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passivos dos biocombustíveis cana-de-açúcar
2008-06-19

Pesquisadores da Universidade Metodista de São Paulo (Unimep) divulgaram dados prévios de um estudo sobre o corte manual da cana no interior paulista. Pela primeira vez se conduziu um estudo empírico sobre a ergonomia no trabalho do cortador. Em apenas 10 minutos esse trabalhador corta 400 Kg de cana, realiza 131 golpes de facão e flexiona o tronco 138 vezes. A extenuante jornada não conta com repouso e tenta garantir a sobrevivência das famílias dos cortadores.

"A conclusão que chegamos é que a condição física de um cortador de cana se assemelha a de um maratonista. Seus músculos são franzinos, mas sua resistência é elevada", afirma Erivelton Fontana de Laat, coordenador da pesquisa. O estudo também aponta que muitos dos problemas de saúde que acometem esses trabalhadores são os mesmos a que estão sujeitos atletas de alto desempenho. Mas sob quais condições?

O principal fator de risco no corte da cana, de acordo com dados do estudo piloto realizado em maio, é a sobrecarga na atividade cardiorrespiratória do trabalhador. Através do uso de uma metodologia que levou em consideração aspectos como a freqüência cardíaca (em repouso, média e máxima), idade e produção diária em toneladas, Laat descobriu que seis dos dez trabalhadores analisados ultrapassaram o limite cardiorrespiratório tolerável à saúde. Alguns chegaram a picos de mais de 180 batimentos cardíacos por minuto. "O que acontece nos canaviais é semelhante a um atleta que ultrapassa o seu limite de treino. Ao invés de correr cinco quilômetros, ele tenta percorrer a distância de uma maratona todos os dias", diz Laat.

Os resultados foram apresentados a procuradores do Ministério Público e do Ministério do Trabalho no seminário "Condições de trabalho no plantio e corte de cana", que ocorreu no final de abril, em Campinas.

Temperatura e risco de lesões por repetição

Com o auxílio de um software francês, os pesquisadores analisaram a rotina de trabalho de um cortador que ao fim do dia havia cortado 11,54 toneladas de cana. Quando se amplia os dados obtidos em 10 minutos para um dia inteiro de trabalho chega-se a 3792 golpes de facão e 3994 flexões de coluna, o que representa um sério risco à coluna e articulações, segundo informa Laat.

O estudo da Unimep também tratou sobre o ciclo de atividades repetitivas do cortador. Em média ele precisa de 5,6 segundos para abraçar um feixe com cinco a dez varas de cana, puxar ou balançar, flexionar a coluna, cortar o feixe rente ao solo, jogar a cana em montes e progredir. "Estudos ergonômicos mostram que qualquer atividade laboral com ciclo de repetição inferior a 30 segundos possui grande risco de surgimento de lesões", afirma o pesquisador.

O sol é outro fator preocupante. Na medição feita em maio - que é um mês de temperatura agradável - o termômetro marcou a temperatura máxima de 27,40 graus Celsius no canavial. A média ficou em 26 graus. De acordo com a Norma Regulamentadora (NR) 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, toda atividade laboral pesada realizada em lugares com temperatura ambiente entre 26 e 28 graus Celsius precisa de pausas de 30 minutos para cada 30 minutos de trabalho. Essa NR não é cumprida nos canaviais paulistas.

Laat comenta que, em sua pesquisa de campo, percebeu que a empresa contratante até indicava alguns momentos de pausa no trabalho através do som da buzina de um ônibus. No entanto, como não havia fiscalização sobre o cumprimento desta pausa, praticamente nenhum cortador largava seu facão para descansar, já que a pausa pode significar perda de produção e, portanto, de dinheiro.

Para a maioria dos procuradores presentes ao seminário de Campinas esse é o motivo dos trabalhadores suportarem tão duras condições de trabalho. O piso salarial da categoria é de aproximadamente 500 reais. Entretanto, como o pagamento varia de acordo com a produção individual, um bom cortador - um campeão, como é chamado na lavoura -, pode chegar a rendimentos mensais de 1200 a 1500 reais.

Para a grande maioria da massa trabalhadora do setor, formada principalmente por migrantes do Nordeste e Norte, tal valor é muito mais do que ganhariam em suas regiões natais. A extenuante jornada de trabalho é tolerada por homens que querem, a todo custo, garantir a sobrevivência de suas famílias. "Tem a questão emblemática também. Por exemplo, um cortador migrante que compra uma moto ao fim da safra de cana é visto como herói pelos mais jovens da sua região", completa Laat.

Morte no trabalho

Entretanto, a luta frenética pela subsistência faz com que os cortadores não levem em consideração fatos como a morte de companheiros. Segundo a Pastoral do Migrante, de Guariba, 20 trabalhadores rurais do setor sucroalcooleiro morreram de 2004 até agora. Os poucos que possuem o motivo da morte registrado no atestado de óbito apontam, principalmente, morte por parada cardiorrespiratória. Vários estudiosos e sindicalistas do setor dizem não haver dúvidas de que essas mortes sofrem forte influência da rotina de trabalho, mensurada agora pela equipe da Unimep.

O resultado final deste trabalho será apresentado em 2009 e abordará outras questões como a poeira da queima da cana inalada pelos cortadores, a massa corpórea ganha ou perdida no decorrer da safra e a comida ingerida por esses trabalhadores. Os pesquisadores querem traçar um paralelo entre os dados quantitativos coletados e a qualidade de vida dos trabalhadores. Atualmente, um cortador de cana consegue trabalhar, em média, até os 35 anos, afirma Laat.

Um dos objetivos dessa pesquisa, de acordo com os seus idealizadores, é fornecer ao judiciário material científico crível que contribua com o julgamento de ações trabalhistas ou civis públicas referentes ao tema. Dessa maneira, eles acreditam que se pode caminhar na direção de um futuro laboral mais humano para aqueles que ajudam a garantir a energia do país.

(Notícias ComCiência, 18/06/2008)


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