O integrante da direção nacional do MST, Cedenir de Oliveira, radicado no Rio Grande do Sul, denuncia articulação entre o Ministério Público estadual, a Brigada Militar e o poder econômico para reprimir as organizações contrárias o uso da terra à serviço dos interesses do capital internacional.
"O processo do Ministério Público em pedir a dissolução do MST revela um posicionamento ideológico. Essa acusação de violência é uma farsa". Também ouça no UOL News entrevista de Cedenir e de Jacques Távora sobre a criminalização do MST no RS, aqui.
Abaixo, confira a íntegra da entrevista com Cedenir de Oliveira, publicada no Terra Magazine:
O promotor do Ministério Público Gaúcho Gilberto Thums qualificou o MST como "organização criminosa" e "braço de guerrilha". Qual a sua opinião sobre as essas declarações?
Cedenir de Oliveira - O que se apresenta aqui no Rio Grande do Sul é uma das maiores articulações políticas, jurídicas, econômicas e militares após a ditadura militar. Essa indignação é por temos feito mobilizações que questionam a forma como esse modelo econômico está sendo implementado na nossa sociedade, e sobretudo na agricultura, que entrega aos interesses do capital internacional a nossa terra e a nossa riqueza. E quem pensa diferente está sendo tratado como criminoso, como bandido. O processo do Ministério Público em pedir a dissolução do MST revela um posicionamento ideológico. Quem fala isso é porque não conhece nossos assentamentos, nossas escolas e nosso processo de mobilização que viemos construindo no Rio Grande do Sul durante os últimos 25 anos.
Por outro lado, o promotor acusa o movimento de ter métodos truculentos e violentos durante as mobilizações. Isso é verdade?
Diria o poeta que você chama de violentas as águas do rio que tudo arrasa, mas não chama de violentas as margens que o oprimem. Ontem pela manhã, nós do conjunto dos movimentos sociais fizemos uma denúncia juntamente com a denúncia do Ministério Público quanto à forma com que a Brigada Militar vem tratando os movimentos sociais aqui no Rio Grande do Sul. Essa acusação de violência é uma farsa. Se pegarmos as imagens de nossas mobilizações, elas revelam de quem é a truculência. Ele (o promotor Gilberto Thums) acusou na entrevista que nós teríamos saqueado um mercado. Isso não é verdade, é uma mentira desse procurador. Nós estávamos fazendo uma mobilização em frente ao mercado nacional e fomos reprimidos. Num segundo momento, nós estávamos parados num parque aonde a polícia avançou e bateu, agrediu, prendeu, os nossos manifestantes. Então, isso revela que há uma articulação entre o Ministério Público estadual, a Brigada Militar, o poder econômico do estado para reprimir as organizações que pensam diferente.
Há alguns meses, foram divulgadas imagens da empresa multinacional Monsanto, instalada no Rio Grande do Sul, que foi totalmente depredada, ação supostamente feita por integrantes do MST. Aquele episódio não demonstra um procedimento truculento dos manifestantes?
Olha, me parece que precisaríamos de mais tempo para discutir o caráter das mobilizações, o que significa ações simbólicas que demarcam um posicionamento a essa atrocidade que está sendo feita aqui. O Ministério Público deveria investigar os crimes que as empresas de celulose estão cometendo aqui no Rio Grande do Sul. Tanto é que uma empresa multinacional já comprou terras próximo à fronteira, o que é ilegal, e isso não está sendo visto.
Mas o senhor não nega que houve aquele episódio.
Não. Existe algumas mobilizações como foi o caso das companheiras (da Via Campesina) que foram até o viveiro da Aracruz onde fizeram uma manifestação e destruíram as mudas que estariam sido plantadas em terras onde estaria sendo feita a reforma agrária. Ele (Gilberto Thums) fala de que não existe terra para a reforma agrária, mas o que estamos vendo é uma entrega total; foi anunciado que mais de 1 milhão de hectares de terras serão destinados à produção de eucalipto. O que estamos vendo aqui é essa articulação que reprime aqueles que denunciam esse tipo de ações que estão ocorrendo no estado. E a repressão não se restringe ao MST, está recai também sobre as demais organizações populares do estado.
Quais são os procedimentos de uma operação do MST, a partir do momento em que um território é destinado pela União ou pelo governo estadual a um assentamento do movimento? O que é feito na terra? Ela torna-se produtiva logo em seguida?
