Em entrevista exclusiva ao MONITOR MERCANTIL, o consultor Joaquim Francisco de Carvalho reiterou uma série de críticas à condução do setor elétrico brasileiro, acrescentando outras. A maior delas se refere à prioridade dada à construção da Hidrelétrica de Santo Antônio, que passou à frente de Belo Monte (ambas no Rio Madeira), segundo Carvalho para atender a interesses de um lobby de empreiteiras.
Ele também criticou a possível prioridade que será dada à produção de alumínio com a energia gerada em Santo Antônio: "Seria razoável que se fornecesse eletricidade subvencionada para fábricas de alumínio até a medida do consumo interno, mas investir na construção de hidrelétricas, para entregar eletricidade abaixo do custo a fábricas altamente poluidoras que exportam 75% da produção é pior do que dar tiros nos pés", resumiu, acrescentando que tampouco a produção de alumínio gera um número significativo de empregos.
"Os empregos gerados são escassos, insalubres e em faixas de baixos salários - a não ser os salários dos poucos diretores e gerentes locais. Que, aliás, não passam de prepostos, encarregados de executar as decisões das verdadeiras diretorias das empresas estrangeiras que fabricam alumínio aqui", atacou.
Por que a construção de Santo Antônio passou à frente de Belo Monte?
As decisões sobre o assunto foram tomadas a portas fechadas, de modo que não tenho conhecimento de nenhuma razão objetiva para que se tenha dado prioridade à Usina de Santo Antônio, quando a de Belo Monte implicaria um investimento bem menor e daria uma contribuição mais significativa para aumentar a capacidade de geração do sistema elétrico. Extra-oficialmente, o que dizem os engenheiros da Eletrobrás que conheço é que, no caso das usinas do Rio Madeira, o lobby das empreiteiras interessadas na obra falou mais alto do que a intenções da Eletronorte, de implantar antes a usina de Belo Monte.
O que deveria ser feito para tornar mais transparente o processo decisório?
O processo ficaria mais transparente, por exemplo, se as reuniões em que decisões importantes são concebidas fossem abertas a um membro do Conselho Fiscal e de um sócio da Associação dos Empregados da estatal, para acompanhar todo o processo decisório, embora sem direito a voto.
A produção de Santo Antônio vai ser destinada integralmente à produção de alumínio?
Também aí as informações oficiais são escassas, se não confusas. A meu ver, seria um grave erro que se destinasse a energia dessas hidrelétricas para a produção de alumínio. Atualmente, o Brasil produz algo em torno de 1,4 milhão de toneladas de alumínio por ano, das quais exporta cerca de 75%, ou seja, 1,05 milhão de toneladas. A produção de alumínio requer, aproximadamente, 17 mil kWh de eletricidade por tonelada do produto e a eletricidade fornecida às fábricas de alumínio recebe subsídios importantes, portanto, a cada tonelada exportada, o Brasil está "doando" dinheiro a grupos privilegiados. E, além disso, a produção de alumínio é muito agressiva ao meio ambiente.
Há uma saída alternativa?
Seria razoável que se fornecesse eletricidade subvencionada para fábricas de alumínio até a medida do consumo interno, mas investir na construção de hidrelétricas, para entregar eletricidade abaixo do custo a fábricas altamente poluidoras que exportam 75% da produção é pior do que dar tiros nos pés. Caso isso aconteça, aí sim, os índios e as ONGs da vida terão todo o direito de protestar contra as hidrelétricas amazônicas. Por outro lado, é muito estranho que o governo tenha retirado as eclusas do projeto. O plano original previa algumas eclusas, para formar uma hidrovia ligando o interior da Bolívia ao Rio Amazonas, numa extensão de aproximadamente 4 mil km. Isso daria um grande impulso ao desenvolvimento de toda aquela região. Com as eclusas, o custo da eletricidade gerada em Santo Antônio e Jirau ficaria aumentado em apenas cerca de R$ 18 por Mwh. Será que tiraram as eclusas para poder entregar eletricidade mais barata aos fabricantes de alumínio? Não sei, mas sei que o lobby deles é muito forte.
Os negócios com alumínio ao menos geram empregos e divisas em quantidade considerável?
