O búfalo d'água fica parado, como se fosse uma estátua, no meio da estrada, olhando para o veículo utilitário esportivo que se aproxima dele com uma velocidade alarmante. O motorista do veículo buzina e acelera o motor, mas o animal não cede um centímetro sequer. Ele está acostumado com máquinas gigantes -muito maiores do que esta que vem em sua direção.
Longos comboios de caminhões enormes e pesados são um espetáculo comum. Eles passam pelas comunidades rurais próximas à cidade indiana de Dhule. Os veículos de carroceria aberta transportam tubulações de aço, geradores pesados e lâminas de 40 metros de comprimento. Esse tipo de material contrasta bastante com a paisagem rural, na qual a Índia do futuro ganha forma, não muito longe das manadas de bois dos camponeses locais. Em Dhule encontra-se o maior complexo de energia eólica da Índia.
Centenas de torres brancas já se destacam na paisagem árida do Platô Maharashtra. A usina eólica produz atualmente 640 megawatts de eletricidade, e quando estiver concluída gerará 1.100 megawatts -o equivalente à energia gerada por uma usina nuclear. Essa é a concretização do sonho de Tulsi Tanti, um sonho que tornou-se realidade no curto período de 13 anos.
O sonho de Tanti é grande. A Suzlon Energy, a companhia que ele fundou em 1995, já é a quinta maior fabricante de turbinas eólicas do mundo, e Tanti, cuja fortuna é de 1,9 bilhão de euros (US$ 3 bilhões), é um dos homens mais ricos da Índia.
Os seus concorrentes mais tradicionais na Europa há muito perceberam o tamanho da ameaça representada por este homem baixo, que traz sempre os cabelos cuidadosamente penteados e usa um bigode fino. Apesar do seu comportamento sério e da aparência modesta, Tanti é conhecido pelas suas táticas agressivas e inteligentes quando se trata de adquirir outras empresas.
Uma solução interessante
O nome dele já é mencionado em pé de igualdade com o do magnata do aço Lakshmi Mittal e o de Ratan Tata, presidente do Tata Group, que adquiriu a fabricante de automóveis britânica Jaguar em 2008. E Tanti ainda está longe de atingir a sua meta, ainda que a sua jornada rumo à proeminência empresarial tenha começado com muita intensidade.
No início ele administrava a empresa de tecidos da família em Surat, uma cidade no oeste da Índia. Os negócios andavam devagar, principalmente porque a eletricidade era extremamente cara para as empresas, e a rede de distribuição era conhecida pelas interrupções do fornecimento de energia. Esse fato irritava muito Tanti. Em 1994, ele encomendou duas turbinas eólicas da fabricante dinamarquesa Vestas, e praticamente desconectou a sua empresa da rede de energia elétrica.
Outros empresários passaram a demonstrar interesse pela solução, o que fez com que Tanti se perguntasse se não estaria na atividade errada. Será que a energia eólica não seria o negócio real do futuro? Ele discutiu as suas idéias com os seus três irmãos. Juntos, eles amealharam o equivalente a 387 mil euros (US$ 600 mil) em capital inicial, fundaram a Suzlon Energy e mudaram-se para Pune, uma cidade próxima a Bombaim, no sudoeste da Índia.
Só havia um problema. Nenhum dos quatro irmãos, todos engenheiros, entendia nada sobre energia eólica. Mas, como consumidores, eles estavam bastante familiarizados com a precariedade do setor. As turbinas eram fornecidas pelo fabricante, instaladas por uma outra companhia e recebiam manutenção de uma terceira. Quando uma turbina ficava finalmente pronta e começava a funcionar, a paciência do cliente muitas vezes já havia se esgotado.
Tanti, percebendo o quanto era necessária uma mudança, teve a idéia de oferecer um pacote completo de serviços de energia eólica. A Suzlon simplesmente se encarregaria de tudo. Os clientes não teriam sequer que instalar turbinas eólicas nos seus próprios terrenos -em vez disso, eles só precisariam comprar uma turbina em uma usina eólica distante para tornarem-se proprietários da energia produzida pela turbina.
Sem brigas
O aspecto inovador da idéia de Tanti teve mais a ver com o serviço fornecido do que com qualquer grande feito de engenharia. Mas o conceito revolucionaria todo o setor de energia eólica. Os irmãos planejaram comprar a sofisticada tecnologia no exterior, para depois produzir as turbinas na Índia, onde os baixos custos de produção dariam a eles uma vantagem competitiva imbatível. Mas só havia um problema: os principais fabricantes europeus não estariam dispostos a ceder as suas conquistas no setor de engenharia sem brigar.
