Os índios reunidos em Altamira declararam que não querem saber da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. Disseram-se dispostos a morrer para impedir a obra. Mas não há unanimidade entre eles, como não há entre os brancos. A questão é mais complexa do que eles parecem convencidos. E mais dramática. A intenção de extrair energia do rio Xingu, no Pará, tem 28 anos. Foi em 1980 que começaram os inventários sobre o potencial hidrelétrico da bacia, que drena as águas de 7% do território brasileiro. Em 1989 o projeto para o primeiro aproveitamento energético foi brecado pelos índios.
Só dois anos depois a Eletronorte se recuperou do abalo que a índia Tuíra causou quando esfregou seu facão no rosto do diretor da empresa, José Antônio Muniz Lopes, para demonstrar a rejeição dos primitivos habitantes da região ao empreendimento. A nova investida dos índios contra o principal responsável pelos estudos para a construção da usina de Belo Monte, o engenheiro Paulo Fernando Vieira Souto Rezende, há 37 anos funcionário da Eletrobrás, interromperá a continuidade do projeto - e por mais quanto tempo? Será o seu golpe de morte, definitivo? Ou, pelo contrário, dará ao governo armas para executar para valer o empreendimento?
Muniz Lopes sofreu apenas um grande susto quando Tuíra partiu para cima dele, pintada para guerra, gritando e manejando sua arma intimidadora. Rezende, porém, ficou com um golpe profundo no braço e com escoriações generalizadas, resultado de murros e chutes dados por vários índios, e não mais apenas por Tuíra, hoje com liderança excepcional para uma mulher por conta da sua decisiva participação nos dois episódios, com intervalo de 19 anos.
O incremento de agressividade entre os dois momentos serviria de indicação de que agora a paciência dos índios do Xingu se esgotou e eles simplesmente não querem mais usina alguma no rio. Sua disposição é morrer, se preciso for, até o último deles, mas não permitir a execução da obra, conforme anunciaram no comunicado final do encontro, realizado entre 19 e 23 de maio, em Altamira. As cenas chocantes criadas por guerreiros furiosos investindo com facões, bordunas, lanças e flechas sobre o corpo do engenheiro carioca, atirado ao chão, rodou pelo mundo, provocando espanto, perplexidade, indignação e revolta. Mas também preocupação e medo.
Depois dessas cenas, ainda mais aberrantes para moradores de países que já não convivem com os primitivos ocupantes de seus territórios, completamente absorvidos ou eliminados, qual seria o primeiro passo para sair da inércia do susto? De imediato, e ao menos de forma explícita, o estado de beligerância foi interrompido pelas duas partes. Os índios, na avaliação interna que fizeram, no dia seguinte ao incidente, ainda em Altamira, admitiram que se excederam e cometeram um erro grave. Pareciam conscientes que, a partir de agora, terão que recuperar o apoio da opinião pública, que condenou seu ato, para poderem sustentar o veto à hidrelétrica, projetada para substituir Tucuruí, no rio Tocantins, como a quarta maior do mundo (ao menos em potência nominal de geração de energia).
Mas também a reação do engenheiro foi de surpreendente compreensão e tolerância em relação à própria agressão sofrida. Surpresa tanto maior quanto se conhecem as características da personalidade de Paulo Rezende no curso dos três anos como chefe dos grupos que estudam a viabilidade sócio-ambiental de Belo Monte. Ele teria refreado seus impulsos, perfeitamente naturais, para aproveitar os efeitos desgastantes sofridos pelos índios, transferindo para a Eletrobrás a liderança do longo e acidentado processo pelo qual a hidrelétrica tem passado, por conta da sistemática resistência dos seus críticos e opositores?
Outro fato pós-agressão parece indicar nesse sentido: a manifestação do cacique kayapó Jair Bepe Kamró, da aldeia Topkrô, e da índia chipaia Maria Augusta, desaprovando a agressão dos guerreiros kayapó e a favor da usina. Esse primeiro apoio declarado começa a causar fissuras num movimento até então aparentemente monolítico. Em menor escala, essa reversão de situação já aconteceu em outros casos de conflitos semelhantes na Amazônia. A mineradora Paranapanema conseguiu mudar a atitude dos índios waimiri-atroari quanto à exploração da jazida de cassiterita do Pitinga, no Amazonas: de radicalmente contra, a postura se tornou tão favorável que os índios afastaram da área antigos aliados, que não os acompanharam nessa mutação. Também a Companhia Vale do Rio Doce atraiu para si os índios xikrin do Cateté, vizinhos das minas de Carajás e primos dos kayapós.
