Nenhuma expressão em inglês foi adotada, traduzida e copiada tão rapidamente quanto "pegadas de carbono". Outras tentaram - como "recontagem de votos", por exemplo - mas não refletiam a potencial revolução na consciência que a pegada de carbono sugere. Afinal, pegada de carbono resume algo para o qual não tínhamos uma expressão única: a totalidade do impacto ambiental individual mensuráve,l ou simplesmente o que o seu estilo de vida custa ao planeta. "Pegada de carbono" está para o seu ser físico como sua "alma" está para seu espírito.
De certa forma as pegadas de carbono não representam uma boa metáfora. O carbono em questão - o dióxido de carbono que contribui para o aquecimento global - é um gás difuso demais para se assemelhar a uma pegada. Ainda assim, a frase soa consciente. Você sente que reduz o aquecimento global só por utilizá-la.
Por isso ela está em todas as propagandas. Por exemplo, a Autoridade de Transporte Metropolitano de Nova York agora tem uma campanha chamada Ecolução (Ecolution, no original), que parabeniza os usuários do metrô por fazerem sua parte em reduzir as pegadas de carbono ao pegar o transporte público. A campanha é uma ótima idéia; ela nos ajuda a lembrar das conseqüências de nossas ações. Mesmo assim, implica estranhamente, que você teve a repentina opção de pegar o trem da Rua 86, como sempre, ou dirigir do subúrbio onde você não vive um carro que você não tem.
Medidas das empresas
Companhias de todos os ramos adotaram a expressão. O Wal-Mart anunciou no outono que iria pedir que seus fornecedores repensem e diminuam suas pegadas de carbono, uma das formas em que a rede tenta se tornar mais verde. A BP, gigante petrolífera, tem um calculador de pegadas de carbono em seu website, bem como um link para uma página em que expressa sua opinião conservadora a respeito da mudança climática. Os consumidores que queiram comprar a neutralização de carbono para compensar suas próprias pegadas começam a poder fazer isso perto de casa. Por que não comprar a neutralização de suas pegadas de carbono na feira junto com os produtos locais?
A sutileza dessa mudança na consciência - e a nova expressão que a acompanha - é impressionante. Um pouco preocupante também. Isso porque é muito mais fácil encontrar novas palavras do que mudar velhos hábitos e fácil demais confundir a presença de uma nova linguagem com uma mudança na expressão. Pegadas de carbono - bem como o ato de calcular as suas emissões - ainda é algo difícil e incerto. Existe a possibilidade de melhorias no processo no futuro, melhores formas de se calcular o impacto individual, cívico e corporativo.
O que me faz suspeitar de tudo isso é simplesmente saber quão rápido adotamos novas frase e quão agilmente as confundimos com a realidade - ou irrealidade - de nossas ações. As duas coisas que aparentemente fazemos mais instintivamente é manipular a linguagem e criar mercados e esses dois instintos convergem quando se trata de pegadas de carbono. Criar um mercado moral em relação ao carbono - ou uma neutralização que compensa nosso estilo de vida consumidor de energia - parece um pouco mais ilusão do que realidade.
Não me leve a mal, eu não sou cética em relação à mudança climática. Na verdade, eu acredito que a idéia da pegada de carbono é um pouco camuflada, um pouco pacificadora demais, um pouco persuasiva demais ao dizer que podemos sair desse problema de forma fácil e rápida. O mesmo acontece com a neutralização do carbono, até mais. Não há nada trivial em se compreender a idéia que está por trás da pegada de carbono, tentando entender a escala do nosso consumo e seu custo ambiental. Mas pensar sobre isso corretamente nos leva a uma profunda crítica de quem somos e como nos comportamos. Agir sobre isso é imediatamente perceber o quanto nossa vida é repleta de carbono.
(Por VERLYN KLINKENBORG, NYT, Ultimo Segundo, 24/06/2008)