O encerramento da 5ª reunião ordinária da Comissão Nacional de Política Indigenista, em 19 de junho último, presidida pelo Presidente da República e com a participação de mais da metade de integrantes do primeiro escalão de seu governo, teve caráter inédito e foi considerado um marco histórico tanto pelos representantes indígenas quanto pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. Adquiriu significado ainda maior porque o objetivo da reunião não era apresentar o que o Estado tem realizado em cumprimento às suas obrigações legais, mas, sim, de relatar o que não está sendo feito. Lula determinou aos ministros que na próxima reunião da Comissão – que se reúne de dois em dois meses - indiquem as medidas que foram tomadas para melhorar os problemas apontados, na próxima "para que haja uma evolução nas conquistas".
Representantes das subcomissões temáticas da CNPI relataram questões específicas de cada área. José Arão Lopes, do povo Guajajara, apontou a ingerência partidária e o modelo de gestão da saúde indígena como causas da situação gravíssima que atinge índios, citando o caos do Vale do Javari, onde mais de 50% da população indígena está contaminada com hepatite tipos "b" e "d", e do Mato Grosso do Sul, com alto grau de desnutrição e mortalidade infantil. Ao destacar que os povos indígenas têm os piores índices de saúde entre todos os segmentos sociais, o presidente da Funai afirmou que é necessária a autonomia financeira e administrativa dos distritos de saúde indígena (Dseis).
A ingerência político-partidária foi apontada também como obstáculo à demarcação de terras indígenas, principalmente nos estados de Roraima, Santa Catarina e Mato Grosso, onde governos estaduais e políticos se opõem ao direito dos índios às terras que habitam. A demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, que poderia ter sido resolvida no âmbito administrativo mas terminou no Judiciário, colocando em risco a demarcação de outras TIs no País, foi utilizada como exemplo de possibilidade de retrocesso aos direitos constitucionais. Várias lideranças manifestaram indignação com o ato que consideram discriminatório de considerar os povos indígenas como ameaça à soberania nacional.
O líder Marcos Xukuru lembrou os empreendimentos de infra-estrutura que afetam Terras Indígenas. Disse haver cerca de 346 em licenciamento ambiental, e destas, 44 são obras do PAC. Xukuru disse que os povos indígenas querem participar do desenvolvimento e não sofrer com os impactos das obras. A realização da consulta prévia, prevista na Convenção 169 da OIT, foi uma reivindicação das lideranças presentes, "para ajudar a construir um desenvolvimento que seja bom para brancos e para indígenas, respeitando as especificidades de cada um".
O Kayapó Ak'jabor roubou a cena ao dirigir seu discurso ao Presidente fazendo alusão a uma conversa de ambos antes de Lula ser eleito pela primeira vez. Na ocasião, Ak`jabor disse a Lula que faria pajelança para ele ser eleito, mas que ele teria de se comprometer com os povos indígenas. Agora ele estava eleito, e Ak'jabor se sentia então responsável, junto com o Presidente, para que estes direitos fossem respeitados. O índio kayapó cobrou também a reestruturação da Funai: "Lula, ou você manda no ministro do Planejamento ou ministro do Planejamento manda você". Lula respondeu que vários órgãos estão em fase de reestruturação, o que torna mais lento o processo, mas a Casa Civil já havia enviado proposta de reestruturação da Funai para o Congresso.
Proposições anti-indígenas no Congresso
Caboquinho Potiguar, da Sucomissão de Assuntos Legislativos, destacou o andamento de proposições anti-indígenas no Congresso e a ausência de regulamentação da Constituição Federal, como a aprovação de Lei Complementar que define o relevante interesse público da União - que afasta o usufruto exclusivo dos índios sobre recursos naturais - e do Estatuto dos Povos Indígenas, onde espera seja regulamentada a exploração e o aproveitamento de recursos minerais e hídricos.
O MEC foi criticado por suspender a realização de parcerias e ao mesmo tempo não ter condições de realizar uma política de educação diferenciada e específica para povos indígenas. De acordo com o que foi apresentado, o despreparo atual do MEC se repete nos estados e municípios e se reflete na baixa qualidade do ensino. Francisca Pareci acrescentou que tampouco existe uma política linguística para valorização das 180 línguas faladas no País.
Márcio Meira elencou entre as dificuldades na realização de políticas públicas para os índios, a deficiência do quadro técnico da Funai e de articulação institucional entre os vários ministérios. Lula colocou os ministros para ouvir da Funai e das lideranças indígenas os problemas e determinou que eles respondam ao ministro da Justiça, Tarso Genro, ao qual a CNPI está vinculada, porque considera este "um processo de reparação" para com os povos indígenas. Os ministros ouviram tudo em silêncio.
A CNPI, instalada em 2007 com participação paritária de integrantes do governo e de representantes indígenas de todo o Brasil, é o espaço privilegiado de diálogo para a construção de políticas públicas diferenciadas, elaboradas com a participação e consulta aos interessados. Para funcionar é preciso que os representantes dos ministérios na Comissão tenham poder decisório e que todas as decisões sobre políticas públicas para os índios sejam nela discutidas e encaminhadas. O APL que cria o Conselho de Política Indigenista, uma vez que a Comissão tem caráter provisório, foi encaminhado neste mês junho pela Casa Civil ao Congresso Nacional.
Durante a realização da reunião o Presidente Lula assinou o Decreto de Homologação da TI Baú , localizada em Altamira, no Pará. Saiba mais. E os ministros da Justiça, Tarso Genro e do Meio Ambiente, Carlos Minc, assinaram portaria conjunta para a gestão de política ambiental em Terras Indígenas.
A 5ª Reunião Ordinária da comissão foi realizada no Salão Negro do Ministério da Justiça, e dela também participaram os ministros da Saúde, José Gomes Temporão, do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, das Cidades, Márcio Fortes, da Agricultura, Reinhold Stephannes, do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, os secretários especiais de Política de Promoção de Igualdade Racial, Edson Santos, de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, o Advogado Geral da União, José Antonio Dias Toffoli e a representante da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, Deborah Duprat.
(Por Ana Paula Caldeira Souto Maior, ISA, 23/06/2008)