Como essa conversão foi obtida através de aplicações significativas em obras e em dinheiro vivo, além de muitas relações públicas, é bem provável que os mesmos métodos sejam repetidos em favor de Belo Monte. A Eletronorte tem bastante experiência na matéria e já vem atuando dessa maneira junto a algumas tribos na área de influência da usina de Tucuruí, como os parakanãs, e em abordagem cautelosa no Xingu. Com a retração dos kayapós depois da agressão ao engenheiro, o campo está mais favorável a esse tipo de empreitada. E as lideranças do movimento - índias e não-índias - sabem não só dessa possibilidade, como dos seus efeitos quase inevitáveis, considerada a receptividade a tal iniciativa por parte de vários grupos indígenas.
Assim, não é de se esperar incursões justiceiras ou intimidatórias, como de uma carga de cavalaria à moda do oeste americano, que no Brasil assume a forma de manobras como a desencadeada pela Operação Arco de Fogo, e sim trabalho de proselitismo e convencimento, à base de benefícios concretos e de dinheiro vivo nas mãos dos líderes tribais. Para a eficácia dessa investida contribuirá o prosseguimento das medidas policiais voltadas para a apuração da agressão em si e dos seus antecedentes.
Ainda que a Polícia Federal de Altamira identifique individualmente os agressores e os enquadre penalmente, de tal maneira a autorizar seu indiciamento, denúncia e eventual pronúncia, o processo seguirá um rito longo e complexo até poder produzir algum resultado concreto, se é que chegará a tanto. As implicações antropológicas do ato são um fator suficiente para que o caso acabe prescrito ou feneça pelo meio do caminho. Mas a identificação, caracterização e punição da co-autoria, através dos supostos autores intelectuais do delito, pode ser uma ramificação mais expedida.
O delegado Jorge Eduardo Ferreira, da PF de Altamira, que preside o inquérito, quis chegar logo aos "finalmentes" reconstituindo de pronto a trama. Organizações Não Governamentais, sobretudo estrangeiras, e religiosos da prelazia do Xingu e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) planejaram o ataque, doutrinando os kayapós para que eles repetissem, com um tom de agressividade a mais, o rito de 19 anos antes. Tudo teria sido providenciado para o revival, agora adicionando ao personagem principal, Tuíra, seus coadjuvantes, os guerreiros, municiados da ferramenta indispensável para conferir dramaticidade à cena: os facões.
Foi fácil ao delegado compor uma história completa a partir das imagens da câmara de televisão da loja na qual os facões foram comprados por um dos religiosos envolvidos na programação do encontro. Já estabelecer o nexo causal numa instrução processual na justiça será muito mais problemático - e talvez até inócuo. Se algumas pessoas ou grupos realmente articularam a repetição da dança do facão de Tuíra de 1989, não podiam ter imaginado o ambiente tenso que se formaria em torno da palestra do engenheiro da Eletrobrás. Mais do que apresentar o projeto, como fez Muniz Lopes 19 anos antes, ele comunicou a todos uma decisão: a Eletrobrás vai realizar Belo Monte de qualquer maneira, por estar convencida de que isso é o melhor para o Brasil e que a usina é indispensável para assegurar energia para os brasileiros, evitando o risco de apagões e racionamentos.
Rezende declarou que Belo Monte terá a menor relação área inundada/capacidade instalada de energia. Seu reservatório terá 440 quilômetros quadrados, mas metade dessa área já é afogada todos os anos pelo Xingu. Esses 220 km2 seriam a única intervenção do barramento porque a Eletrobrás decidiu que só construirá uma usina no Xingu, abandonando os sete aproveitamentos previstos em 1987, que provocariam a submersão de 18 mil km2, ou os 4 mil km2 da versão anterior do complexo de Belo Monte. Para um engenheiro, esses números soam como a música de Bach para outros ouvidos.