Temos no Rio Grande do Sul mais de 300 assentamentos e mais de 13 mil famílias que se encontram assentadas. Há todo um processo juntamente com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que a partir da posse da terra existe vários deveres com quê os assentado que permanece na terra deve cumprir: viver da propriedade, usá-la de forma sustentável. Existem estudos do Incra que indicam que os assentamentos, do ponto de vista econômico e social, estão numa qualidade de vida muito maior e melhor do que os pequenos agricultores em torno dos assentamentos. Nós não temos nenhuma dúvida sobre isso. Quem fala que os assentamentos não dão certo é porque não conhecem os assentamentos. Nós temos experiências importantíssimas do ponto vista mão só econômico mas também ambiental. Somos os maiores produtores de arroz orgânico do Rio Grande do Sul, a maior experiência da produção de sementes orgânicas de hortaliças estão nas áreas dos assentamentos; nós temos mais de 2 milhões de litros de leite produzidos na metade sul do Rio Grande, o que representa 20% da produção da metade sul do Rio Grande, sem falar do ponto de vista da educação, da saúde e das pessoas que a partir de agora deixaram de passar fome e estão novamente inseridas na sociedade. Muitas vezes este aspecto não é levado em conta, somente quantas sacas por hectare de soja são produzidas, sem levar em consideração quantas famílias estão estudando, estão comendo, dormindo e convivendo novamente na sociedade.
Isso tudo é distribuído pelo mercado gaúcho?
Sim, no mercado gaúcho.
Quantos são os integrantes do MST no Rio Grande do Sul?
Temos em torno de 13 mil famílias assentadas e 2.500 famílias acampadas no Rio Grande do Sul.
Como o MST vê a questão da propriedade da terra? A terra não deve pertencer a uma pessoa e sim a todos?
Isso é verdadeiro. Partimos do princípio de que a terra é um bem natural, que não deve servir aos interesses de uma proprietária ou uma empresa. Para isso ela tem que estar a serviço do desenvolvimento da sociedade. Por isso entendemos que é incompatível um proprietário deter 100 mil ou 1 milhão de hectares de terra enquanto, em contrapartida, hoje no Brasil há mais de 5 milhões de pessoas que não têm acesso à terra. Entendemos que a terra não deve ser da propriedade privada, mas deve servir aos interesses da sociedade. Ela deveria produzir alimentos, e não produzir matérias-primas para os interesses do capital internacional.
Então, esse é o argumento utilizado quando da ocupação de propriedades particulares?
É. A própria Constituição nos diz que além da produtividade ela deve cumprir sua função social. Não é somente estar produzindo mercadorias, ela deve ajudar no processo de desenvolvimento regional, com respeito ao meio ambiente e às leis trabalhistas. São requisitos que a Constituição nos garante.
Mas as ocupações não transgridem a Constituição?
Não. A Constituição garante que o direito à vida está acima do direito à propriedade privada. O direito á vida, à biodiversidade, a que essas famílias possam viver dignamente, a propriedade privada é fator secundário desse processo.
É verdade que alguns integrantes do MST vendem as terras repassadas pela União e se beneficiam dessa iniciativa?
A terra não é de propriedade individual, ela permanece como propriedade do Incra. O Incra dá uma concessão do uso à pessoa, que não é proprietária da terra. O órgão regulador que vê se essa pessoa que está no assentamento está utilizando a terra para o devido fim é o próprio Incra. É verdade que em alguns casos as pessoas que chegam nos assentamentos depois não permanecem; no Rio Grande do Sul, cerca de 5%. Eles ou não se adaptam, ou preferem voltar às regiões de origem.
A reforma agrária avançou nos anos de governo Lula?
Não existe um programa de reforma agrária em nosso País, e nunca existiu. O que existe são políticas de assentamentos, que tiveram maior ritmo em alguns momentos. Nesses anos do governo Lula nós aqui do Rio Grande do Sul assentamos apenas 850 famílias, o que está aquém das necessidades e das demandas dos movimentos sociais.
A defesa do MST alega que sua dissolução é impossível, pois o movimento não possui personalidade jurídica. Por que o MST não possui um CNPJ?
Porque é um movimento social, dentro do qual as famílias se organizam num processo de luta para a conquista dos seus direitos. Não há a necessidade para que se haja a entidade jurídica. Nosso movimento é de pressão social, não há a necessidade de nenhuma entidade jurídica. Nosso movimento tem a legitimidade pela moral, pela forma, por como assentamos as famílias. Não precisa de presidente, não precisa de CNPJ.
(MST, 25/06/2008)