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política energética setor elétrico
2008-06-23
Em entrevista, o pesquisador Dorival Gonçalves Júnior elucida o processo de dominação do setor elétrico brasileiro por agentes financeiros

O preço da energia elétrica no Brasil é alto, resultado do processo de privatização do setor elétrico brasileiro nos anos 1990, quando os capitais investidores iniciaram uma disputa para obter o melhor trabalho excedente no setor elétrico; lucro, a grosso modo. Internacionalizada, a tarifa de energia elétrica no país está referenciada em torno do preço da eletricidade de origem nos combustíveis fósseis. A partir de 1995, o Estado brasileiro propicia maior liberdade para o capital explorar seus trabalhadores e seus recursos naturais. Hoje, após mais de uma década do início do processo de privatização, a energia paga pelos brasileiros está no mesmo patamar daquelas que, em outros países, é produzido a partir do carvão mineral e do petróleo. A tarifa de energia elétrica residencial aumentou mais de 180% 1995 a 2002, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que calcula a inflação do período, subiu 58%.

Para somar uma nova visão sobre o debate, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves Júnior desenvolveu o estudo sobre o processo histórico-social de mudanças na organização da indústria de eletricidade brasileira, sob o título Reformas na indústria elétrica brasileira: a disputa pelas fontes e o controle do trabalho excedente. A tese de doutorado foi defendida no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia (PIPGE) da USP.
Ele destaca que seu trabalho procura percorrer o passado e o presente das mudanças no setor segundo a “teoria do valor”, desenvolvidas por Karl Marx. Estudo aponta que, em 1994, essa indústria empregava 188.208 trabalhadores e, em 2004, apenas 106.409, reduzindo em onze anos 81.799 postos de trabalho. Números que mostram uma das medidas clássicas empregada no capitalismo na exploração do trabalho: aumento da intensidade de trabalho dos trabalhadores.  Gonçalves aponta que a reforma na indústria elétrica, iniciada nos anos 1990, tem na sua concepção uma estrutura organizacional que praticamente subordina toda a cadeia produtiva de eletricidade aos interesses do sistema financeiro.

Historicamente a expansão da indústria de eletricidade esteve sempre condicionada aos financiamentos proporcionados pelo sistema financeiro, porém, hoje, segundo o estudo de Gonçalves, o atual modelo do setor elétrico está articulado com o sistema de crédito, de modo que, além de concentrar o poder de decisão da expansão dos sistemas de produção nas mãos dos agentes financeiros, acabou lhes conferindo ainda, a capacidade de poder definir a organização da produção e a circulação da quase totalidade da cadeia produtiva da eletricidade em acordo com os seus interesses de acumulação. Na entrevista a seguir, o pesquisador coloca o Estado brasileiro como mais um colaborador para os agentes financeiros aperfeiçoando o atual modelo e diminuindo os riscos dos investidores. Basta ver o balanço das empresas a partir de 2005. Jamais a indústria de eletricidade brasileira alcançou a lucratividade que ela tem alcançado agora, defende.

Por que fazer uma análise da reformas estruturais do setor energético no Brasil segundo um ângulo marxista?
Dorival Gonçalves Júnior - Em geral, as cadeias de produção de energia são sempre abordadas como questões naturais e técnicas sem qualquer vínculo com as relações sociais de produção, a energia é tida como algo objetivo da natureza. Deste modo a indústria energética coloca-se como uma questão relacionada aos recursos naturais; as tecnologias de transformação; e as necessidades da sociedade que se apresentam sempre em crescimento. Assim, este modo de compreender ignora que a noção de energia só foi elaborada num dado contexto, isto é, na sociedade capitalista. Por isso, ao contrário da hegemonia, o estudo que fiz, procura na dinâmica histórico-social da produção capitalista identificar e analisar os fundamentos contraditórios balizadores das mudanças que aconteceram e estão acontecendo na organização da indústria elétrica, especialmente a brasileira. Aqui, a importância da concepção marxista de análise, pois a cadeia de produção de eletricidade é investigada como orientada pelos objetivos da ordem social vigente e não pelos recursos naturais, bem como, as técnicas e tecnologias utilizadas na produção.
 