Os brancos responsáveis pelo grande projeto não têm dado a devida atenção aos índios que ocupam vários pontos da bacia, considerando-os meras figuras decorativas, sem poder decisório. Acham que podem impor-lhes fatos consumados, como fazem aos demais brancos, que supõem menos favorecidos em fosfato (daí certa arrogância dos técnicos) e sabem que pouco pesam (quando pesam) na balança do poder. A exposição do engenheiro, no segundo dia da programação do encontro, transcorria normalmente, mesmo com seu tom enfático, até o momento em que um grupo reduzido de estudantes, num setor das arquibancadas do ginásio (que exibia grandes claros), começou a vaiá-lo.
Como seria de esperar nessa circunstância, Paulo Rezende tentou ironizar a reação, contrapondo aos apupos algumas informações que julgava de efeito. Lembrou que no ano passado a muito criticada hidrelétrica de Tucuruí, que começara a citar exatamente quando começou a manifestação dos estudantes, rendera 44 milhões de reais aos municípios na sua área de influência. Belo Monte, se já tivesse operando, iria proporcionar ainda mais: R$ 65 milhões. "Vocês acham pouco? Eu acho bastante. Mas a sociedade é que tem que avaliar o quanto representa", disse ele, mostrando que a participação da Amazônia no sistema nacional de energia subirá de 8,9% para 9,3%.
Sua voz já não era ouvida. Uma das organizadoras, ao lado, pediu aos manifestantes para deixarem o engenheiro concluir sua palestra, que já estava na faixa de prorrogação de cinco minutos, "se não ela vai ficar ainda mais longa". Ao que Rezende aduziu: "Se eles continuarem, vou ficar aqui a tarde toda". Mas quando ao barulho dos estudantes seguiram-se cantos e gritos dos índios, ele se sentou na sua cadeira, na ponta da mesa colocada num dos lados da quadra de esportes. Armada do seu facão, Tuíra se dirigiu a ele, cantando e dançando, como da outra vez. Outros índios cercaram o engenheiro e começaram a agredi-lo.
O que prenunciava um massacre, contudo, acabou com bem menos danos do que os gestos sugeriam. Talvez porque providencialmente o engenheiro se manteve inerte e submisso (quem sabe, por pavor), ou porque, no fundo, os guerreiros soubessem do limite para aquele ataque. Se fosse um impulso completamente natural, é pouco provável que dele não resultassem ferimentos mais graves. É uma das características dos kayapó quando agridem: podem se tornar muito violentos se contrariados. Outro funcionário da Eletrobrás, que defendeu seu colega, viu o facão de um índio subir e descer várias vezes, roçando ameaçadoramente sua nuca. Mas não foi ferido.
Uma vez vencido o susto imediato, nem se preocupou mais em se defender, concentrando sua atenção em Rezende. Ficou claro que, esgotada a mise-en-scène, todos escapariam. Não se pode dizer, entretanto, que o arranjo não tenha sido mais obra dos próprios kayapós, adestrados nesse tipo de prática, do que o que algo eventualmente sugerido por terceiros. Esses índios sabem muito mais sobre o que querem e os meios de alcançar seus objetivos do que os brancos costumam estar dispostos a admitir, sejam parceiros deles ou seus contrários.
A maioria da opinião pública pode ter sido convencida pelo enredo apresentado quase de pronto pelo delegado e, a seguir, ecoado e enriquecido em uníssono pelos defensores da usina, dentro e fora do governo, incluindo a imprensa: corporações internacionais ou países poderosos estão por trás das ONGs que deram suporte ao novo encontro dos povos indígenas do Xingu, usando como base local a prelazia e suas ramificações.
Esses personagens não querem que o Brasil cresça e se torne um concorrente no mercado internacional. Gostariam que o país permanecesse atrasado ou deixasse que seus vastos recursos naturais continuassem a ser explorados por agentes externos. Os índios são um instrumento precioso dessa estratégia: qualquer coisa que façam tem repercussão em todo mundo, reforçando um ambiente contrário ao Brasil, uma das quatro potências emergentes do planeta.
