A constatação de que as UC´s possuem 19% do desmatamento total amazônico em maio não é surpresa. Desde o começo do mês, o relatório feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) aponta graves falhas estruturais que impedem as unidades de cumprir fielmente com os objetivos pelos quais foram criadas: proteger o meio ambiente da região.
O primeiro entrave destacado é a baixa efetividade que o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apresentam enquanto órgãos responsáveis por criar e gerir Unidades de Conservação sustentáveis na Amazônia.
Mário Menezes, diretor-adjunto da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira (AdT), entende esse problema como algo que precede a eficiência dos órgão ambientais. Para ele, trata-se de cuidar da não-priorização da dimensão ambiental no processo de planejamento governamental no mesmo nível de setores econômicos e de infra-estrutura. "Se não há essa priorização, também não há como os órgãos ambientais estarem preparados para se realizarem bem suas responsabilidades e atribuições. È só comparar com os órgãos fazendários, por exemplo. Por que a área fiscal do governo funciona de forma satisfatória? Porque arrecadar é uma prioridade do governo", diz ele.
De acordo com o relatório, "tal fato decorre do não cumprimento das metas estabelecidas no Plano de Ação para Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal (PAPCD), que não criou todas as Ucs planejadas. Verificou-se, ainda, que é baixo o percentual de unidades de conservação com plano de manejo implementado. Além disso, nenhuma está com a regularização fundiária concluída e há vários casos de sobreposição de terras de unidades de conservação federais com terras indígenas, com assentamentos da reforma agrária ou com unidades de conservação estaduais ou municipais".
A falta de unidades com seus planos de manejo funcionando mereceu destaque por parte do TCU. Isso porque esses planos prevêem, dentre outras coisas, a integração da área protegida em questão às atividades econômicas e sociais das comunidades de seu entorno. Para Menezes, a dificuldade de implementar esses planos de manejo consiste no fato de que "primeiro, é difícil elaborá-los e aprová-los, já que as políticas de governo não priorizam a dimensão ambiental do desenvolvimento, fica só no crescimento econômico a qualquer custo - vide o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. É por isso que se criam tantas Ucs, porque criá-las é um ato administrativo, que pode não ter conseqüência alguma- e em grande parte dos casos não tem mesmo - já que essas áreas podem não ser implantadas e consolidadas, ficando, de alguma maneira, no mercado de terra da região e do país".
Conforme a Lei 9.985/2002, "Enquanto não aprovado o plano de manejo, são proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização, em desacordo com os seus objetivos. Até que o plano seja elaborado, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger. Neste caso, são asseguradas às populações tradicionais, porventura residentes na área, as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais".
Terra de ninguém
O relatório do TCU constatou que das 31 unidades de conservação existentes nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins, a União detém o domínio e posse das terras em somente 17 delas, algo próximo a 55% do total. Segundo o documento da auditoria "há, nessas unidades, 306 processos de regularização fundiária pendentes, isto é, são casos de ocupantes que precisam sair das terras. Não há unidades de conservação com a situação fundiária plenamente regularizada, pois nenhuma está inscrita no cadastro de imóveis rurais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além dos vários casos de sobreposição de áreas e de invasão por terceiros. A principal causa seria o desconhecimento dos procedimentos a serem adotados, bem como a insuficiência de recursos financeiros para pagar as indenizações para que as pessoas saiam das terras".
Para do diretor da AdT, a falta de regularização fundiária atrapalha a gestão das unidades de conservação "na medida em que as áreas de entorno podem ser usadas pela especulação e grilagem, porque a terra não é destinada de forma lícita e legítima é 'terra-de-ninguem'. Ou seja, a não-implementação do Estado de Direito torna as Ucs também vulneráveis do ponto de vista de sua integridade e desenvolvimento, como qualquer outra área ou atividade lícita".
Menezes explica ainda que essa situação prejudica a cobrança de multas por irregularidades cometidas nas áreas das Ucs, já que a lei não alcança que não está atuando dentro de seus parâmetros. "Se você é um proprietário de terra na Amazônia você tem endereço certo e conhecido e tem bens que podem ser arrestados para pagamento da multa. Já eu, grileiro, desmato uma área que é pública e na hora que o órgão ambiental flagra o desmatamento, ele não está me flagrando necessariamente porque não tendo eu título de propriedade. Assim, o órgão repressor não consegue me pegar, por não saber meu endereço certo. Daí, eu vou pra outra área fazer o mesmo que fiz na que gerou a autuação e a multa, que nunca vou receber. No frigir dos ovos, como dizem na minha terra, o ordenamento fundiário é pano de fundo para a maioria das questões socioambientais na Amazônia".
A conclusão a que chegam os auditores do TCU é a de que a União não detém o domínio ou posse das terras públicas inseridas no limite da cada unidade. "A regularização fundiária é uma questão importante para as unidades de conservação, como preconizado no Plano Amazônia Sustentável (PAS), pelo fato de garantir o zoneamento e a efetiva gestão dessas áreas".
Leia o documento na íntegra(
Amazonia.org.br, 25/06/2008)