Sistema de alerta de doenças de plantas permite racionalizar o uso de agrotóxicos, embora ainda sejam pouco utilizados. Entre as razões que inibem seu uso estão: a complexidade dos modelos utilizados, a dificuldade de obtenção dos dados necessários à sua viabilização e os custos para o agricultor. Entretanto, o desenvolvimento tecnológico recente como estações meteorológicas automáticas, bancos de dados, monitoramento agro-meteorológico na Web e técnicas avançadas de análises de dados, permite pensar em um sistema de acesso simples e gratuito.
Estudo foi feito com ferrugem do cafeeiro
Esta possibilidade motivou o pesquisador Carlos Alberto Alves Meira, orientado pelo professor Luiz Henrique Antunes Rodrigues, a apresentar tese junto à Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, que teve como objetivo principal testar uma metodologia para obtenção de modelos de alerta de doenças de plantas, utilizando para estudo de caso a ferrugem do cafeeiro, face à base de dados disponível.
Dados históricos acumulados permitem calcular as taxas de infecção a partir de avaliações mensais de incidência da ferrugem correlacionando-as com variáveis independentes como carga pendente de frutos do cafeeiro, espaçamento entre plantas e dados meteorológicos (temperatura média, índice pluviométrico, velocidade dos ventos, umidade relativa, molhamento folhar - porque o desenvolvimento dos fungos está relacionado ao orvalho e à incidência de chuvas).
O pesquisador explica que a primeira parte do processo envolve a seleção das informações que efetivamente interessam e devem ser processadas com a utilização de algoritmos de mineração de dados. Ele esclarece que preparou os dados para utilização em ferramentas de modelagem já existentes de forma que pudessem ser utilizados para a obtenção de modelos no formato de árvore de decisão. É ela que vai determinar em que situações a aplicação do agrotóxico se justifica.
O professor Antunes Rodrigues acrescenta que, com recursos da inteligência artificial, é possível determinar um modelo que leva em consideração as informações que devem ser efetivamente representadas na árvore de decisão. Essa árvore, dependendo de como as condições que interferem no progresso da doença se comportaram, permite predizer como será possivelmente seu desenvolvimento futuro. Ou seja, com base nos dados preparados a ferramenta monta a árvore de decisão: “A ferramenta determina o padrão de comportamento sugerido pelos dados, coisa que um ser humano não consegue, o que é feito pela inteligência artificial. Em função disso, o modelo emite um alerta. E foi a possibilidade de chegar a esse sistema de alerta que motivou a realização do trabalho, que determina quando se deve aplicar o defensivo com maior eficiência e não aplicá-lo sem necessidade ou depois do tempo devido, o que levaria a prejudicar a produção. Com isso se reduzem custos e impactos ambientais”.
O professor conclui que as técnicas de mineração de dados e árvore de decisão já são aplicadas em múltiplas situações e que a grande inovação foi a sua utilização na área de epidemiologia de doenças de plantas e considera esta uma forma de se extrair conhecimentos a partir de um conjunto de dados.
Meira afirma que os dados históricos foram inicialmente preparados para que pudessem ser adotados em uma ferramenta e que esta constitui a primeira fase do trabalho. Durante ela são ainda necessárias transformações, pois a partir de um atributo como umidade relativa se pode obter outro atributo como molhamento folhar. Esta fase leva à construção de um conjunto de dados para modelagem, quando são utilizados ferramentas ou algoritmos de mineração de dados, ou de aprendizado da máquina, como se denomina na computação. Ele diz que um ser humano não consegue visualizar a partir daí os padrões de comportamento, mas ali estão informações ocultas. O objetivo das ferramentas é transformar esse conjunto de dados em informações objetivas, interpretando-os de forma a predizer uma ocorrência.
A aplicação do modelo depende de sua validação para garantia de sua confiabilidade. Não foi objetivo do estudo chegar até essa fase final e nem desenvolver programas que possam ser monitorados. Desenvolvidos esses programas, o sistema adquire condições de receber dados e dar respostas baseadas nos conhecimentos obtidos a partir do modelo desenvolvido.
Meira procurou comprovar a hipótese de que, ao analisar os dados meteorológicos correlacionando-os com os da incidência das doenças causadas por fungos, seriam obtidos modelos de alerta de confiabilidade referendada por algumas medidas de avaliação já existentes, ou seja, se obteriam modelos confiáveis e utilizáveis em um processo de monitoramento. E efetivamente, segundo essa avaliação, o modelo levou a bons resultados, que confirmam a hipótese.
A estimativa de precisão, ou acurácia, por validação cruzada, foi de 83%, o que corresponde à precisão dos melhores modelos existentes. Ele conclui dizendo que essa forma de representação do conhecimento pode ser utilizado para analisar as epidemias da ferrugem, pois permite determinar que fatores são determinantes no progresso dessa doença. Considera que essa é uma instância do processo, que se ateve a dados reais, mas que permite transpor o modelo para uma aplicação genérica, viabilizando-o para outras doenças similares. Admite que para sua mais segura aplicabilidade, há necessidade de que os dados sejam coletados de uma forma mais adequada, de forma a tornar o sistema mais consistente.
Antunes Rodrigues lembra que no Brasil é a primeira vez que se faz esse tipo de aplicação e mesmo em outros paises são poucos os trabalhos na epidemiologia de doenças de plantas e essa é a grande inovação. Considera que o estudo possa vir a ser referência, por ser o primeiro da área.
(Por Carmo Gallo Neto, Jornal da Unicamp, 24/06/2008)