Qual o período em que nasce essa nova concepção estrutural de exploração capitalista em relação aos recursos naturais e ao trabalhador?
Dorival - Ao final dos anos 1980 tem inicio o debate nacional a respeito do processo de reestruturação produtiva da indústria de infra-estrutura. No princípio dos anos 1990 o discurso vencedor é de que a reestruturação se destina à proteção dos consumidores, cabendo ao estado a elaboração de modelos industriais competitivos capazes de atrair os investimentos privados para a área de infra-estrutura. No caso da indústria elétrica, as palavras de ordem passam a ser: privatização; desregulamentação da indústria com a separação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de eletricidade; preço determinado pelo mercado; liberdade aos consumidores de escolher seus fornecedores; regulação mínima do estado através de um agente independente; entre outras, que se transformaram nos princípios norteadores da reforma, na atualidade. Mas, o marco histórico desta mudança estrutural acontece em 1993 através da lei 8.631. Esta lei decreta o retorno da forma mercadoria para a eletricidade ao institucionalizar o fim do preço único da eletricidade no Brasil.
 
No Brasil, como se dá a apropriação da natureza e do trabalho pelo capital no setor elétrico hoje?
Dorival - A forma da exploração capitalista segue aquele o modelo clássico descrito em O Capital, ou seja, para aumentar o lucro implica aumentar o trabalho excedente dos trabalhadores. Este aumento, os capitalistas alcançam quando procuram estender a jornada de trabalho dos trabalhadores, quando tentam diminuir o valor pago a força de trabalho e quando aumentam a produtividade do trabalho dos trabalhadores. Sendo que o aumento da produtividade é obtido pela especialização dos trabalhadores; pela utilização de metodologias de organização do trabalho; pela inovação tecnológica que torna o trabalho do trabalhador mais produtivo; e pelo domínio dos recursos naturais que são base de maior produtividade do trabalho do trabalhador. Esta última, com a internacionalização da indústria de eletricidade, coloca a mercadoria energia elétrica entre as de maior lucratividade no País.
 
Mas o que isso tem a ver com a internacionalização do preço da energia?
Dorival - Com a internacionalização da indústria de eletricidade, os capitalistas que investem neste setor procuram vender a mercadoria eletricidade no Brasil em torno do preço que vendem em outros países.  E como o preço de uma mercadoria internacionalizada tem o seu preço determinado pela cadeia produtiva de maior custo de produção, o preço da eletricidade, mundialmente, está referenciado no preço da eletricidade produzida a partir de combustíveis fósseis. Aqui está parte da explicação pela grande disputa que se trava na atualidade pela indústria elétrica brasileira, já que, cerca de 90% da energia elétrica vendida no Brasil tem sua origem em recursos hidráulicos, cujo custo de produção é muito menor quando comparado ao custo de produção da eletricidade a partir de combustíveis fósseis. Portanto, grande parte da lucratividade desta indústria decorre da utilização de um recurso natural, neste caso o hidráulico, que é base de elevada produtividade do trabalho dos trabalhadores.
 
Mas assim que o setor foi reestruturado, não houve crescimento na concorrência e consequentemente uma diminuição dos preços como argumentavam os defensores da privatização do setor.
Dorival - As grandes empresas não concorrem entre si como a ideologia dominante procura representar. Concretamente, nesse último leilão, o de Jirau, os dois grupos concorrentes estavam amparados no estado brasileiro. De um lado, um grupo estava ancorado no Estado através de Furnas, do outro lado, um segundo grupo estava também amparado pelo Estado através da Eletrosul. Como acreditar em concorrência quando um participante de peso como o Estado faz parte dos dois grupos concorrentes?  Daí a importância da Teoria do Valor de Marx, por ela é possível demonstrar onde e como ocorre a concorrência entre os capitalistas. De modo simplificado, a gente compreende que os capitais concorrem entre si na busca dos locais onde alcançam maior taxa de exploração da força de trabalho. Para combater essa idéia de que na indústria elétrica existe concorrência, resgato que esta se mostrou inviável logo no princípio da indústria elétrica. Ao final do século XIX e início do passado, inicialmente, montou-se uma cadeia produtiva que estava fundada na produção de energia em corrente contínua. Logo em seguida, com a descoberta da corrente alternada, esta passa a substituir toda a cadeia produtiva de corrente continua. Deste modo, a corrente contínua foi sucateada da noite para o dia sem que tivesse havido tempo para a recuperação do capital empregado em sua cadeia produtiva. Isto mostrou, aos capitalistas investidores nesta indústria, que a competição sem qualquer regra seria praticamente uma atitude suicida. Por isso, desde o final do século XIX início do XX, a prática entre os participantes desta indústria tem sido no sentido do estabelecimento de entidades que atuam politicamente, no interior dos Estados nacionais e nas instituições multilaterais. Na atualidade, especialmente no Brasil, estes investidores estão muito bem organizados por segmentos de negócios. Cada ramo desta indústria tem os seus agentes reunidos em associações com comissões permanentes para influenciar diretamente no estabelecimento de regras elaboradas pelo estado de modo a lhes garantir as atuais taxas de acumulação de capital.
 