Esse é um script que pode ser aplicado a qualquer lugar e a qualquer tema da Amazônia, independentemente da sua demonstração. É lançado sobre qualquer grupo que contrarie os exploradores de carne e osso que atuam na região, ou que questione as ações oficiais, tendentes a favorecer estes seus parceiros. Como há realmente empresas e países interessados em conquistar uma presença mais ativa na vasta fronteira amazônica, há sempre verossimilhança nesse discurso, mesmo que ele não resista a um teste mínimo de consistência.
Se existem competidores interessados em sabotar o Brasil, há também aqueles com projetos específicos para o nosso país. Um dos mais importantes é transferir para a Amazônia empreendimentos eletrointensivos com baixo valor agregado, como a mineração, a siderurgia e a metalurgia básicas. Essas atividades, que vêm sendo descartadas no primeiro mundo, demandam grandes quantidades de energia. As fontes amazônicas efetivas de energia estão exauridas, mas a pressão desse setor produtivo está em expansão. Logo, ele precisa de mais energia em grande quantidade. Não há alternativa em prazo comercialmente viável além da fonte hídrica para esses empreendimentos. Do contrário, se quiserem ter continuidade (e querem), eles terão que recorrer a hipóteses ainda mais imediatas, como o carvão, vegetal ou mineral, que é elástico, além do gás, limitado, ao menos por ora.
Pelo menos esses interesses, que são concretos e podem ser apontados sem maior elucubração, estão empenhados em que saiam do papel projetos como o de Belo Monte para o Xingu e os de Jirau e Santo Antônio para o Madeira. São interesses incorporados pelo establhishment, tanto no plano federal quanto estadual e municipal, no que se convencionou chamar de "os desenvolvimentistas", quase sempre a qualquer preço (embora haja os mais sofisticados).
Se muitos defendem as hidrelétricas por acreditar sinceramente nelas, há os que as combatem dotados da mesma sinceridade. Boa intenção, porém, não costuma ser o critério da verdade. Ela se firma pela demonstração e só pode fazê-la aquele que domina os elementos do raciocínio, que são os fatos. Mesmo que consigam barrar de vez Belo Monte e qualquer usina no Xingu, os índios garantirão a paisagem natural, o mundo selvagem que integram, ou pelo menos uma abordagem mais ponderada dos seus recursos?
Impedirão que o desmatamento prossiga, às vezes com a decisiva colaboração de alguns dos próprios grupos indígenas? Se a hidrelétrica pode vir a ser o arremate dos males, na situação atual nada assegura que até lá os fazendeiros, madeireiros, assentados, mineradores, garimpeiros e outros "pioneiros" não continuem a contribuir para que esse arremate venha a ter importância decrescente. O mal maior eles já estão causando - e a oposição que os índios lhes movem tem tido eficácia menor.
Em relação a essas frentes, a ofensiva hidrelétrica, por ser incomparavelmente mais concentrada como epicentro, tem uma vantagem notável: ela pode ser mediada por providências acautelatórias embutidas no licenciamento ambiental, inexistente ou meramente formal no caso das hordas de madeireiros, fazendeiros, assentados, garimpeiros e outros atores atomizados, porém corrosivos como cupins.
Pouco antes da cena de impacto em Altamira, o Tribunal Regional Federal autorizou a retomada dos estudos ambientais de Belo Monte, sustados um pouco antes. Para isso, os empreendedores aceitaram descartar a clausula de sigilo desses levantamentos, algo completamente absurdo. Mas não foi tocada outra cláusula igualmente inaceitável: os futuros realizadores da obra tratando da sua viabilidade sócio-ambiental, suspeição que devia ser acatada como questão de princípio. Por conta desse detalhe relevante é de se prever mais um capítulo de litígio nessa novela protagonizada pelo grupo Eletrobrás e o Ministério Público Federal.
A história poderia seguir um rumo mais racional e conseqüente. Proponho uma sugestão a exame. A Eletrobrás colocaria na rua um edital para a elaboração dos termos de referência para o EIA-Rima de Belo Monte, com prazo curto (30 dias, por exemplo). Uma comissão decidiria sobre a melhor proposta, comissão da qual participariam representantes das instituições federais de pesquisa da região e do setor elétrico. O anúncio da decisão seria feito em sessão pública, com direito a questionamentos à deliberação. Definidos os parâmetros dos estudos, uma nova concorrência seria imediatamente aberta para os interessados em produzir o EIA-Rima. A mesma comissão examinaria e deliberaria sobre as propostas, anunciando o resultado em nova sessão pública, aberta aos interessados, excluídos os que pretendessem participar da fase executiva de obras.
