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pesquisa agropecuária biocombustíveis passivos da pecuária
2008-06-18
Basta o Brasil usar melhor suas pastagens para que o País possa exportar biocombustíveis sem comprometer a produção de alimentos e sem desmatamento. Quem pensa assim é Carlos Clemente Cerri, o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) que, além de membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), é um dos responsáveis pela contabilidade oficial das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. Para ele, sem precisar nem dobrar o número de cabeças de gado por hectare, a terra brasileira é suficiente para atender à ampliação do cultivo de alimentos - para o Brasil e para o mundo - e para o plantio das matérias-primas para os biocombustíveis. Mais: o melhor manejo das pastagens liberaria ainda terra agricultável suficiente para o cultivo de eucalipto, de algodão e de soja e para a produção de leite e carne.

"No total, precisaremos de 18 a 20 milhões de hectares nos próximos dez anos", afirma Cerri. "Podemos retirá-los das pastagens, sem desmatamento, se aumentarmos a lotação de gado nas pastagens de 0,9 para 1,5 cabeça por hectare." Ele cita vários procedimentos que permitem aumentar a lotação das pastagens: fazer adubação e calagem, eliminar ervas daninhas, integrar lavoura e pecuária, adotar o sistema de semiconfinamento do gado. "É uma questão de redimensionamento, de planejamento", aponta. "O pecuarista já está procurando melhorar as pastagens, porque está vendo a terra valorizar-se cada vez mais em todo lugar. Temos de encontrar uma maneira de ajudá-lo a fazer isso se não quisermos expandir a área de desmatamento."

Além de não desmatar, o Brasil, alerta Cerri, deve reduzir ao máximo as emissões de gases do efeito estufa e o consumo de água dos processos de produção de biocombustíveis para garantir que o etanol e o biodiesel fabricados aqui sejam competitivos no exterior. "É uma questão ética", afirma. "Principalmente nos países mais desenvolvidos, a sociedade vai querer consumir produtos cujos processos de produção sejam mais limpos do que são hoje." Por essa razão, grupos de pesquisa do mundo inteiro, incluindo o que o professor coordena no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), na Esalq, já estão trabalhando para calcular o carbon footprint do etanol - ou seja, a quantidade de carbono emitida durante a produção de um litro do biocombustível. "A soma das emissões da produção e da queima dos biocombustíveis tem de ser menor do que a soma das emissões da produção e da queima dos combustíveis fósseis, senão não compensa substituir estes por aqueles", explica o professor. Ele não vê os biocombustíveis nem como vilões nem como salvadores. Em sua opinião, o etanol, o biodiesel e outros combustíveis de origem orgânica representam uma fase de transição - o futuro, pensa ele, está nas energias solar, eólica e das marés, que não deixam nenhum resíduo.

O compromisso de Cerri com o tema da mudança climática foi reconhecido pela presidente do IPCC: ele foi um dos representantes do grande comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) - tantas pessoas - a receber o certificado do prêmio Nobel da Paz, que foi atribuído em 2007 ao IPCC e a Al Gore. O certificado foi a forma encontrada para partilhar a conquista do mérito entre os pesquisadores do IPCC. Leia a seguir a entrevista completa com o professor:

Para que as culturas de cana, soja e outras oleaginosas não avancem sobre a Amazônia e o Cerrado, quantos hectares de pastagens o Brasil poderia transformar em plantações, sem afetar a produção de carne e leite?
Carlos Clemente Cerri - Nos próximos dez anos, o Brasil precisará aumentar suas plantações de cana-de-açúcar em 4 a 6 milhões de hectares para suprir a demanda de etanol para exportação. Também precisaremos de mais de 3 milhões de hectares para o plantio de oleaginosas para produção de biodiesel: palma, mamona, girassol, pinhão-manso, canola. Esse número ainda não é oficial, pois hoje o Brasil tem de adicionar 2% de biodiesel ao diesel, mas logo vai ter de adicionar 5%. Além disso, precisaremos aumentar a área de plantio de soja para produção de proteína, a área de plantio de algodão para produção de fibra, a área de plantio de eucalipto para produção de papel e móveis e também a área de plantio de alimentos. No total, precisaremos de 18 milhões a 20 milhões de hectares nos próximos dez anos. Podemos retirá-los das pastagens, sem desmatamento. Para isso, temos de melhorar as pastagens para podermos aumentar o número de cabeças de gado por hectare.

