Quando se passa na beira da estrada ou qualquer outro lugar que abrigue assentados, as reações são as mais diversas possíveis. Algumas pessoas sentem pena pelas situações precárias em quem vivem os colonos e outras reprovam a forma de sua luta principalmente as invasões como forma de protesto. O fato é que os assentamentos, independente da opinião da comunidade, são uma realidade na região. Somente em Bagé e imediações (Hulha Negra, Candiota, Aceguá, Trigolândia) existem mais de 50 locais de assentamentos, que abrigam grupos de quatro até cem famílias. A maioria deles é ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas outras bandeiras também são levantadas, como o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD).

Uma rotina simples, que inclui a produção de alimentos para o próprio consumo e a simplicidade da vida no campo foi o que a reportagem encontrou no assentamento Sepé, a cerca de 15km de Hulha Ngra. São 26 lotes distribuídos entre famílias como a de João Valdenir da Silva Outeiro, de 34 anos, que está no Movimento desde os 27. “Minha vida já mudou 100%. Quando viemos para cá a gente não tinha nada, só sonho e coragem”, conta ele, acrescentando que toda a família veio da região das Missões para tentar a sorte. Hoje, com a mulher e os dois filhos pequenos, em uma casa com energia elétrica e água, além de TV, geladeira, fogão e outros itens de conforto, Outeiro diz não querer mais nada da vida, só continuar o trabalho.

Há três anos eles vivem em casa de alvenaria, que substituíram os barracos de lona. As crianças estudam nas escolas próximas do assentamento, os agentes de saúde visitam o local com freqüência e até mesmo um automóvel usado e antigo faz parte dos bens da família.

Já o vizinho de Outeiro, Jorge Sidnei dos Santos, de 24 anos, foi criado em assentamentos pelo pai, desde os quatro anos. Santos e Outeiro vendem leite, milho, criam porcos e gado de corte. Segundo eles, o problema maior, que antes era falta de energia, água e terra, hoje é a estrada, de difícil acesso. “Quando chove muito a gente fica praticamente isolado do mundo”, explica Outeiro.

Mas Outeiro e Santos, que mostram felizes seus porcos, sua horta e suas terras, lembram que ainda há muitos companheiros que aguardam pela liberação dos seus lotes. Enquanto eles conseguiram a meta em poucos anos, há colegas que ainda esperam.

Eles destacam a disciplina e as regras internas do assentamento, embora garantam que não há líderes e as decisões são tomadas sempre em grupo. “Aqui só fica quem trabalha”, diz Outeiro, desafiando a máxima de que o Movimento só abriga desocupados.

Acampamento do MTD em Bagé: famílias vivem em situação precária desde março

Produção, trabalho e um certo conforto. A realidade encontrada em Hulha Negra é bastante diferente da vivida pelo grupo de 14 famílias acampadas em uma área de campo na Vila Tupã, em Bagé. As barracas não protegem do frio e até mesmo alimentação falta para o grupo, que conta com quase vinte crianças.

Mesmo com as dificuldades, os manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Desempregados estão otimistas. “Já tivemos uma audiência com o prefeito e vamos ter outra”, comenta Lindonês da Silva.

Hoje com água (oriunda de uma mangueira que passa pelo local) e luz (emprestada do vizinho), as famílias ainda vivem em condições precárias. Cobertores, roupas e lonas para reposição (muitas vezes o vento leva tudo), são alguns dos itens necessários.

Uma horta com cenoura, beterraba, alface e outros alimentos garantem a alimentação básica do grupo. A luta é por terra e emprego. Eles querem possuir os cerca de dois hectares que ocupam e tem como objetivo a criação de assentamentos rururbanos, ou seja, mais próximos da cidade, diferente do MST.

“Nosso dia-a-dia é reunião em cima de reunião”, revela Lindonês, mostrando que a falta de trabalho persiste. “Algumas pessoas saem às vezes para conseguir bico, como capinar e trabalhar de pedreiro, mas é difícil ter trabalho”, complementa Michele Zorzi. 

(Por Francisco Rodrigues, Jornal Minuano, 23/06/2008)