Como isso se refletiu nos preços em nosso país?
Dorival - Até 1993, a quase totalidade da indústria de eletricidade no Brasil era Estatal e o preço da eletricidade vendida em todo o território estava referenciado no custo de produção de energia de origem hidráulica. Em 1994, antes do início do processo de internacionalização, o governo FHC institucionalizou através de lei o preço internacional da eletricidade no País. O preço da energia elétrica residencial salta de cerca US$ 70/MWh para US$ 130/MWh e a energia industrial  sai de US$ 40/MWh para US$ 80. A partir daí, instala-se uma grande disputa por essa cadeia produtiva, cuja produção está vinculada a um recurso natural base de elevada produtividade, fazendo com que o trabalho excedente seja bastante elevado, portanto a lucratividade é muito alta. Cabe também destacar que o que ocorre nesta indústria não é uma volta ao que era a indústria elétrica nos anos 1930, quando era privada. A novidade é o grau de poder do capitalismo financeiro na atualidade. O sistema financeiro atingiu o poder de organizar o processo industrial. A forma como está concebida a organização industrial da produção de energia elétrica no Brasil está de acordo com os mecanismos financeiros de reprodução do capital do sistema financeiro. Quem ganhou o leilão, como o de Jirau, já saiu com um fluxo de caixa garantido por trinta anos, de acordo com a lei brasileira. Assim, quem detém o poder de explorar um recurso natural tem um instrumento de fácil aceitação para o mercado financeiro. Nada melhor do que ter a certeza num empreendimento, em que você tem trinta anos de fluxo de caixa permanente.
 
Como você avalia as políticas sociais de energia do governo Lula, como o Programa Luz para Todos? E a chamada tarifa social, que determina que todos os consumidores com gastos menores que 200kWh/mês sejam beneficiados com descontos?
Dorival - A tarifa social é uma política compensatória, tendo em vista que o preço da eletricidade se tornou tão exacerbado, fato que levaria grandes contingentes da população a não terem acesso a mercadoria eletricidade. Quanto ao programa Luz para todos, também é uma política compensatória que atende, inclusive, aos interesses das empresas distribuidoras; porque também se transformou num grande negócio. Na verdade, quem dirige esse programa de expansão são as concessionárias de distribuição de energia nos Estados. Estas procuram expandir este programa em acordos com os seus negócios. Para exemplificar, próximo à Cuiabá, existe um assentamento de 999 famílias, em que a concepção do projeto foi feita de tal maneira que cada consumidor é atendido enquanto consumidor individual, isto é, com um transformador e um sistema individual de medição, isso é ótimo para quem vende serviços de instalações, equipamentos para as instalações e principalmente energia elétrica.
 
Qual o papel do governo Lula para minimizar os oligopólios que surgiram a partir dessas reformas?
Dorival - O governo Lula, no setor da indústria elétrica, foi o governo que aperfeiçoou o processo iniciado nos anos 1990. O modelo que está aí hoje, com dois ambientes de comercialização de eletricidade de contratação livre e de contratação regulada foi criado no governo Lula, em 2004, pela Lei 10.848. Esta lei trouxe segurança a segurança requerida pelos investidores. Por exemplo, quem ganhou a concorrência em Jirau e Santo Antônio saiu com 70% de sua energia vendida por trinta anos. É como se um capitalista fabricante de sapatos tivesse antes da montagem de sua fábrica 70 % de sua capacidade de produção contratada por 30 anos. Foi esse governo que também criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para assumir a responsabilidade dos estudos da viabilidade técnica, econômica e ambiental, dos empreendimentos que são licitados. Retirando os investidores de muitos cenários de conflitos com a classe trabalhadora, ao trazer para o estado a responsabilidade de providenciar, por exemplo, o licenciamento ambiental de empreendimentos como as hidrelétricas. Manteve e ajustou toda a regulamentação do período de Fernando Henrique que garante a tarifa da venda de energia do mercado regulado a preços internacionais. Em síntese, esse governo, do ponto de vista da indústria da eletricidade, aperfeiçoou o processo de exploração do trabalho excedente no Brasil, tornando-a, uma cadeia produtiva de elevada lucratividade e baixo risco para os capitalistas que investem nela. Basta ver o balanço das empresas a partir de 2005. Jamais a indústria de eletricidade brasileira alcançou a lucratividade que ela tem alcançado agora.

(Por Eduardo Sales de Lima, Brasil de Fato, 11/06/2008)

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