No último Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), integrantes de autarquias do Estado denunciaram novas irregularidades na gestão ambiental do RS. Especificamente acusam o desvirtuamento da finalidade prevista em lei para os recursos da compensação ambiental pagos por projetos de significativo impacto ambiental. A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do Snuc, 9.985/2000), em seu artigo 33, determina que valores destinados à compensação ambiental sejam aplicados prioritariamente em unidades de conservação, existentes ou a serem criadas, dentro da seguinte ordem de prioridade:
- regularização fundiária e demarcação das terras;
- elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo;
- aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amortecimento;
- desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade de conservação;
- e desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e área de amortecimento.

Conforme denúncia encaminhada por funcionários públicos estaduais ao Ministério Público (MP-RS), após a criação da Câmara Estadual de Compensação Ambiental, em 2005, recursos da compensação ambiental da ampliação da planta da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), cujo total somou aproximadamente R$ 20 milhões, teriam sido usados na contratação de profissionais "CCs" (com cargos em comissão), sendo que alguns deles estariam trabalhando diretamente na área de licenciamento ambiental.

Os denunciantes, que pediram para não ser identificados, informaram ter entregue um CD com o demonstrativo de aplicação dos recursos da compensação referida ao MP-RS no qual constam as irregularidades. Segundo eles, um ex-secretário da Sema RS e um ex-diretor do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap) estariam sendo investigados em razão desta denúncia. "O que vinha ocorrendo é que não se aplicava um centavo em unidade de conservação, nunca se aplicou. Esse dinheiro foi para a contratação de CCs, e aí existem problemas que começamos a ver quando começamos a trabalhar na Câmara [de Biodiversidade], de processos que conseguimos pelo menos estancar, de pessoas que foram contratadas para trabalhar com recursos compensatórios de uma UC e que se sabe que nunca trabalharam naquela UC. Eram usadas para outras funções dentro da Secretaria [Sema RS]", informa um dos denunciantes.
 
Concentração de poder
Os funcionários públicos estranham também a recente recriação da Câmara Estadual de Compensação Ambiental (Ceca), por meio da Portaria número 15, de 24 de março de 2008, assinada pelo secretário Carlos Otaviano Brenner de Moraes. Eles afirmam que a portaria original de criação da Ceca é a 015/2005 e que a mais recente "dissolveu a Câmara que já existia, que vinha trabalhando bem, com integrantes de vários órgãos do Estado, e criou uma nova Câmara que dá poderes absolutos para o secretário do Meio Ambiente". "Agora, ele tem o poder de elaborar o plano e enviar para a Câmara deliberar. Se a Câmara deliberar algo que o secretário não gostou, ele pode suspender, ele tem poderes de desfazer a deliberação. E além de a Câmara ter que seguir esse plano, e o secretário dar a deliberação final após a deliberação da Câmara, ele pode, eventualmente, criar uma proposta nova para apresentar", aponta um denunciante.
 
A Portaria Sema RS 16, de 2006, publicada no Diário Oficial do Estado de 31 de março daquele ano, página 83, institui a Ceca como um órgão colegiado formado por representantes da Assesoria Técnica (Asstec) da Sema; do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) do Defap; da Divisão de Unidades de Conservação (DUC) do Defap; do próprio Defap; do Departamento de Qualidade Ambiental (DQA) da Fepam; e da Fundação Zoobotânica. Afirma que o coordenador da Ceca será indicado pelo secretário do Meio Ambiente.
 
Já a Portaria 15/2008 mantém como integrantes os sete membros de instituições indicadas pela portaria anterior, mas vincula a Câmara diretamente ao gabinete do titular da Sema RS, ao expressar que "a proposta de aplicação de recursos provenientes de medida de compensação ambiental deliberada será objeto de aprovação pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente". Afirma também que "caberá ao Secretário de Estado do Meio Ambiente propor Plano Anual de Gestão Ambiental para aplicação de medidas compensatórias, indicando a aplicação dos recursos". E mais: diz que o Secretário de Estado do Meio Ambiente poderá propor plano específico de aplicação de medidas compensatórias não contemplado no Plano Anual. Conforme os denunciantes, desde março último, quando foi editada esta portaria, não foram nomeados os integrantes da Ceca, o que para eles é interpretado como uma concentração de poder junto ao titular da Sema RS.
 
Delta do Jacuí
Em maio deste ano, o titular da Sema RS e o prefeito de Porto Alegre José Fogaça reuniram-se com o presidente da Assembléia Legislativa (AL-RS) para tratar da destinação de R$ 18 milhões, referentes à compensação ambiental da quadruplicação da planta da Aracruz, para o Parque Delta do Jacuí. Criado em 1976 e transformado em Área de Proteção Ambiental (APA) por um projeto do então deputado Vieira da Cunha, em outubro de 2005, o Delta do Jacuí tem uma APA com área total de 22,8 mil hectares, incluindo partes continentais e 30 ilhas. É formado pelos municípios de Porto Alegre, Canoas, Charqueadas, Eldorado do Sul, Triunfo e Nova Santa Rita, com uma estimativa de ocupação irregular por parte de 14 mil pessoas. É considerado um dos mais incômodos passsivos socioambientais do Estado.
 
Contraponto
O secretário de Meio Ambiente, Otaviano Moares por meio de sua Assessoria de Imprensa, explicou, na última quinta-feira (19/06), que o objetivo da edição da Portaria 15/2008 foi atualizar o documento, "tendo em vista que a [Portaria] anterior data de mais de dois anos, sendo necessárias algumas modificações, inclusive porque é uma decisão de gestão que o secretário do Meio Ambiente tenha oportunidade de participar dos destinos das medidas compensatórias previstas na Portaria".

Com relação ao detalhamento do conteúdo do documento com as denúncias entregues ao MP-RS sobre possíveis desvios de finalidade na aplicação dos recursos da compensação ambiental no Estado, o órgão foi contatado três vezes pela reportagem do AmbienteJÁ, mas não deu retorno.

(AmbienteJÁ, 24/06/2008)