O estudo de impacto ambiental seria financiado por um fundo público a ser criado com esse objetivo. Os gastos seriam apropriados como encargos da obra, a serem ressarcidos pelo construtor, obrigado a adotar as normas do EIA-Rima, elaborado independentemente da engenharia, mas incorporadas a ela. O EIA-Rima seguiria o processo de audiências públicas até ser submetido aos conselhos do meio ambiente nacional e estadual, e aprovado. Qualquer cidadão poderia denunciar desvios do projeto e o Conama teria que abrir procedimento de apuração, em rito sumaríssimo, mas prestando contas ao distinto público.
Essa alternativa forneceria todas as informações necessárias para responder a várias questões, que ainda não foram atendidas pelos projetistas de Belo Monte. Desde uma definição convincente sobre a viabilidade técnica e econômica da usina, contestada por gente capaz, até mostrar se é possível manter a integridade do Xingu, conforme as aspirações dos índios, ou se esse é apenas um delirante sonho de verão. Ao invés de partir do pressuposto de que é preciso viabilizar a hidrelétrica, deve-se tomar como premissa uma pergunta ainda maior: por que Belo Monte? E para quem?
Para começar pelo verdadeiro ponto de partida, essa pergunta tem que considerar a atual crise de energia, mais uma vez demarcada pelos preços recordes do petróleo, a maior e ainda a mais barata das fontes massivas. A crise dos hidrocarbonetos está acelerando o estudo e a implementação de alternativas, desde as mais conhecidas (e temidas), como o carvão mineral, até as verdadeiramente revolucionárias, como a solar, a eólica e a fusão nuclear. Cada um desses caminhos tem seu cronograma e suas condições. É preciso considerar com acuidade cada um deles para decidir bem sobre aquela alternativa que, num exame meramente superficial, parece a mais evidente na Amazônia: os rios.
Podemos cometer o erro de travar o fluxo de água em rios fantásticos para criar uma energia que poderá vir de fontes com menor impacto ambiental e social - e, o que agravará ainda mais o erro, mais baratas - quando podíamos dar a essas paisagens selvagens um uso mais avançado e nobre (com a ciência e a tecnologia ajustados para esses fins), na forma de produtos de muito maior valor agregado do que aços ou metais.
O cenário mundial poderá mudar drasticamente se a fusão nuclear, que produzirá energia à base de água, sem o efeito radioativo da fissão nuclear, se mostrar viável. Mas quanto tempo será preciso esperar por essa revolução? E de que maneira nos inseriremos nela? Seremos autores ou apenas espectadores nesse novo capítulo da história da energia produzida pelo homem? Até lá, como resolveremos os problemas de hoje, alguns deles se tornando de ontem?
Respostas a essas e muitas outras perguntas só serão dadas se os especialistas examinarem o ambiente, com os propósitos do saber e do conhecimento, antes que outros personagens se apresentem, com outros papéis. O benefício de projetos de grande porte como o de Belo Monte é que eles permitem esse trabalho prévio, de inventário, de sondagem. Sem os vícios que o processo apresenta atualmente, o EIA-Rima da hidrelétrica pode ser a oportunidade de ouro, que falta nas outras frentes, como a dos madeireiros ou dos agricultores.
O protesto dos índios do Xingu pode servir para dar início a esse momento, mas não como resposta para as dúvidas, que subsistiram à cena de violência. A partir daí, a busca terá que ser coletiva. Neste cenário, ninguém é o único artista nem o dono da verdade, por mais que tenha um discurso pronto e acabado (ainda que lacunoso), como certos críticos das hidrelétricas, ou tenha uma roupagem cenográfica de impacto e um direito primal, como os índios. O Brasil é formado por todos, mas é muito maior do que cada um.
(Por Lúcio Flávio Pinto *, Adital, 11/06/2008)
* Jornalista