Quatro companhias ocidentais de petróleo estão em estágios finais de negociações neste mês de contratos que as trarão de volta ao Iraque, 36 anos após perderem suas concessões de petróleo para a nacionalização, enquanto Saddam Hussein consolidava seu poder.
Exxon Mobil, Shell, Total e BP -as parceiras originais da Iraq Petroleum Company- juntamente com a Chevron e várias outras empresas menores, estão negociando com o Ministério do Petróleo do Iraque por contratos sem licitação para atuar nos maiores campos do Iraque, segundo funcionários do ministério, representantes das companhias de petróleo e um diplomata americano.
Os acordos, que deverão ser anunciados em 30 de junho, estabelecem a fundação para o primeiro trabalho comercial de grandes empresas no Iraque desde a invasão americana, e abrem um país novo e potencialmente lucrativo para suas operações.
Os contratos sem licitação são incomuns para o setor, e as ofertas prevaleceram sobre outras de mais de 40 empresas, incluindo empresas da Rússia, China e Índia. Os contratos, que durarão de um a dois anos e são relativamente pequenos segundo os padrões do setor, todavia darão às empresas uma vantagem na licitação de futuros contratos em um país que muitos especialistas consideram ser a melhor esperança para um aumento em grande escala na produção de petróleo.
Havia suspeita entre muitos no mundo árabe e entre parte da opinião pública americana de que os Estados Unidos entraram em guerra no Iraque precisamente para assegurar a riqueza em petróleo que estes contratos parecem obter. O governo Bush disse que a guerra era necessária para combater o terrorismo. Não se sabe que papel os Estados Unidos exerceram na concessão dos contratos; ainda há consultores americanos no Ministério do Petróleo do Iraque.
Sensíveis à aparência de que estão lucrando com a guerra e já sob pressão devido aos preços recordes do petróleo, altos funcionários de duas das empresas, falando apenas sob a condição de anonimato, disseram estar ajudando o Iraque a reconstruir sua indústria de petróleo decrépita.
Para uma indústria sendo mantida de fora de novos empreendimentos nos principais países produtores de petróleo do mundo, da Rússia até a Venezuela, o Iraque oferece uma oportunidade rara e valorizada.
Apesar de enriquecidas pela escalada dos preços, as grandes companhias de petróleo também estão lutando para substituir suas reservas à medida que cada vez mais áreas de petróleo do mundo estão fora de seu alcance. Governos em países como Bolívia e Venezuela estão nacionalizando suas indústrias de petróleo ou buscando uma participação maior dos lucros recordes para seus orçamentos nacionais. A Rússia e o Cazaquistão forçaram grandes empresas a renegociarem os contratos.
A meta declarada do governo do Iraque ao convidar o retorno das grandes empresas é aumentar a produção de petróleo em meio milhão de barris por dia, atraindo tecnologia moderna e know-how a campos de petróleo atualmente desesperadamente carentes de ambos. A receita seria usada para reconstrução, apesar do governo iraquiano já ter dificuldade para gastar a receita do petróleo que dispõe atualmente, em parte devido à ineficiência burocrática.
Para o governo americano, o aumento da produção no Iraque, como em toda parte, atende à meta de política externa de aumentar a produção global de petróleo para aliviar uma oferta excepcionalmente insuficiente que está causando a alta dos preços. O Ministério do Petróleo iraquiano, por meio de um porta-voz, disse que os contratos sem licitação são uma medida temporária para atrair capacidades modernas para os campos enquanto a lei do petróleo está pendente no Parlamento.
Ele disse que as empresas foram escolhidas por terem prestado consultoria ao ministério por dois anos sem cobrar, antes de lhes serem concedidos os contratos, e porque estas empresas contam com a tecnologia necessária. Uma porta-voz da Shell insinuou o tipo de trabalho no qual as empresas poderão se envolver. "Nós podemos confirmar que submetemos uma proposta conceitual para as autoridades iraquianas para minimizar as atuais e futuras incinerações de gás no sul, por meio de coleta e utilização do gás", disse a porta-voz, Marnie Funk. "O conteúdo da proposta é confidencial."
Apesar de pequenos, os acordos são altamente promissores para as empresas. "O grande prêmio que todos aguardam é o desenvolvimento de novos campos gigantes", disse Leila Benali, uma autoridade em petróleo do Oriente Médio da Cambridge Energy Research Associates, em uma entrevista por telefone de escritório da firma em Paris. Os contratos atuais, ela disse, são uma "cabeça-de-ponte" no Iraque para empresas que estão ávidas por estes acordos de longo prazo.
Qualquer funcionário de petróleo ocidental que vier ao Iraque necessitaria de segurança pesada, expondo as empresas ao mesmo pesadelo logístico que minou tentativas anteriores, freqüentemente realizadas a um alto custo, de reconstruir a infra-estrutura de petróleo do Iraque. E o trabalho nos desertos e pântanos que contêm grande parte das reservas de petróleo do Iraque seria virtualmente impossível a menos que realizado exclusivamente por empresas terceirizadas iraquianas, que provavelmente seriam ameaçadas pelos rebeldes por cooperarem com as empresas ocidentais.
Mas aos preços atuais do petróleo, não há falta de empresas cobiçando um contrato no Iraque. Ele não é apenas um dos poucos países onde há reservas de petróleo disponíveis para serem exploradas, mas também um dos poucos vistos pela indústria como tendo potencial considerável para um aumento rápido da produção.
