A pequena cidade de Cacoal, em Rondônia, teve uma tarde movimentada nesta segunda-feira (16/06). Estava lá mais de uma dezena de jornalistas de veículos importantes como o jornal Daily Mirror e a agência EFE. Eles se aglomeravam para ouvir denúncias de crimes ambientais naquele pedaço da Amazônia. E um apelo preocupante: segurança para as lideranças ambientais da região, onde ameaças de morte – e o seu cumprimento – ditam as regras do jogo político.
O município, que tem como vizinhas as cidades de Presidente Médici e Ministro Andreazza, foi escolhido para o ato também porque os índios Suruí, que vivem na região, assinariam parceria com o grupo Google Earth, para mapear sua terra, o que, acreditam, ajudará a monitorar desmatamentos. Um de seus líderes, Almir Suruí, volta agora para sua aldeia, depois de meio ano de exílio no Amazonas, onde tentou se esconder de uma série de ameaças.
Para os jornalistas e um público formado ainda por representantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Fundação Nacional do Índio (Funai) e pela prefeita Sueli Aragão, a rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) – que reúne 602 entidades - apresentou um relatório relacionando crimes ambientais e apontando medidas para combater o desmatamento. Com o título “O fim da floresta? A devastação das unidades de conservação e terras indígenas no Estado de Rondônia”, o documento revela um quadro de descontrole que já permitiu o desaparecimento de quase metade da cobertura florestal do Estado (44,33%) e que ameaça gravemente florestas nacionais, reservas extrativistas e outras áreas.
O superintendente do Ibama em Rondônia, Osvaldo Pittaluga, embora ainda não tivesse lido o documento, já sabia do seu conteúdo e disse que o que está lá é inegável, ainda que possa haver alguma discordância em relação aos números. Pittaluga evita, porém, fazer coro a denúncias levantadas no relatório sobre o envolvimento de políticos locais com organizações criminosas para roubo de madeira e grilagem de terras, entre outros ilícitos. Esta associação, segundo o coordenador do GTA no Estado, Silvanio Gomes, garante o financiamento de campanhas eleitorais. “Estas informações são de responsabilidade das entidades”, evita Pittaluga.
As unidades de conservação de Rondônia deveriam funcionar como garantia de preservação da biodiversidade no Estado. Mas não tem sido assim. Exemplo é a reserva extrativista Jaci-Paraná. Criada por decreto estadual em 1996, com área de 205 mil hectares, antes de completar um ano já havia perdido 13.766 hectares, por ato da Assembléia Legislativa. “Sem estudos técnicos, por pressão de grileiros e madeireiros”, denuncia o relatório. Até julho de 2007, segundo dados do GTA, foram desmatados 37.500 hectares (20%) da reserva.
Pior sorte teve a Floresta Estadual Extrativista Rio Preto-Jacundá, cuja área foi reduzida em 89% por decreto estadual também em 1996, sete anos depois de criada, e hoje continua vítima de madeireiros. Segundo informa o relatório, mais de 10 mil metros cúbicos de madeira já foram retirados da reserva por uma única empresa, que teria autorização de exploração da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental. Se essa madeira fosse depositada sobre uma quadra de vôlei, daria uma pilha da altura de um edifício de 20 andares.
Pittaluga afirma que o Estado não teria prerrogativas legais para reduzir as áreas das unidades. “Há erro técnico. Os atos de redução ferem legislação federal”.
Loteamento
A Floresta Bom Futuro, que ocupa área de 249 mil hectares, perdeu 32% de suas matas (78,8 mil hectares), de acordo com o estudo. “Inicialmente, o processo de invasão da Flona foi comandado por empresas madeireiras de Buritis e Alto Paraíso. Em seguida, se somaram à ação grileiros que promoveram loteamentos na área. A ausência do poder público possibilitou que uma vila urbana, hoje com mais de 4 mil habitantes, fosse construída dentro da Flona. Na vila, chegaram a funcionar mais de dez serrarias”, informa o relatório.
Os problemas se estendem ainda às unidades de conservação de proteção integral. De acordo com o dossiê, as 14 áreas desse tipo ocupam cerca de 2,4 milhões de hectares, o que representa 10% do território estadual. “As UCs estaduais de proteção integral em geral não contam com elementos fundamentais par a sua implantação, caracterizando-se essencialmente pelo abandono. Com exceção de três UCs estaduais, apoiadas pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, as demais áreas não dispõem de nenhuma fonte de recursos específicos”, aponta o relatório.
As terras indígenas do estado tampouco estão a salvo da degradação. Há inclusive projeto de assentamento promovido pelo Incra na década de 1970 dentro de área dos Uru-eu-wau-wau. Os Cinta-Larga, de acordo com o dossiê, são vítimas da “conivência entre policiais e mineradores, garimpeiros e contrabandistas envolvidos no comércio de diamantes de sangue (blood diamonds)”.
O estudo conclui que o zoneamento sócio-econômico-ecológico do Estado, que completa 20 anos, “não tem sido utilizado efetivamente como norteador de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável, por parte do Governo Estadual e diversos órgãos do Governo Federal”. E mais adiante: “A situação se agrava com a conivência do poder público e de políticos locais, bem como a falta de intervenção efetiva da Justiça, o que cria um clima de impunidade que contribui, em grande medida, com o avanço do desmatamento”.
Silvanio Gomes diz que, como resultado da “conivência”, áreas de preservação viraram áreas de produção. “É como um grande garimpo, de onde se pode extrair tudo”.
O GTA reclama ações permanentes. “O governo federal, com as ações do Ibama e da Polícia Federal, faz barulho, mas não resolve”, diz Silvanio.
O superintendente do Ibama explica que, pelas limitações do órgão, a estratégia é focar o trabalho nas áreas mais ameaçadas pelo desmatamento. Segundo Pittaluga, Ibama e Instituto Chico Mendes somam cerca de 50 fiscais no Estado, para monitorar área de mais de 200 mil quilômetros quadrados. “A estrutura é pequena. Temos solicitado a abertura de novas vagas e possivelmente haverá concurso este ano”, diz.
A pressão política sobre as áreas de preservação, de acordo com Pittaluga, é realmente muito forte. Há, segundo ele, um debate sobre o modelo de desenvolvimento do Estado que deve se restringir ao estabelecido na legislação. “O desrespeito à lei é crime e isso não vamos permitir”, promete.
Resposta do governo
O governo estadual de Rondônia distribui nesta terça-feira nota oficial respondendo ao relatório do GTA. Segundo o comunicado, “as áreas que estão sofrendo desmatamento atualmente pertencem na grande maioria a União, como as Florestas Nacionais e Áreas Indígenas, onde o Governo do Estado não pode, por lei, agir para impedir qualquer ação neste sentido. Essa é uma obrigação do Governo Federal, que não vem sendo cumprida.”
A nota enumera todos os problemas que não são apenas da alçada do governo estadual, como o caos fundiário da Amazônia, os assentamentos sem infra-estrutura do INCRA e a falta de fiscalização pelos órgãos federais. Os autores do relatório receberam atenção especial no comunicado. “Finalizando, é muito fácil apontar culpados e responsáveis estando dentro de uma sala com ar condicionado. É muito fácil cobrar para preservar sem pagar nada em troca. Países do primeiro mundo que já devastaram seu território, agora vem nos cobrar para preservar a floresta. Que os organismos internacionais, ONGs e todos aqueles interessados em preservar a Amazônia nos ajude nesta tarefa, para o bem de toda humanidade”.
Leia resumo executivo do relatório “O Fim da Floresta”.
(Por Warner Bento Filho, OEco, 18/06/2008)