A contragosto, a Suzlon foi obrigada a firmar acordos de joint-venture sem obter acesso à tecnologia. Tanti começou as suas operações como distribuidor de turbinas eólicas fabricadas pela companhia alemã Südwind. Apesar da sua relutância inicial, o acordo acabaria se revelando um golpe de sorte para o negócio de Tanti.
Embora a Südwind, uma pequena companhia fundada por alunos da Universidade Técnica de Berlim, construisse turbinas excepcionais, os seus proprietários-engenheiros pouco entendiam de negócios. A Südwind faliu no final da década passada, e Tanti aproveitou a oportunidade, adquirindo partes da divisão de pesquisa e desenvolvimento da companhia na Alemanha. Mas em vez de transferir a tecnologia para a Índia, Tanti contratou os ex-funcionários da Südwind e montou um laboratório de pesquisa e desenvolvimento na cidade de Rostock, no norte da Alemanha.
Os projetos existentes foram aperfeiçoados no laboratório, que também serviu como centro de treinamento para jovens técnicos indianos, que mais tarde retornariam à Índia para construir turbinas com os seus conhecimentos recém-adquiridos. De forma similar, Tanti adquiriu uma fábrica holandesa de lâminas de turbinas. Em 1999, quando o Estado indiano de Maharashtra, onde fica a sua empresa, aprovou uma lei que permitiu às companhias deduzir do imposto de renda os custos de instalação de turbinas eólicas, Tanti viu as suas oportunidades crescerem. Em 2002 as vendas da Suzlon quadruplicaram, chegando a cerca de 85 milhões de euros (US$ 131 milhões).
Uma das maiores companhias de energia eólica do mundo
Quatro anos atrás, os investidores o pressionaram para que vendesse a companhia. Tanti implorou para não vendê-la, tendo dito a eles: "Em alguns anos a Suzlon estará comprando as principais companhias européias". O tempo mostrou que ele tinha razão.
Uma viagem a Pondicherry revela que naquela época os indianos já estavam alcançando os europeus. A fábrica que a Suzlon montou nesta ex-colônia francesa na costa oriental da Índia, em 2004, é capaz de fazer frente com facilidade aos concorrentes ocidentais. Os enormes prédios de produção da fábrica são bem iluminados e quase que clinicamente limpos. Muitos dos homens que montam as turbinas e lixam os rotores aprenderam o seu trabalho nos laboratórios alemães de Tanti.
Na fábrica de Pondicherry há mais de 1.200 trabalhadores, muitos deles treinados na Alemanha -mas que recebem salários indianos. São estas condições locais de produção que permitem que a Suzlon se gabe de uma margem de lucro de 14%. O padrão para a indústria é 8%. Em 2005, Tanti converteu as suas vantagens sobre os concorrentes em dinheiro ao orquestrar uma brilhante oferta pública inicial. A Suzlon arrecadou 219 milhões de euros (US$ 340 milhões) e, da noite para o dia, alçou o seu fundador e a família deste ao reino dos ultra-milionários do subcontinente. Tanti é dono de 16% da Suzlon, e a família de 66%.
O modesto Tanti ainda não sucumbiu à megalomania. A sede da companhia em Pune ocupa um discreto quinto andar de um prédio de escritórios. O diretor-presidente de 50 anos de idade mora com a mulher em um apartamento alugado ao lado dos seus irmãos. Os seus dois filhos estão na universidade. O grande clã reúne-se para as refeições sempre que possível.
Tanti passa 300 dias por ano viajando, e mesmo assim ele ainda não comprou um jato particular. Em vez de adquirir os brinquedos caros típicos dos novos ricos, Tanti está bem mais interessado em dar seguimento ao seu plano: ele está determinado a fazer da Suzlon uma das três maiores companhias de energia eólica do mundo.
As aquisições de outras empresas ajudaram a companhia a subir para o quinto lugar da lista, ajudada por aquela que talvez tenha sido a sua maior manobra empresarial: em 2007, Tanti subitamente fez uma oferta para a aquisição da Repower, uma grande produtora alemã de turbinas eólicas, e acabou vencendo a proposta da Areva, a gigante francesa do setor de energia nuclear.
(Por Michaela Schiessi, Der Spiegel, UOL, 13/06/2008)