O LEILÃO da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, abre a fronteira amazônica para a construção de grandes empreendimentos energéticos na região e representa uma ameaça à soberania nacional. De acordo com o sociólogo Luis Fernando Novoa, professor da Universidade Federal de Rondônia (Unir), trata- se “do repasse da soberania para o capital privado transnacional”. O consórcio liderado pela franco-belga Suez Energy (Tractebel), maior geradora privada de energia do Brasil, venceu o leilão ocorrido no dia 19 de maio. Segundo Novoa, que é membro da Rede Brasil – Vigilância de Instituições Financeiras, a abertura da fronteira da Amazônia “representa o projeto de construção de um corredor de exportação bioceânico, mas que servirá apenas aos interesses de grandes grupos econômicos, e não a um projeto nacional ou regional”.
A hidrelétrica de Jirau é o segundo empreendimento do rio Madeira, o maior afluente do rio Amazonas. O primeiro, a usina de Santo Antônio, já foi leiloado em dezembro de 2007 para o consórcio Madeira Energia – Odebrecht e Furnas. As construção das duas hidrelétricas faz parte do Complexo Rio Madeira.
PrivatizaçãoPara o sociólogo, os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Jirau serão “um acúmulo do que aconteceu com Santo Antônio”, ou seja, privatização de parte da Amazônia. “Quando se concede a gestão e o controle de uma bacia inteira, significa que as margens, os igarapés e o uso do solo estão sendo privatizados”, explica.
De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o leilão de Jirau “é mais um episódio da entrega do patrimônio nacional aos interesses de grandes empresas, tal como aconteceu no processo de privatização das estatais brasileiras”. Para a coordenação, a construção da hidrelétrica irá abrir a fronteira amazônica para a construção de grandes empreendimentos energéticos, “seja para a construção de novas usinas hidrelétricas, seja para a plantação de cana-de-açúcar e produção de etanol, agravando a destruição da floresta”.
A usina de Jirau é considerada prioritária pelo governo federal e é parte integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A obra tem capacidade prevista para gerar 3.300 MW e entrará em funcionamento a partir de 2013, com gastos estimados em R$ 8,7 bilhões. Somado, o custo das obras previstas para o Complexo Madeira chega a R$ 43 bilhões.
Suporte do EstadoPara Dorival Gonçalves Júnior, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a construção de hidrelétricas na região amazônica irá afetar a população local que, quando entra em embate com os grandes projetos, “é combatida pelo próprio Estado”. Segundo ele, além de terem alta taxa de lucratividade, as empresas “têm o apoio do Estado, visto que 80% dos recursos do projeto vêm do BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social]”.
De acordo com Gonçalves, ao ter concedido 30 anos de exploração para os grupos que venceram o leilão das hidrelétricas, “o governo dá suporte às empresas. Fica até difícil de acreditar que sejam leilões, na medida em que Furnas, que é uma estatal, estava com o grupo Odebrecht, e a Chesf e a Eletrosul fizeram parceria com a Suez”, critica.
Na opinião do professor, na discussão da energia elétrica, tem prevalecido o discurso de que “essa é uma questão técnica, e não política”. “Ao afirmar isso, se encerra o debate e a discussão se torna mais difícil”, observa. Assim, “há falas como a do engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, que disse que as populações amazônicas deveriam deixar de ser egoístas para atender às pessoas do sul e sudeste”. Segundo Gonçalves, “apesar desse tipo de discurso, a riqueza que é gerada não beneficia os trabalhadores e ainda temos que pagar uma das energias mais caras do mundo”.
DeslocamentoPara especialistas e ambientalistas, a construção de hidrelétricas na Amazônia irá provocar inúmeros danos sociais e ambientais. Como os lagos das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau terão 120 km e 80 km de comprimento, respectivamente, pelo menos 3 mil pessoas serão deslocadas das áreas inundadas. O bagre, peixe importante para a dieta das famílias ribeirinhas da região, também está ameaçado pelas hidrelétricas do rio Madeira, assim como outras espécies de animais.
A construção das usinas também pode atingir a Bolívia, onde nasce o rio Madeira, com o aumento de volume de água e um possível alagamento das terras do país vizinho. “Essas usinas irão influenciar toda a população que depende da alimentação vinda do rio, esse impacto será direto e imediato”, afirma Gonçalves.
DesmatamentoOs especialistas também citam como possíveis impactos o estímulo ao desmatamento, a grilagem de terras e uma possível contaminação de mercúrio, utilizado no garimpo de ouro e depositado no fundo do rio. Uma modificação no projeto inicial da hidrelétrica de Jirau também pode levar a impactos ambientais ainda maiores, explica o sociólogo Luis Fernando Novoa. “É escandaloso, já que não há estudos para saber quais seriam os impactos. Esse episódio demonstra como esse processo está desmoralizado”, diz. Após vencer a disputa pela construção da usina, o consórcio da Suez anunciou mudanças no projeto que possibilitariam uma economia de R$ 1 bilhão. A mudança é a realocação da barragem a 9,2 km do local previsto para a instalação.
Além das usinas de Jirau e Santo Antônio, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê uma série de grandes empreendimentos hidrelétricos na região, como as usinas de Belo Monte (no rio Xingu), Marabá (no rio Tocantins) e São Luís (no rio Tapajós), todas no Estado do Pará. Somados a outras usinas de menor porte que estão em estudo, o PAC apontou a possibilidade de exploração de 58,7 mil MW na região Norte.
(Brasil de Fato,
amazonia.org.br, 16/06/2008)