Os empregos gerados são escassos, insalubres e em faixas de baixos salários - a não ser os salários dos poucos diretores e gerentes locais, que, aliás, não passam de prepostos, encarregados de executar as decisões das verdadeiras diretorias das empresas estrangeiras que fabricam alumínio aqui.
Ao sair da Lightpar, o senhor deu entrevista ao Monitor Mercantil, afirmando que aquela empresa é apenas um "cabide de empregos" e que havia mandado uma carta ao ministro de Minas e Energia, com cópia para a ministra da Casa Civil, sugerindo sua desativação e posterior extinção, para economizar dinheiro da Eletrobrás e de seus acionistas minoritários. Até hoje a Lightpar não foi desativada. Por quê?
Não gostaria de voltar ao assunto, mas, considerando a seriedade e correção com que o seu jornal noticiou o episódio, vou fazê-lo, reafirmando a minha opinião de que a Lightpar é inútil e já deveria ter sido extinta. Ela tinha sido criada para participar do capital social da Eletropaulo, com as ações da Light que pertenciam à Eletrobrás. Posteriormente, tais ações tiveram outro destino e a Lightpar deixou de ter razão de ser.
Então, como se explica a sobrevivência do "cabide de empregos"?
A Lightpar estava prestes a ser extinta, quando surgiu o projeto Eletronet e decidiu-se atribuir a ela a função de representar a Eletrobrás no capital da recém-criada empresa de telecomunicações, cujas atividades técnicas eram desempenhadas com muita eficiência pelos especialistas pertencentes ao seu centro de operações e aos quadros das empresas cedentes da infra-estrutura da rede (Eletrosul, Eletronorte, Chesf e Furnas). Ocorre que a Eletronet está em processo falimentar e é administrada pelo síndico da sua massa falida, apoiado pelo centro de operações, que fica em São Paulo, sem nenhuma participação da Lightpar. Portanto, esta poderia, finalmente, ser desativada e, em seguida, extinta, logo que se encontrasse uma solução para o problema de um acionista minoritário que detém quase 20% de seu capital.
O que a Lightpar faz atualmente?
Resume-se a acompanhar uma carteira de ações muito simples, e isso poderia ser feito por apenas dois funcionários da Eletrobrás, um dos quais do Departamento jurídico e o outro da área de relações com os investidoras. Nem mesmo na Eletrobrás sabe-se porque a Lightpar ainda existe. Seria, talvez, mais um milagre do empreguismo. Ali, estão dois diretores e um consultor jurídico ganhando entre R$15 mil e R$ 20 mil reais por mês, além de contadores, secretárias, salas refrigeradas, estacionamento de graça e outras benesses pagas pela Eletrobrás. Seria muito mais inteligente que se reforçasse o orçamento do Centro de Pesquisas em Energia Elétrica (Cepel) com os R$ 2,5 milhões por ano, que seriam economizados com a extinção da Lightpar.
O senhor declarou também que o ex-presidente da Eletrobrás (Pinguelli Rosa) tinha encarregado a Lightpar de acompanhar o desempenho da empresas estaduais federalizadas, controladas pela Eletrobrás e que tinha sugerido a implantação de um modelo de compartilhamento de serviços técnicos e de apoio jurídico a elas. O que aconteceu com isso e em que consistia o modelo de compartilhamento de serviços?
Sei apenas que, quando ainda estava na Lightpar, eram enormes as dificuldades para levar o projeto adiante. O projeto visava a colocar numa única organização, que seria o centro de serviços compartilhados, grande parte das atividades, digamos, sof de todas as empresas do grupo Eletrobrás.
Essas atividades são todas aquelas relacionadas à tecnologia da informação, incluindo-se aí uma central de processamento de dados e as infra-estruturas de redes e de comunicações, além de sistemas de gestão comercial, administrativa e financeira; indicadores de gestão; programas de treinamento, voltados, seja para eletricistas e técnicos de nível médio, seja para atendentes e pessoal administrativo. Um dos serviços mais interessantes para o compartilhamento seria um "almoxarifado virtual", no qual, mediante um programa de compras conjuntas, poderiam ser conseguidos importantes ganhos de escala. Serviços rotineiros, tais como a contabilidade geral e a elaboração de folhas de pagamento, também ficariam muito mais eficientes e econômicos.
(Monitor Mercantil,
Amazonia.org.br, 23/06/2008)