O aumento da calha exorcizou o fantasma das enchentes e a rede de esgotos de São Paulo evoluiu como nunca. Mas o projeto de despoluição do Tietê encerra a segunda etapa mostrando que falta melhorar sua aparência feia, escura e malcheirosa
Pobre Rio Tietê. Como se não bastassem as 700 toneladas de esgoto que recebe diariamente da região metropolitana de São Paulo, foi vítima, na semana passada, de dois grandes derramamentos tóxicos, ambos provocados por acidentes de caminhão na Marginal Tietê. No primeiro, 10 000 litros de diesel escorreram na pista e acabaram no rio, enquanto no segundo vazaram 34 000 litros de um solvente altamente inflamável chamado tolueno.
Além de provocarem congestionamentos, os acidentes aumentaram a contaminação do mais vergonhoso cartão-postal paulista. Para mudar essa imagem, 3 bilhões de reais foram investidos nos últimos dezesseis anos no Projeto Tietê, a maior iniciativa de saneamento da história do Brasil. Neste mês, completa-se a segunda etapa de seu programa de despoluição.
Muita coisa melhorou. O aumento da calha exorcizou o fantasma das enchentes, a paisagem agora está povoada de árvores e a rede de esgotos de São Paulo evoluiu como nunca. Mas o rio ainda não está para peixe. Um levantamento ambiental do IBGE divulgado no início do mês confirmou que o Tietê reina como o mais poluído do país.
As águas negras e fétidas continuam evidentes especialmente para quem dirige pela marginal entre Guarulhos e o Cebolão, onde o Tietê encontra seu afluente mais poluidor, o Rio Pinheiros. O lamentável hábito de jogar lixo nas ruas contribui para que 35% da podridão do Tietê ainda seja atribuída a dejetos físicos que chegam por bueiros e córregos. Monstro maior é o esgoto industrial. “As fábricas fazem seus lançamentos químicos de forma indiscriminada, e muitas nem são multadas”, afirma Virgílio de Farias, presidente da ONG Movimento em Defesa da Vida (MDV).
A agonia do Tietê veio a público durante a Eco 92 graças a um abaixo-assinado de 1,2 milhão de pessoas capitaneado pela Rádio Eldorado e pela ONG SOS Mata Atlântica. A população aderiu à causa e pressionou o governo, que conseguiu do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, o primeiro de uma série de financiamentos que tinha como inspiração a ressurreição dos rios Tâmisa, em Londres, e Sena, em Paris. O processo se mostrou bem complexo devido ao fato de São Paulo ter uma população poluidora maior que a de Londres e um rio que não corre com a força do Tâmisa, o que facilitaria a dispersão dos poluentes. Prevista para durar mais de trinta anos, a estratégia de limpeza foi dividida em três etapas. A primeira foi concluída em 1998 e contemplou as grandes obras que aumentaram de dois para cinco o número de estações de tratamento de esgoto da cidade.
Foi quando o projeto sofreu uma interrupção de quatro anos. “As estações viraram grandes elefantes brancos, que não eram úteis por não estar ligadas à rede doméstica”, lembra Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica. “Por falta de transparência no uso da verba inicial e mau uso político da obra, o dinheiro acabou e a população não se mobilizou novamente.” O governo do estado só retomou o projeto em 2002, com um novo investimento que permitiu à Grande São Paulo acumular hoje 3 500 quilômetros de novas tubulações, com índices de coleta de esgoto residencial que subiram de 63%, em 1992, para os atuais 84%. O tratamento desses dejetos representa uma conquista ainda maior que a coleta: só duas de cada dez casas com esgoto coletado tratava seus descartes antes que fossem despejados no rio, um número que hoje atinge sete em cada dez moradias.
(Planeta Sustentável, 18/06/2008)