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crise alimentar crise energética
2008-06-17

A atual crise global de energia e alimentos é, compreensivelmente, uma questão de bolso nos EUA. Mas quando você vai para o Egito, você vê como o preço dos alimentos e do combustível pode se tornar enormemente desestabilizador, em uma sociedade em que tantas pessoas vivem perto do limite. Se esses preços continuarem subindo, poderão reformular a política no mundo em desenvolvimento tanto quanto o nacionalismo e o comunismo fizeram em seu tempo.

Há poucos anos, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, tardia mas claramente embarcou em uma reforma econômica que produziu um crescimento anual de 7% nos últimos três anos. Agora, todo esse crescimento está sendo devorado pelo aumento dos preços de combustível e alimentos, como uma praga de gafanhotos devorando o delta do rio Nilo. Vamos começar o dia na loja de frangos de Hussein El-Ashri -no distrito de classe média baixa de Shubra- uma loja que dá novo significado à expressão "frango fresco".

Os fregueses chegam, selecionam uma galinha viva que é morta e depenada enquanto eles esperam. A galinha é entregue em uma sacola com todas as partes. Os negócios melhoraram gradativamente com o passar dos anos na loja de Ashri, na medida em que as classes média e baixa do Egito conseguiam comprar mais carne. No entanto, nos últimos seis meses, o preço da galinha dobrou. Ashri explicou: "Tudo subiu: eletricidade, a ração, a gasolina, o trabalho, o preço dos remédios para galinhas. Tudo."

Para os pobres do Egito, que perfazem a 40% da população, a alimentação come 60% de seu orçamento doméstico. Quando o preço do trigo dobra porque mais fazendeiros americanos estão plantando milho para a produção de biocombustível, é devastador para os egípcios, que dependem do trigo importado dos EUA para seu pão árabe. Conflitos pelo pão agora são uma ocorrência diária aqui. Quanto à galinha, só o que Ashri sabe é que há "menos clientes e menos tráfego agora". "Você precisa dar carne aos seus filhos, mas agora damos um pedaço um pouco menor", reclama uma senhora com um véu.

Perto de Ashri, contudo, um rapaz em uma carroça está vendendo muitas batatas. "Não podemos mais sair para lazer. Mas há pessoas em situação muito pior. Algumas não podem comprar alimento algum", disse uma senhora cujo marido recebe pensão do exército, enquanto selecionava suas batatas. Virando a esquina, em uma padaria estatal vendendo pão subsidiado, uma pequena multidão se reuniu esperando sua ração diária. Outra pessoa encheu uma charrete puxada por um burro com pedaços de pão para vendê-los para ração animal. Nada é desperdiçado.

Irrompe uma discussão entre o rapaz das batatas e seus clientes sobre quem "tem menos consciência" - professores escolares do sistema estatal -que têm que ser pagos para dar lições fora do horário porque eles têm 80 crianças em suas salas e ninguém pode aprender nada, ou os médicos do sistema estatal que têm que ser subornados para dar atendimento decente. Não é que sejam do mal -estão sendo espremidos.

O que está acontecendo é que o acordo básico entre o regime egípcio e seu povo -que diz: "Vamos garantir alimento barato, emprego, educação e saúde, e vocês ficarão fora da política"- está se deteriorando. Mesmo com o crescimento dos últimos três anos, os subsídios do governo e os salários não conseguem acompanhar os aumentos nos preços de alimentos e combustível. A única parte da barganha que ainda resta é: "E vocês ficarão fora da política".

De Shubra, partimos para o deserto na direção de Alexandria. A estrada está cheia de carros. Como esses egípcios podem pagar pela gasolina, me pergunto? Resposta: o governo vai gastar quase US$ 11 bilhões (em torno de R$ 22 bilhões) neste ano para subsidiar a gasolina e o combustível de cozinha; a gasolina aqui custa apenas cerca de R$ 0,65 por litro -parece um bom preço para os pobres, mas os pobres não têm carro, e os subsídios de combustível significaram menos dinheiro para o transporte público.

Considere esses números: neste ano, o Egito gastará US$ 6 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões) na educação e US$ 3 bilhões (aproximadamente R$ 6 bilhões) em saúde -muito menos que os subsídios pelo combustível. Essa é uma armadilha terrível. Os subsídios deveriam ter sido decrescidos quando os preços de alimentos e combustível eram mais baixos. Agora que estão batendo recordes, a dor de remover os subsídios seria suicídio político. Então, a saúde e a educação morreram em seu lugar.

O Egito hoje, contudo, é um país com dois sistemas. Na estrada de Alexandria, passamos por um condomínio de mansões -com nomes como "Vale da lua", "Hyde Park" e "Beverly Hills". Uma tem um complexo de golfe com 99 buracos. Elas são ocupadas por egípcios que trabalharam duro e fizeram dinheiro no golfo ou que fazem parte da classe empresarial global. Eles têm tanto direito às suas McMansões quanto os americanos. Mas as implicações em energia e água de todos esses condomínios cercados também estão alimentando a demanda global crescente. A boa notícia: mais egípcios hoje podem pagar para viver como americanos. A má notícia: ainda mais egípcios não conseguem mais viver como egípcios. Isso não é bom -nem para eles, nem para nós.

(Por Thomas L. Friedman, The New York Times, tradução de Deborah Weinberg, UOL, 17/06/2008)

 


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