Maquiada pela limpeza e a jardinamento das margens, lagoa tem nas águas sujas número excessivo de tilápias, peixes africanos que aumentam poluição
A Lagoa da Pampulha tem peixes, aos montes. Podem chegar a 28 por metro quadrado de espelho d’água nas partes mais profundas. É densidade para pescador nenhum botar defeito. Poder-se-ia concluir, portanto, que as águas do mais conhecido cartão-postal de Belo Horizonte estão boas. Certo? Errado! A proliferação excessiva de peixes é um sinal de deterioração. Mais do que isso, o fenômeno contribui para piorar a qualidade da água. Os índices de fósforo, nitrogênio amoniacal e clorofila-a da Pampulha estão várias vezes acima do permitido para a Classe II.
Até essa categoria, de acordo com a Resolução nº 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), pode-se nadar e praticar esportes náuticos. Ou seja, na Pampulha, nem pensar. As medições de indicadores bioquímicos e de densidade de peixes foram feitas em maio por pesquisadores do Laboratório de Gestão Ambiental em Reservatórios do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que estudam a lagoa há 15 anos. Eles avisam que, além de investimentos pesados para evitar que esgotos cheguem à Pampulha, será necessário reduzir a quantidade de peixes, ainda que para isso se liberem práticas predatórias, como a pesca com tarrafa.
Não é preciso mais do que uma rápida espiada nos dois braços da lagoa que recebem os córregos Sarandi e Ressaca para perceber o mau estado das águas. Emanações de gás formam bolhas a todo momento. O biólogo Ricardo Pinto Coelho, coordenador do laboratório do ICB, observa que a estação de tratamento instalada no Parque Ecológico da Pampulha recebe uma parte muito pequena da vazão dos córregos e não está equipada para capturar fósforo e nitrogênio.
As medidas tomadas pela equipe do ICB em 17 de maio dão respaldo técnico à impressão visual. Em 15 pontos de coleta, a concentração de nitrogênio amoniacal variou de 1,7 miligrama por litro a 2,4 miligramas por litro. O limite para a Classe II é de 1 miligrama por litro. O índice de fósforo oscilou de 140 microgramas por litro a 250 microgramas por litro, sendo que o teto para a Classe II é de 30 microgramas por litro. Por fim, a clorofila-a foi de 63 microgramas por litro a 130 microgramas por litro, ou seja, chegou a mais de quatro vezes a concentração máxima da Classe II, que é de 30 microgramas por litro.
Os altos índices dessas substâncias dão as pistas do círculo vicioso da poluição. O fósforo e o nitrogênio alimentam as algas, que têm o crescimento detectado pela presença da clorofila-a. As algas são decompostas com forte absorção de oxigênio por bactérias que freqüentemente produzem toxinas. O resultado são águas com baixa taxa de oxigênio dissolvido e envenenadas, com sérios prejuízos para a fauna, as plantas e o homem.
A abundância de peixes nesse ambiente desfavorável tem uma explicação. São principalmente tilápias, uma espécie exótica (africana) introduzida na Pampulha, que tem grande capacidade de adaptação a lagos poluídos. O biólogo Carlos Bernardo Mascarenhas Alves, do Projeto Manuelzão/UFMG, diz que há uma percepção geral entre os estudiosos de que a tilápia tem o hábito de revolver o fundo dos lagos para buscar alimento e pôr ovos, levando para a coluna d’água elementos nocivos, como o fósforo, antes sedimentados. Há indicações também de que a tilápia se alimenta de ovos de peixes de outras espécies.
Recentemente, a equipe do laboratório do ICB fez entrevistas com pescadores habituais da Pampulha. Elas revelaram que a tilápia é praticamente o único peixe capturado atualmente na lagoa. A última pesquisa científica sobre o estoque de peixes foi feita entre 2001 e 2002, pelo bolsista de pós-graduação Gilberto Nepomuceno Salvador, com apoio da PUC Minas e do Projeto Manuelzão. Nas coletas, 78% dos exemplares foram de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus).
As capturas registraram 10 espécies na lagoa, metade do que foi encontrado 10 anos antes, em outra pesquisa semelhante. Salvador também constatou que praticamente desapareceram as espécies mais pescadas no passado. O trairão, originário da Bacia Amazônica, e a pirambeba, nativa da Bacia do Rio das Velhas, eram muito apreciados pelos pescadores pela qualidade da carne.
As estimativas inéditas da densidade de peixes na Pampulha, assim como da Lagoa Central, na cidade de Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estão sendo feitas pelo biólogo José Fernandes Bezerra Neto com o emprego de uma sonda hidroacústica, adquirida pelo laboratório do ICB com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig).
A instituição concedeu a Bezerra Neto uma bolsa de pós-doutoramento para refinar o trabalho. Ele explica que a sonda, montada num barco, emite ondas sonoras e identifica fauna, flora e sedimentos pelo retorno do som ao encontrar obstáculos. Os peixes são localizados por causa da resposta específica produzida pelo ar contido em suas bexigas natatórias. Programas de computador aplicados à sonda permitem estimar o tamanho e o peso dos indivíduos.
(Por Bernardino Furtado, UAI, 22/062008)