárias, também é verdade que é uma oportunidade rara para o país. O Brasil é hoje um dos grandes exportadores de alimentos do mundo e é o país que pode ampliar ainda mais a sua produção, seja por um pequeno aumento de área e, especialmente, por um aumento de produtividade. Então, na medida em que esse processo apresenta alguns riscos, e apresenta, ele também representa uma enorme oportunidade. E em qualquer uma das situações o fundamental é produzir mais alimentos. E quem pode ampliar a produção de alimentos no Brasil é a agricultura familiar e os assentamentos de reforma agrária. É neste setor que nós podemos dar um salto de qualidade na produtividade. O setor patronal da agricultura brasileira já se encontra numa fronteira de produtividade e é muito difícil ampliá-la. Quem pode auxiliar o Brasil neste momento, combater a inflação e produzir mais alimentos de qualidade são os agricultores familiares e os assentados de reforma agrária.

CM: Um dos objetivos da conferência é apresentar propostas para a formulação de novas políticas públicas que apontem para um novo padrão de desenvolvimento no campo brasileiro. Em relação ao quadro atual, na sua avaliação, por quais caminhos se pode avançar nesta direção?

GC: Eu penso que avançamos muito no primeiro mandato do presidente Lula. A estratégia fundamental do Ministério do Desenvolvimento Agrário, desde a época do ministro Miguel Rossetto, é a de combinar um apoio muito forte à agricultura familiar e o desenvolvimento da reforma agrária. Nós fizemos isso construindo uma rede de políticas públicas permanentes, capazes de dar estabilidade e segurança para quem produz. Então, nós ampliamos muito o crédito do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e criamos linhas novas, reestruturamos o sistema nacional de assistência técnica, criamos o seguro agrícola de preço e de clima, criamos políticas públicas de comercialização – como o Pronaf Comercialização e o Programa de Aquisição de Alimentos. Além disso, passamos a desenvolver políticas de desenvolvimento territorial e assentamos 550 mil famílias no país, destinando mais de 40 milhões de hectares de terra para a reforma agrária. Para se ter uma idéia do que isso significou como avanço, cabe lembrar que o Brasil tem, na história de sua República, 970 mil famílias assentadas. Ou seja, mais da metade do universo das famílias assentadas na história do país, é resultado do que foi feito nos últimos cinco anos. Então, esse foi um conjunto de políticas muito importantes. O segundo mandato do presidente Lula exige de nós uma superação dessas políticas, uma superação de qualidade, o que a gente chama de políticas de segunda geração. O primeiro passo neste sentido é o programa Territórios da Cidadania. Só em 2008, esse programa investirá 12,9 bilhões de reais em 60 territórios, representando uma política de articulação de outras políticas públicas e a estratégia fundamental do governo federal para combater a pobreza no meio rural. E agora, nesta mesma linha de programas de segunda geração, estamos lançando o programa Mais Alimentos que será a estratégia central do governo federal para enfrentar a crise mundial dos alimentos. A partir de um processo de modernização acelerada da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária, o objetivo é ampliar a produção de alimentos deste setor.

CM: Há uma polêmica hoje, em nível internacional, sobre o tema dos biocombustíveis. Essa questão também faz parte da agenda de debates da conferência. Qual sua avaliação sobre o papel que o Brasil pode desempenhar para a construção de uma nova matriz energética mundial?

GC: Esse é um tema tão delicado como importante, que precisa ser encarado de uma maneira muito clara e objetiva. Em primeiro lugar, o mundo todo está vivendo o fim da era do petróleo. Começamos a viver o problema da falta de petróleo, da falta de combustíveis fósseis. O barril de petróleo que custava dólares há um ano e pouco, hoje está custando 140 dólares. Isso desestabiliza os países que são importadores de petróleo, desestabiliza economias e regimes políticos. O padrão atual do petróleo é insustentável. Não devemos esquecer que esse padrão, que perdura há tantas décadas, concentrou renda, impôs desigualdades regionais e, inclusive, patrocinou guerras. A humanidade precisa hoje de um outro padrão energético que seja sustentável, que não polua e que possa criar novas relações econômicas e sociais. É neste contexto que surge a possibilidade de uma nova matriz produtiva baseada em biocombustíveis. Agora, no caso brasileiro, quando falamos em biocombustíveis, há algumas confusões que precisam ser esclarecidas. Nós temos dois modelos. Temos o modelo do etanol e o do biodiesel. O primeiro é um modelo que tem mais de 35 anos e que precisa ser revisto, pois pode reconcentrar renda, pode induzir monocultura, que possui questões trabalhistas importantes a resolver. Precisamos, rapidamente, evoluir para a certificação ambiental, social e trabalhista do etanol. Mas esse modelo representa uma tecnologia muito importante que pode ajudar não só o Brasil mas toda a humanidade.a constituir um novo padrão energético. Já o biodiesel é um programa recente do governo Lula, que foi criado já considerando a necessidade de incluir a agricultura familiar e campesina nesta cadeia produtiva. E está conseguindo. Então é um programa que, evidentemente, precisa ser revisitado e checado de forma permanente para ser melhorado, mas é um programa que não carrega todos os problemas do etanol. É importante perceber com clareza que, no Brasil, 42% da matriz energética é de biocombustíveis enquanto que, no resto do mundo, esse índice é de apenas 2%. Isso nos coloca muitas vantagens comparativas e ajuda a explicar a ira dos países desenvolvidos e da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) contra a política do governo brasileiro. Nós temos que afirmar a nossa política de construir outro padrão energético fundado em biocombustíveis e, a partir da nossa experiência, construir uma matriz que tenha relações econômicas e sociais mais justas, mais solidárias e, acima de tudo, que preservem o meio ambiente e promovam um modelo de desenvolvimento sustentável e justo.

(Por Marco Aurélio Weissheimer, Carta Maior, 25/06/2008)


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