O que é uma pastagem bem-manejada?
Cerri - Manejar bem uma pastagem quer dizer usar uma relação adequada de cabeças de gado por hectare. Quando se colocam muitas cabeças na mesma área, o gado acaba comendo a planta até embaixo, o que dificulta a rebrota. Com isso, há degradação da pastagem. Em uma pastagem bem-manejada, o gado não come toda a planta. Sobra ainda uma quantidade suficiente de capim para que a rebrota seja mais rápida. Também é importante fertilizar a pastagem - em algumas, além de fertilizantes, é preciso até colocar calcário - e eliminar as ervas daninhas. Normalmente, as pastagens no Brasil não são bem manejadas. Isso faz a lotação, ou seja, o número de cabeças de gado por hectare, ser muito baixa [como a pastagem não rebrota rapidamente, é preciso reservar uma área maior para cada cabeça. Nota do E.]. O Brasil tem mais de 200 milhões de hectares de pastagens de diferentes tipos, com diferentes graus de manejo, e um plantel de menos de 200 milhões de cabeças de gado. A média é de 0,9 cabeça por hectare. Em uma pastagem bem-manejada, a relação pode ser de três ou quatro cabeças por hectare, em média. Se melhorarmos nossas pastagens, poderemos aumentar sua lotação. Com isso, sobrarão áreas de pastagem para ser convertidas em plantações de cana-de-açúcar e oleaginosas.

O que mais deve ser feito para melhorar as pastagens?
Cerri - Um exemplo, como já falei, é fazer adubação, calagem. Também é possível adotar as modernas técnicas de integração lavoura-pecuária, que promovem uma espécie de uso racional da terra ao misturar áreas agrícolas e pastagens, e o sistema de semiconfinamento, que implica trazer comida para o animal. Além do capim braquiária, podem ser incorporadas outras plantas, como leguminosas, que melhoram a alimentação do gado. Isso reduz o tempo necessário até o abate e permite ampliar o rebanho sem aumentar a área de pastagem. Nos próximos dez anos, a própria produção animal vai precisar crescer 25%, mas em uma área menor. Senão, será preciso desmatar, o que não é desejável.

É possível transformar áreas de pastagem em lavouras e ainda aumentar o rebanho?
Cerri - É uma questão de redimensionamento, de planejamento. O pecuarista já está procurando melhorar as pastagens, porque está vendo a terra valorizar-se cada vez mais em todo lugar. Ele precisa tirar o melhor proveito possível da terra, e isso exige tecnologia. A maior parte dessa tecnologia está disponível. É preciso conceder incentivos fiscais ou financeiros ao pecuarista para que ele consiga aplicá-la. Temos de encontrar uma maneira de ajudá-lo a melhorar suas pastagens e aumentar o número de cabeças de gado por hectare se não quisermos expandir a área de desmatamento.

A conversão de pastagem em cultura provocaria a emissão de mais gases para a atmosfera?
Cerri - Na conversão de uma pastagem em outro uso agrícola, parte do carbono que ela havia estocado no solo é perdida na forma de gás. A perda não é muito grande: de 10% a 20% do estoque adquirido, de acordo com o teor de argila do solo. Mas, se no outro uso for feita a chamada agricultura conservacionista, pode-se reduzir a perda para 5%. A agricultura conservacionista dispensa a aração e a gradagem por tratores, pois faz o plantio só em pequenos sulcos, sem mexer no restante do solo. Quando há aração e gradagem, os microorganismos do solo são ativados e consomem o húmus, e esse consumo emite gás. Se fizermos a agricultura conservacionista e ainda conseguirmos retornar resíduos da nova cultura para o solo, podemos manter o estoque de carbono e até aumentá-lo. Isso é o que chamamos de seqüestro de carbono pelo solo.