David Fyfe, um analista de Oriente Médio para a Agência Internacional de Energia, um grupo com sede em Paris que monitora a produção de petróleo para os países desenvolvidos, disse acreditar que a produção do Iraque pode aumentar de seus atuais 2,5 milhões de barris por dia para cerca de 3 milhões, apesar de que provavelmente seriam necessários mais do que os seis meses estimados pelo Ministério do Petróleo.
A organização de Fyfe estimou que as obras de reparo nos campos existentes poderiam aumentar a produção do Iraque para cerca de 4 milhões de barris por dia daqui vários anos. Após novos campos serem explorados, o Iraque poderia chegar a um patamar de cerca de 6 milhões de barris por dia, disse Fyfe, o que poderia reduzir os atuais preços mundiais do petróleo.
Os contratos, disseram os funcionários das duas companhias de petróleo, são uma continuidade do trabalho que as empresas vêm realizando aqui em auxílio ao Ministério do Petróleo, segundo os memorandos de entendimento adotados há dois anos. As empresas forneceram consultoria gratuita e treinamento aos iraquianos. Este relacionamento com o ministério, disseram funcionários da empresa e um diplomata americano, foi o motivo para os contratos não terem sido abertos para lances competitivos.
Um total de 46 empresas, incluindo as principais empresas de petróleo da China, Índia e Rússia, tinham memorandos de entendimento com o Ministério do Petróleo, mas não receberam contratos.
Os acordos sem licitação são estruturados como contratos de prestação de serviço. As empresas serão pagas por seu trabalho, em vez de receberem uma licença para explorar os depósitos de petróleo. Desta forma, eles não necessitam da aprovação de uma lei de petróleo que estabelece os termos para leilões competitivos. A legislação está parada no Parlamento por disputas entre os partidos xiitas, sunitas e curdos em torno da divisão da receita e outras condições.
Os primeiros contratos de petróleo para as grandes companhias no Iraque são excepcionais para a indústria do petróleo. Eles incluem uma cláusula que permite que as empresas colham grandes lucros aos preços atuais: o Ministério e as empresas estão negociando pagamento em petróleo em vez de dinheiro. "Estes não são de fato contratos de prestação de serviço", disse Benali. "Eles foram concebidos para contornar o impasse legislativo" e trazer empresas ocidentais com experiência na administração de grandes projetos no Iraque antes da aprovação da lei do petróleo.
Uma cláusula nas minutas dos contratos permitiria às empresas igualar lances de empresas concorrentes para manter o trabalho assim que estes forem abertos para licitações, segundo um gerente para o Iraque de uma grande companhia de petróleo, que não autorizou ser citado publicamente discutindo os termos. Assem Jihad, o porta-voz do Ministério do Petróleo, disse que o ministério escolheu empresas com as quais se sentia à vontade para trabalhar segundo os termos dos memorandos de entendimento, e pela capacidade técnica delas. "Por causa disto elas tiveram prioridade", ele disse.
Em todos os casos exceto um, a mesma empresa que fornece consultoria gratuita para o Ministério para o trabalho em um campo específico recebeu a oferta de contrato de suporte técnico para aquele campo, disse um dos funcionários das empresas. A exceção foi o campo de Qurna Ocidental, no sul do Iraque, fora de Basra. Lá, a companhia russa Lukoil, que alega ter um contrato da época de Saddam para o campo, vinha fornecendo treinamento gratuito para engenheiros iraquianos, mas um consórcio da Chevron e Total, uma companhia francesa, ficou com o contrato. Um porta-voz da Lukoil se recusou a comentar.
Charles Ries, o economista chefe da embaixada americana em Bagdá, descreveu os contratos sem licitação como um mecanismo para trazer tecnologia moderna para os campos antes da aprovação da lei do petróleo, e como uma prorrogação do trabalho anterior gratuito. Estes não são os primeiros contratos estrangeiros de petróleo no Iraque, e todos eles provaram ser contenciosos.
O governo regional do Curdistão, que em muitos aspectos funciona como uma entidade independente no norte do Iraque, fechou vários acordos. A Hunt Oil Company de Dallas, por exemplo, assinou um acordo de compartilhamento de produção com o governo regional no ano passado, apesar de sua legalidade ter sido questionada pelo governo central iraquiano. Mas os acordos de suporte técnico são o primeiro trabalho comercial por parte de grandes companhias de petróleo no Iraque. O impacto, disseram especialistas, poderá ser aumentos notáveis na produção de petróleo iraquiana.
Apesar dos contratos atuais não estarem relacionados ao trabalho anterior das empresas no Iraque, em uma reviravolta na história corporativa para algumas das maiores companhias do mundo, todas as quatro grandes que perderam suas concessões no Iraque agora estão de volta.
Mas um porta-voz da Exxon disse que a abordagem da empresa no Iraque não difere de seu trabalho em outros lugares. "Consistente com nossa antiga estratégia global de negócios, a ExxonMobil buscará oportunidades de negócios à medida que surgirem no Iraque, assim como faríamos em outros países nos quais estamos autorizados a operar", disse o porta-voz, Len D'Eramo, em uma declaração por e-mail.
Mas a empresa está claramente ciente da história. Em uma entrevista para a "Newsweek" no ano passado, o ex-presidente-executivo da Exxon, Lee Raymond, elogiou o potencial do Iraque como país produtor de petróleo e acrescentou que a Exxon estava em posição de saber. "Há uma quantidade enorme de petróleo no Iraque", disse Raymond. "Nós fizemos parte do consórcio, as quatro empresas que atuavam lá quando Saddam Hussein nos expulsou, e basicamente tínhamos todo o país."
(Por Andrew E. Kramer*, NYT, UOL, 19/06/2008)
*James Glanz e Jad Mouawad, em Nova York, contribuíram com reportagem.