Na semana passada o Congresso brasileiro recebeu dois grandes homens: um bengalês e um indiano, ambos cidadãos do mundo. Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, criador do Banco da Aldeia, que deu aos pobres microcrédito e oportunidade de gerar emprego e renda. Rajendra Pachauri, Nobel da Paz em 2007 como chefe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que demonstrou a gravidade do aquecimento global e a urgência de medidas para controlar seus efeitos.
É paradoxal a singeleza com que trazem uma pororoca de desafios que a Humanidade não pode banalizar nem deles fugir. Ao lado de seus temas específicos - pobreza e mudanças climáticas -, Yunus e Pachauri são portadores do grande tema oculto de nosso tempo: a coragem, tanto para mudar quanto para manter o que tem que ser mantido.
A sociedade de consumo, amplamente vitoriosa, nos impõe uma derrota acachapante: o fatalismo, a crença de que o mundo é assim mesmo, atracado a um conceito de civilização assustador, cuja medida de avanço é o aumento da capacidade de consumir. Quanto trabalho humano e quanto em recursos naturais e energia são gastos para multiplicar consumo perdulário?
Não fosse nosso insustentável desejo de ter, essa força monumental poderia ser redirecionada para dar habitação digna, saúde, alimentação, educação e meio ambiente equilibrado para todos. Fatalismo pode ser explicação plausível para tanta inércia diante do que podemos chamar de “consenso dos insensatos”, o conluio de poderes para colocar interesses pequenos sempre à frente quando se trata de combater os impactos da máquina de produzir “civilização” descartável, risco ambiental e exclusão social.
Yunus e Pachauri são pessoas simples, discretas. Ambos se dedicam a levar o extraordinário para o dia-a-dia. Lembram que há espaço para a contribuição de todos, de onde saem as grandes mudanças. Mostram a conexão inexorável dessa nossa encruzilhada civilizatória: não há soluções isoladas. Os instrumentos são econômicos, tecnológicos, sociais, mas eles serão inócuos sem um redirecionamento de processos e de demandas. Isso implica decisões pessoais e coletivas, culturais e espirituais, éticas e até estéticas. O caminho que leva ao abismo nos dá sinalizações para a volta. Há que fazer escolhas.
Hoje, para quem quiser se engajar, não é mais possível ser só ambientalista, ou só militante de causas sociais, políticas, culturais. É preciso se engajar em tudo, ser militante da civilização.
(Por Marina Silva*, Eco21, 22/06/2008)
* Senadora, ex-ministra do Meio Ambiente