Um plano urgente do Estado argentino é a única salvação da merluza comum (Merlusccius hubbsi), primeiro produto pesqueiro de exportação do país, afirmam especialistas. É preciso reduzir ainda mais a captura, distribuir melhor as cotas, melhorar o sistema de informação e controle e ajudar o setor a enfrentar a crise inevitável, afirmou a Fundação Vida Silvestre Argentina.
Também se deve acrescentar valor ao produto, com maior processamento industrial, para que não se sinta tanto o impacto das menores capturas, sobretudo no emprego de 12 mil trabalhadores. Um documento publicado este mês pela Fundação, entregue a autoridades, legisladores, empresários e sindicalistas do setor pesqueiro, afirma que o Estado deve implementar um plano para a recuperação “urgente” da merluza e estabelecer um modelo sustentável com regras claras.
As empresas exploradoras são chamadas a assumir “maior responsabilidade ambiental e social”, respeitando os limites estabelecidos e participando do planejamento de atividades para evitar que a redução continue afetando a indústria. “No começo do ano, por escassez do recurso, tivemos que fechar a unidade de processamento de San Antonio Oeste, na província de Rio Negro”, disse ao Terramérica Gerardo Ditrich , da empresa Alpesca, dedicada à venda de merluza. A fábrica tinha 270 empregados.
As exportações pesqueiras argentinas superaram US$ 1,1 bilhão no ano passado, segundo dados oficiais. A maioria corresponde à merluza comum. Em seguida vêm a lula e o camarão, todas espécies do Oceano Atlântico Sul, destinadas sobretudo a Brasil, Espanha e Itália. Entretanto, a falta de controle pelo Estado e a pesca exagerada nos últimos 20 anos fizeram com que a população adulta de merluza diminuísse 70%, afirmou a Fundação. Desde 2003, a alta de preço internacional – de 166% em cinco anos – acentuou a tendência.
Das 44.352 toneladas de merluza exportadas em 2002, se passou para 156.300, em 2006. Em 2007, as restrições provocaram uma queda para 138.800 toneladas, mas não se sentiu na renda, que foi maior devido aos preços altos. O subsecretário de Pesca e Aqüicultura, Gerardo Nieto, reconheceu ao Terramérica que a atividade “enfrenta dificuldades que exigem um manejo razoável do recurso” e assegurou que o Estado trabalha para consegui-lo. “Com base nas capturas máximas permitidas, distribuímos cotas por barco e vigiamos as áreas proibidas. Adotamos medidas para conter a atividade, mas há fatores que não controlamos, como a pressão dos preços internacionais ou as variáveis ambientais”, justificou.
No final do ano passado, a Subsecretaria ordenou uma redução de 20% no esforço pesqueiro anual sobre a merluza, isto é, a intensidade com que uma frota atua sobre os recursos pesqueiros. Para a Fundação, isto foi insuficiente e extemporâneo, porque o órgão não o estabeleceu no começo de 2007. Em 2008, a restrição deveria ser maior, acrescenta. Nieto disse que está para ser aprovado um projeto que restitui parte dos impostos às empresas que exportam merluza com maior valor agregado, a fim de reduzir a pressão sobre a pesca e evitar mais desemprego.
Da merluza exportada, 80% não tem nenhum processamento e recebe preços menores. Apenas 15% é vendida sem pele, espinhas e sem gordura, em forma de filé. Cada tonelada deste produto processado custa 81% mais, segundo a Subsecretaria. O coordenador do Programa Marinho da Fundação, Guillermo Cañete, disse ao Terramérica que a industrialização é “uma das chaves para avançar em uma pescaria sustentável” e recomendou a certificação ambiental como incentivo de mercado.
O especialista, redator do documento da Fundação, propôs o planejamento do que pode receber cada região e distribuir melhor as cotas entre os barcos de pesca, que transportam o pescado fresco, e congeladores, que o processam a bordo. Além disso, “os instrumentos para registrar o que se captura são deficientes. Seria preciso utilizar sistemas eletrônicos que certifiquem o que efetivamente se pesca, porque as próprias empresas dizem que o controle falha”, afirmou. Alguns atores do setor admitem que “se descarta o mesmo que se declara”, assegurou Cañete.
Também são necessários dispositivos para que exemplares jovens escapem das redes, o que requer manobras importantes nas capturas de vários milhares de quilos, mas existem modelos novos mais flexíveis, disse Cañete. “Afirma-se que são perigosos, mas isto se deve ao fato de as frotas na Argentina estarem obsoletas”, acrescentou.
(Por Marcela Valente*, Envolverde/Terramérica, 17/06/2008)
* A autora é correspondente da IPS.