Enfrentando uma grave carência de combustíveis e a perspectiva de apagões durante o verão, a estação em que mais se usam aparelhos de ar-condicionado, o governo chinês anunciou inesperadamente na quinta-feira (19/06) aumentos drásticos nos preços regulados da gasolina, do óleo diesel e da energia elétrica. Os aumentos são o sinal mais recente de como a integração da China no mercado global limitou a flexibilidade dos líderes do país para responder a crises econômicas.
Recentemente o governo havia sofrido pressões, tanto de ambientalistas quanto de outros governos, para reduzir os subsídios aos combustíveis, já que se atribui à essa prática a distorção dos mercados globais, o estímulo a um maior consumo e a elevação do preço do petróleo em outras nações.
O governo da China, como vários outros governos, empenhou-se em manter esses subsídios nos últimos meses, enquanto o preço do petróleo disparava. Finalmente, apesar dos temores de que a medida alimente a inflação, as autoridades chinesas aumentaram o preço do óleo diesel em 18%, para o equivalente a US$ 0,95 o litro, e o da gasolina em 16%, para o equivalente a US$ 1,01 o litro. As tarifas sobre a energia elétrica e o preço do combustível de aviação também subiram.
Os preços mais altos poderão fazer com que empresas e pessoas em toda a China passem a utilizar menos combustível e eletricidade, algo que poderá reduzir o consumo voraz de petróleo do país e o seu grande volume de emissões de gases causadores do aquecimento global. Após esta notícia, o preço do barril de petróleo no mercado internacional caiu imediatamente mais de US$ 4.
Mas alguns especialistas afirmam que o mercado chinês está tão distorcido pelos subsídios estatais ao combustível que a elevação dos preços poderá encorajar os refinadores a produzir mais gasolina e óleo diesel para os consumidores chineses, possivelmente estimulando um crescimento da demanda.
De qualquer forma, os custos mais altos da energia ameaçam inflacionar não só os preços dos produtos do mercado interno chinês, mas também o daqueles que a China exporta para os Estados Unidos. A inflação na China foi de 7,7% em maio, e ficou acima de 8% em fevereiro, março e abril. Embora autoridades chinesas graduadas estejam preocupadas com a inflação, elas têm enfrentado um outro problema nas últimas semanas: a bolsa de valores de Xangai sofreu uma queda acentuada, provocando a ira de muitos acionistas.
Horas antes do governo aumentar os preços da energia, a bolsa de Xangai sofreu uma queda de 6,5%, devido em parte ao temor de grandes prejuízos por parte das companhias chinesas do setor energético, que têm vendido combustível e energia por valores inferiores ao custo de produção. Até o momento, a preocupação do governo em relação à inflação dos preços dos produtos de consumo fez com que muitos economistas duvidassem que haveria permissão para a elevação dos preços dos combustíveis, apesar dos problemas nas bolsas de valores.
A China é o segundo maior consumidor de petróleo do mundo, depois dos Estados Unidos. Com o anúncio da quinta-feira, a China tornou-se o quinto país asiático a elevar os preços dos combustíveis nos últimos 30 dias, após concluir que os preços reduzidos não poderiam se sustentar indefinidamente por meio dos subsídios governamentais.
A preocupação dos Estados Unidos com o controle dos preços dos combustíveis na China aumentou ainda mais nesta semana, nas reuniões econômicas de alto nível entre os dois países, realizadas em Annapolis, no Estado de Maryland. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry M. Paulson Jr., trouxe o assunto à tona durante as conversações, que ocorreram na terça e na quarta-feira. Paulson, em um discurso na semana anterior, pediu à China que suspendesse os controles e cortasse subsídios no setor energético, argumentando que esses mecanismo são nocivos para a dinâmica da oferta e da procura. Segundo ele, os controles de preços estariam produzindo "persistentes carências de
gasolina e óleo diesel" na China, e também "a falta de energia elétrica durante tempestades de neve, observada em janeiro e fevereiro passados".
"Os controles de preços geram freqüentemente contrabando e corrupção, bem como a escassez que contribui para as disparadas dos preços globais no setor de energia", acrescentou Paulson.
As autoridades do Tesouro não disseram na quinta-feira se a pressão dos Estados Unidos provocou a mudança nas políticas da China para o setor, mas elas receberam bem a medida, acreditando que isto possivelmente seja um sinal de que a China está dando ouvidos aos analistas de outros países.
As autoridades chinesas vêm falando há vários anos sobre o seu desejo de dirigir o país rumo a uma economia que utilize energia de forma mais eficiente. Elas mencionaram periodicamente a intenção de impor impostos sobre a energia tão logo o preço internacional do petróleo começasse a cair, a fim de manter a pressão sobre os empresários e os consumidores chineses para que estes se tornem usuários mais eficientes.
Os preços da gasolina e do óleo diesel estavam congelados desde 1º de novembro do ano passado, ainda que desde então o preço internacional do petróleo tenha subido 45%. Se o aumento dos preços dos combustíveis chineses anunciado na quinta-feira tiver um efeito deflacionário duradouro sobre os preços mundiais do petróleo, isso poderá fortalecer a posição dos economistas que argumentam que os Estados Unidos deveriam aumentar os impostos sobre a gasolina para limitar a demanda e reduzir os preços do petróleo no mercado internacional.
Até o momento, os subsídios governamentais obrigavam as refinarias estatais a perder dinheiro ao venderem gasolina e óleo diesel a um preço menor do que o custo do petróleo necessário para produzir estes combustíveis. As empresas de energia elétrica também relutavam em operar as usinas termoelétricas movidas a derivados de petróleo, depois que perceberam que o preço da eletricidade vendida não cobria os custos dos combustíveis.
Quando as refinarias reduziram a sua produção no segundo trimestre deste ano, o resultado foi uma carência de combustíveis, especialmente o óleo diesel. Essa escassez já provocou longas filas de caminhões nos postos de combustível, e poderá ameaçar a colheita da safra de verão. Em 5 de junho, o presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao tomaram uma medida incomum ao ordenar que tratores e outros veículos rurais tivesse máxima prioridade para o consumo das reservas de óleo diesel. Este tipo de medida geralmente é implementada por autoridades de menor escalão.
Na noite de quinta-feira os agricultores foram isentados dos aumentos dos preços dos combustíveis. Os aumentos também não incidiram sobre as três províncias atingidas pelos terremotos de maio: Sichuan, Shanxi e Ganzu.
Usinas termoelétricas que dependem do petróleo também vêm sendo fechadas devido aos elevados preços dos combustíveis. Embora a China dependa principalmente do carvão e das usinas hidroelétricas para a geração de energia, as usinas movidas a derivados de petróleo são importantes no sudeste do país.
Fortes tempestades de neve em janeiro e fevereiro, seguidas de um terremoto que provocou destruição de construções e gerou caos na rede ferroviária nacional em maio, prejudicaram a remessa de carvão para algumas usinas, o que tornou ainda mais importante a geração de eletricidade pelas usinas movidas a derivados de petróleo.
Todo verão a China encontra dificuldades para gerar energia elétrica suficiente, embora haja alguns sinais de que a capacidade de geração de energia está começando a alcançar a demanda.
Na noite da quinta-feira o governo anunciou também que está limitando os aumentos dos preços do carvão, algo que ajudaria as companhias geradoras de energia elétrica a arcar com os custos dos combustíveis - embora haja o risco de que se introduza no mercado de carvão as mesmas distorções que já causaram problemas para os consumidores de óleo diesel.
(Por Keith Bradsher, NYT, UOL, 20/06/2008)
*Steven R. Weisman, em Washington, contribuiu para esta matéria.