Foi com o espírito aberto que professores indígenas Kaiowá Guarani e Terena e aliados vieram a Campo Grande para um diálogo franco, respeitoso com a secretária de educação do estado e seus assessores. “Chegou o momento de conversar. Queremos saber com clareza qual é a política do Estado com relação à de educação escolar indígena. Queremos saber qual o compromisso que o Estado vai assumir. Queremos uma resposta com firmeza. Não queremos brigar, mas dialogar. O movimento não tem sido ouvido. Estou vindo falar a verdade, o que sinto”. Com essas palavras Otoniel, professor Kaiowá Guarani, da aldeia de Tey Kue, expressou a intenção que os motivou a solicitar a audiência. Deixaram as armas da indignação e impaciência do lado de fora. “Queremos que nos ouçam, respeitem e trabalhem em conjunto. Não aceitamos mais programas e decisões despejadas sobre nós”, complementou.
Num primeiro momento os professores indígenas fizeram um desabafo sobre a forma como estavam sendo tratados alguns de seus referencias mais importantes construídos nestes últimos anos como o curso de Magistério Indígena Ará Verá. “Essa é a nossa raiz. Ali aprendemos a dialogar sobre nossos direitos e deveres”. Seguiram relatando uma série de fatos que, ao ver dos professores do curso e professores indígenas, os deixavam na total incerteza sobre a real política e intenção do atual governo com relação ao curso. A impressão que ficava era de um descaso e desmonte. Mencionaram uma série de fatos relacionados a falta de estrutura e espaço para desempenharem de forma eficaz e digna os trabalhos com os professores e acompanhamento nas aldeias. Às vezes os diálogos foram ríspidos e indignados. Porém houve um esforço grande para que de fato houvesse os esclarecimentos necessários para dissipar dúvidas e propiciar um avanço com encaminhamentos concretos diante dos desafios colocados.
Quanto aos recursos, como para o bom funcionamento do curso Ará Verá, deverão ser previstos e garantidos orçamentariamente para não se ficar numa situação de constante incerteza. Questões como a dos “professores convocados” terão que ser resolvidos através de concurso específico para essa finalidade. Os professores do Curso Indígena, Povos do Pantanal, apesar de também enfrentarem diversos problemas, procuram não sobrecarregar a pauta já posta.
A burocracia e a (in)diferença
A secretária de Educação, apesar de não poder ficar a maior parte do tempo, pois ora estava sendo chamada pelo governador, ora estava com compromisso inadiável com a Secretaria de Finanças, além de outra reunião na qual estava sendo chamada, mesmo assim se esforçou por esclarecer as dúvidas, expressar as intenções do governo do estado com relação à educação escolar indígena e sugerir alguns encaminhamentos.
O que uma vez mais ficou evidenciado foi a dificuldade, na prática, das estruturas de poder dialogarem e se adaptarem às diferentes realidade e culturas com as quais lidam. Aliás, a burocracia não faz a diferença, por mais eficiente que procure ser. Ela é prisioneira de si mesma e tem que se reger dentro dos estritos limites impostos. Ela é o ditame do poder. Em outras palavras, ela só vai mudando com a pressão articulada pelos diferentes.
Mas como o ensino diferenciado e de qualidade não é apenas garantido em lei, mas vai se tornando uma realidade com a luta diária de milhares de professores indígenas e seus aliados pelo Brasil afora, um novo horizonte começa a despontar. A pluralidade em que se constitui o país, necessariamente exige dinâmicas, metodologias, currículos e tratamentos diferenciados. Com certeza não será nada fácil. Porém o caminho está sendo trilhado, construído.
Uma das questões bastante presentes foi a falta de respostas efetivas do Estado do Mato Grosso do Sul quanto à demanda da educação de nível médio nas aldeias. Foi solicitado mais empenho e agilidade na implantação de escolas profissionalizantes como a de agroecolocia, na Terra Indígena Tey Kue-Caarapó.
Diante da afirmação categórica de que o governo do estado não terá como solucionar a questão de uma condução (Kombi) para o transporte de professores para o acompanhamento nas aldeias, o deputado Pedro Kemp, se comprometeu a viabilizar a mesma através de sua verba parlamentar.
Novos caminhos – em direção ao Centro de Formação Indígena
É preciso ir para além das velhas estruturas. Não se pode continuar pensando acanhado, pequeno. É preciso ir além, inovar, ousar. E foi nessa direção que foi trazida à tona uma aspiração forte do movimento dos Professores Indígenas Kaiowá Guarani – ter o seu Centro de Formação Indígena. Um espaço indígena onde se alimenta e fortalece a identidade, a consciência crítica, e traça estratégias para o projeto de futuro do povo Kaiowá Guarani. Esse sonho tem que se tornar realidade. É pra isso que irão lutar. Chega de remendos, de espaços provisórios, de mendigar melhorias.
Foram levantadas algumas sugestões para a concretização desse ideal. Com a promessa de construção de uma escola na aldeia de Panambizinho, ficaria liberada uma boa estrutura de escola, que poderia ser a base desse Centro de Formação.
O que este fato recoloca é a urgente definição de uma Política de Educação Indígena, em nível nacional, articulada e organizada a partir das aldeias e territórios indígenas, com suas autonomias, e com uma relação estreita e direta com organização integrada numa instância federal. Esta é a discussão que está em curso. Esperamos que em breve se realize uma Conferência Nacional de Educação Indígena, onde se poderá avançar nessa direção, com a atuação eficaz da Comissão Nacional de Política Indigenista.
Professores da Universidade da Grande Dourados reforçaram a necessidade de um estreitamento das relações e da contribuição da Universidade com o movimento dos professores indígenas Kaiowá Guarani.
O diálogo desta tarde de primavera, nos meandros do Parque dos Poderes, anuncia flores, mesmo em meio à aridez e ataque de inimigos. É tempo de plantar, é tempo de fazer avançar o horizonte.
(Por Egon Heck, Cimi MS, 13/06/2008)