Em fevereiro, a revista Science publicou dois artigos com críticas aos biocombustíveis. Um deles, especificamente, dizia que a conversão de vegetações nativas em culturas para produção de biocombustíveis no Brasil, no Sudeste da Ásia e nos Estados Unidos criava um "débito de carbono", pois liberava uma quantidade de CO2 para a atmosfera de 17 a 420 vezes maior do que a redução anual nos gases causadores do efeito estufa promovida pela substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis. Como o senhor vê esses números?
Cerri - Os artigos partem do princípio de que precisamos desmatar para produzir biocombustíveis, mas essa não é a realidade do Brasil. Nossas matas já viraram pastagens há muitos anos. Por isso, podemos converter pastagens de baixa produtividade em plantações de cana-de-açúcar [para produção de etanol] e oleaginosas [para produção de biodiesel]. O Estado de São Paulo, por exemplo, quase não tem mais florestas, só 7%. No entanto, a maior área para expansão da cana-de-açúcar está aqui, em cima de pastagens.

Por que o desmatamento, ou outras mudanças do uso do solo, resultam em emissões de gases de efeito estufa?
Cerri - Quando se convertem florestas ou mesmo o Cerrado em áreas de pastagem ou de outros usos agrícolas, ocorrem emissões muito grandes de carbono, porque é preciso derrubar a vegetação, secá-la e queimá-la para abrir espaço. O carbono que as árvores haviam retirado por fotossíntese da atmosfera é convertido em gases pela combustão. Esses gases vão novamente para a atmosfera, ocasionando o efeito estufa e o aquecimento global. A mesma coisa acontece no solo. O carbono aparece de várias formas no solo, inclusive no húmus. O uso do solo para pastagem ou agricultura normalmente promove a decomposição do húmus; nesse processo de decomposição há produção de gás, que também vai para a atmosfera, causando o efeito estufa. Mas quando a pastagem é bem manejada, o estoque de carbono do solo aumenta com o tempo. A pastagem retira o carbono liberado para a atmosfera durante a queima da floresta e leva-o para o solo, pois possui um sistema radicular muito rápido.

O artigo de fevereiro da Science também não fala em nenhum momento da substituição de pastagens no Brasil. Os autores calcularam o débito de carbono para três situações: conversão da Amazônia em soja, do Cerrado em soja e do Cerrado em cana-de-açúcar. O que o senhor pensa sobre isso?
Cerri - No meu ponto de vista, esse não é um cenário correto. Primeiro, porque hoje custa muito caro desmatar. Segundo, porque é mais barato converter uma pastagem, mesmo que não seja de boa produtividade, do que converter uma floresta em agricultura. Não é fácil plantar depois de retirar a floresta, porque os tocos e as raízes das árvores ficam no local. Os tratores não entram. É por isso que se fazem pastagens depois da derrubada e da queima da vegetação. O gado pula os tocos. E, aos poucos, as raízes e os tocos vão se decompondo. No Cerrado, sim, é possível tirar a vegetação e colocar agricultura, porque as raízes são mais finas, as árvores são menores. Isso já foi feito, mas, agora, é cada vez mais difícil desmatar uma área de Cerrado.

Não é estranho que uma revista com o renome da Science publique um artigo que não considere nenhum desses fatores?
Cerri - Se esse artigo tivesse caído nas mãos de um revisor brasileiro, talvez nem tivesse sido publicado. Já existe um movimento aqui no Brasil para rebater essas informações e produzir um trabalho com cenários prospectivos mais reais. Não com esses cenários pessimistas, de desmatamento, que não expressam a verdade. Mas a ciência é feita de verdades transitórias. Alguém faz alguma coisa, outros contestam, e é assim que há o progresso científico e tecnológico. A Nature também já publicou artigos que um tempo depois foram contestados. Isso é próprio do avanço do conhecimento - ou do desconhecimento de algumas pessoas.

