Segunda colocada em um gigantesco mercado dividido entre apenas dois concorrentes de peso, a fabricante de microprocessadores AMD deu um passo importante para mostrar que é capaz de enfrentar a líder Intel, dona de mais de três quartos dos 300 bilhões de dólares movimentados por ano nessa área. A estratégia, curiosamente, tem pouco a ver com tecnologia, e mais com ecologia – ou sustentabilidade, um conceito cada vez mais valorizado em todos os setores da economia. A nova sede da empresa, em Austin, capital do Texas, foi inaugurada na segunda-feira 16, com a pretensão de se tornar uma referência para os chamados green buildings (prédios verdes). A idéia é usar o próprio quartel-general da companhia para reforçar a imagem de eficiência energética que tenta associar aos chips da marca.
A empresa tem como meta receber, ainda no segundo semestre deste ano, a certificação LEED (Liderança em Energia e Design Ambiental) do US Green Building Council (GBC), parâmetro mundial para a sustentabilidade de obras. Se a sede da AMD, com seus 81 mil metros quadrados de área construída, em 235 mil metros quadrados de terreno, mostrar que preenche todos os requisitos, será o segundo maior empreendimento no mundo a conquistar o título. O primeiro colocado é o 30 Hudson Street, em Nova York, um prédio de escritórios com 145 mil metros quadrados de área útil. Com a diferença de que o complexo da fabricante de processadores pertence a uma única empresa.
Nos EUA, a certificação foi concedida a 104 empreendimentos e outros 250 projetos estão em fase de avaliação. No Brasil, que desde agosto de 2007 possui uma regional do GBC, 60 empreendimentos, ainda em fase de construção, são candidatos a prédios verdes. O título só é concedido depois que o local entra em funcionamento e os resultados podem ser medidos. A satisfação e o bem-estar de quem passa parte da vida no interior desses prédios é um quesito fundamental na avaliação.
O conjunto de edifícios da AMD se assemelha, à primeira vista, a uma típica universidade. Não por acaso, foi batizado como Lone Star Campus, ou campus da estrela solitária, numa referência à bandeira texana. Os funcionários, jovens e vestidos muitas vezes com bermudas e sandálias – trajes adequados à temperatura de mais de 30 graus centígrados do verão local – passariam facilmente por estudantes. Quatro quadras de basquete, salas de jogos com mesas de sinuca, tênis de mesa e videogames, além de uma moderna academia de ginástica, quase afastam de vez a idéia de que alguém trabalha por ali. Mas o fato é que o conjunto abriga cerca de 2 mil funcionários. Mais da metade é composta por engenheiros especializados em projetar e desenvolver microprocessadores de alta qualidade, fabricados na Califórnia e em Dresden, na Alemanha.
“O retorno para a empresa não deve ser medido apenas pela economia em consumo de água e energia”, disse à CartaCapital o presidente da AMD, Hector Ruiz. “Fizemos o possível para tornar as instalações agradáveis para os funcionários, porque esse será um diferencial da empresa para atrair mão-de-obra de qualidade.”
A fórmula não parece tão diferente da adotada por outras empresas de tecnologia, como Microsoft e Google. Mas é no quesito ambiental que o Lone Star Campus quebra alguns parâmetros. Para começar, o de que construir prédios verdes é mais caro. De acordo com o diretor de relações corporativas da AMD, Craig Garcia, dos 270 milhões de dólares investidos na construção da nova sede, apenas 11 milhões foram direcionados aos sistemas ecologicamente corretos. Todo o restante foi compensado pelos preços mais baixos dos materiais reciclados, que corresponderam a 20% do total utilizado na obra. “Não gastamos nada a mais em comparação com um empreendimento comum. Só mudamos o modo como se costuma pensar uma obra desse tipo”, explica Garcia.
O novo olhar responsável pela idealização do Lone Star é o da arquiteta Gail Vittori, co-diretora do Centro para o Máximo Potencial dos Sistemas Prediais (CMPBS, na sigla em inglês). Foi a ela que a AMD entregou, em 2005, um projeto ainda sem nome que tinha como objetivo unificar as 12 unidades da empresa, espalhadas desde 1979 em diferentes pontos de Austin. “Decidimos dar um passo atrás e recomeçar do zero, para fazer a coisa certa”, conta a especialista. O cuidado começou pela escolha do local, feita de modo a causar impacto mínimo sobre o reservatório natural de água que corre sob o terreno. Nos canteiros em declive, paredes de pedra foram construídas para reproduzir as condições de filtragem da água que desce para o subsolo. As plantas nativas foram retiradas por voluntários, levadas para locais provisórios e agora, depois de concluídas as obras, estão sendo replantadas ao redor dos prédios.
Para tornar as instalações mais eficientes do ponto de vista energético, a AMD optou por prédios baixos e amplos. Os telhados são inclinados para o centro das construções, de modo a formar gigantescos sistemas de captação de água das chuvas. O líquido escoa por enormes canaletas e é recolhido em um reservatório capaz de armazenar 3,8 milhões de litros. Boa parte da água será utilizada em torres de resfriamento, uma tecnologia nova de condicionamento de ar. De acordo com Garcia, uma área daquele porte consumiria mais de 30 milhões de litros de água por ano, mas no Lone Star Campus o gasto deverá ser de 20% a 30% inferior.
A solução encontrada para o suprimento de eletricidade foi um daqueles casos em que o caçador acerta no que não viu: a companhia fechou contrato de dez anos com a prefeitura de Austin pelo fornecimento de energia gerada apenas por fontes alternativas (especialmente a eólica). Com a alta do preço do petróleo, as tarifas ficaram equivalentes às tradicionais. Além disso, a expectativa é de que haja uma economia de 15% a 20% no consumo do Lone Star, por conta de sistemas para o aproveitamento da luz solar e equipamentos mais eficientes.
O único contra-senso ainda está nos estacionamentos, lotados de caminhonetes e utilitários esportivos beberrões de combustível – mania americana, que é ainda mais forte no Texas. Para incentivar os funcionários a reduzirem as emissões de CO2 no trajeto para o trabalho, a empresa reservou as melhores vagas para veículos híbridos (movidos a gasolina e eletricidade) e passou a oferecer descontos em parceria com montadoras para quem quiser comprar carros menos poluentes.
A AMD abraçou em 2007 a estratégia de associar seus produtos, instalações e até funcionários a uma imagem ambientalmente responsável. A companhia começou o ano passado mais próxima do vermelho do que do verde, depois de uma guerra de preços para tentar fazer frente à Intel. E percebeu que a aposta na eficiência energética valorizaria a marca diante da arqui-rival.
De acordo com o instituto de pesquisa iSuppli, em 2007 a AMD perdeu quase 3% de sua fatia de mercado, enquanto a Intel cresceu mais de 4%. No último trimestre, porém, é possível ver uma reação da segunda colocada, que cresceu mais do que a concorrente. O Lone Star Campus traz, definitivamente, para dentro da AMD a preocupação ambiental, que pode fazer diferença na briga pelo mercado. Ainda mais importante, deixa um exemplo de tecnologia sustentável a ser seguido por empresas de qualquer setor. “É certo que, há seis ou sete anos, construir uma sede como essa seria muito mais caro”, avalia Garcia. “Mas o custo caiu rapidamente e será ainda menor para quem seguir nosso caminho, em qualquer lugar do planeta.”
(Por André Siqueira, de Austin*, CartaCapital, 20/06/2008)
* O jornalista viajou a convite da AMD