O que o Brasil deve fazer para melhorar a imagem de seu etanol no exterior?
Cerri - Além de não desmatar, temos de produzir biocombustíveis e alimentos com baixo consumo de água e a menor emissão possível de gases do efeito estufa. A qualidade dos produtos do nosso agronegócio já é boa, mas ainda precisamos melhorar os processos de produção para torná-los mais limpos. Embora já tenhamos um conhecimento de longa duração a respeito da cana, ainda colocamos vinhaça no solo, deixamos resíduos expostos no campo, queimamos desnecessariamente as folhas para a colheita, preparamos o solo de forma incorreta, aplicamos muito fertilizante... Tudo isso emite gás para a atmosfera. É o que chamamos de carbon footprint: quer dizer, o rastro de carbono deixado pela produção de um produto - um litro de álcool, um litro de biodiesel, um quilo de soja, um quilo de carne. Portanto, no caso do etanol, devemos nos preocupar em fazer plantios mais adequados, usar técnicas mais conservacionistas, não revolver tanto o solo, não queimar a cana, retornar os resíduos, reduzir o consumo de combustível fóssil... E temos de caminhar nessa direção com todos os nossos produtos agrícolas. É uma questão ética. Principalmente nos países mais desenvolvidos, a sociedade vai querer consumir produtos cujos processos de produção sejam mais limpos do que são hoje. Isso vai obrigar pecuaristas, produtores agrícolas e outras fases do agronegócio a se adaptar às novas exigências do mercado internacional; do contrário, eles não serão competitivos.

É possível calcular a quantidade de gases emitida durante a produção de um litro de etanol, por exemplo?
Cerri - É isso que nosso grupo e outros estão fazendo. O cálculo é complexo. Existem vários gases que contribuem para o efeito estufa: gás carbônico, metano, óxido nitroso... Por isso, vamos procurar quantificar as emissões de todos os gases durante o ciclo de vida do etanol e convertê-las em equivalente em CO2. É preciso fazer um inventário das emissões em todos os setores, desde a produção da muda de cana-de-açúcar até o plantio, os tratos culturais, a colheita, o transporte, a destilação, o refino, os resíduos produzidos na destilaria... Aí vamos saber qual é o carbon footprint para produzir um litro de álcool. A soma das emissões da produção e da queima dos biocombustíveis tem de ser menor do que a soma da produção e da queima dos combustíveis fósseis, senão não compensa substituir estes por aqueles.

No caso dos biocombustíveis, não é preciso subtrair o que as plantas absorvem de CO2?
Cerri - Sim, mas elas só absorvem CO2, e no processo produtivo são emitidos outros gases, como o metano e o óxido nitroso.

Depois que esses outros gases vão para a atmosfera, não há nada que os tire de lá?
Cerri - Eles ficam na atmosfera, causando o aquecimento global. Alguns deles podem permanecer lá por 10, 20, 100 anos. É o que chamamos de tempo de residência. Depois disso, são degradados pela própria radiação solar. Parte do CO2 também fica na atmosfera. Nós emitimos anualmente sete pentagramas - são bilhões de toneladas - de carbono por hectare. As plantas e as algas absorvem três pentagramas, mas os outros quatro pentagramas continuam na atmosfera.

O futuro, para a produção de energia, está nos biocombustíveis?
Cerri - No momento, um valor muito grande tem sido dado à biomassa, mas isso é temporário. Os biocombustíveis representam uma fase transitória; estão longe de ser a solução. Atualmente, dominamos a queima dos combustíveis fósseis e estamos dominando os biocombustíveis, mas existem institutos trabalhando simultaneamente para dominar a energia solar, a eólica, a das marés. Existe uma quantidade muito grande de energia das marés que não aproveitamos. A energia eólica tem alguns problemas ambientais, porque causa muito barulho, atrai pássaros, polui visualmente. As placas para absorver a energia solar também provocam poluição visual, mas antes isso do que o aquecimento global. Então, enquanto o mundo não domina essas energias, o Brasil, que domina a parte de biomassa, deve aproveitar o momento para aumentar suas exportações de biocombustíveis, sem comprometer a produção de alimentos e sem desmatamento.

(Por Rachel Bueno, Jornal Inovação/Unicamp, 16/06/2008)

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