Especialistas ouvidos pelo Diário acreditam que não há risco de interferência na soberania do país sobre a região Cada vez que se cogita a remota possibilidade de uma intervenção internacional na floresta amazônica, os ânimos se exaltam no Brasil. A publicação de uma reportagem pelo The New York Times em maio, intitulada “De quem é a floresta amazônica, afinal?” repercutiu até mesmo com o presidente Lula.
Ele declarou em tom defensivo “A Amazônia tem dono” e reacendeu a polêmica sobre a posse de terras por estrangeiros na área florestal. Contudo, será essa uma hipótese considerada real entre organismos internacionais ou não passa de alarmismo?
Durante o evento Global Katoomba Meeting 2008, encerrado anteontem em Washington (EUA), o Diário ouviu representantes de várias organizações para saber o que se fala a respeito do assunto na comunidade estrangeira. “Há gente de olho na Amazônia, mas não para entrar com uma tropa militar e invadir a floresta. Não se pode criar uma paranóia em relação a isso”, avaliou o diretor de Comunidades e Mercados da ong Forest Trends, Roberto Borges. A Forest Trends organiza o encontro Global Katoomba.
A opinião de Borges também é compartilhada pelo ambientalista David Cleary, da ong The Nature Conservancy (TNC). “Quando ouço isso, me dá vontade de rir. Há uma ignorância geográfica muito grande sobre a Amazônia, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Uma ocupação internacional não tem a menor possibilidade de acontecer. Isso é apenas um fantoche nacionalista no Brasil, pois esse assunto sequer é discutido aqui”, garantiu.
Cleary apontou que após a desastrosa ocupação do Iraque, os norte-americanos não têm mais apetite para outras invasões em território alheio. “Dizer que pode haver uma intervenção é ridículo. Não acredito que haja empresas discutindo isso de maneira tecnicamente viável e muito menos oficialmente. O governo brasileiro adota a postura errada, pois esse tipo de informação não deve servir para criar alarde. O máximo que deveria ter sido feito na ocasião era enviar um documento para o jornal (NY Times) via embaixada”.
O estudioso americano Mark London, que já escreveu dois livros sobre a floresta tropical, afirma que a discussão sobre o assunto não passa de “bobagem”. “Os brasileiros não precisam ter medo dos estrangeiros roubarem a Amazônia. Ninguém pode sair de lá com a floresta nas costas. Esse assunto não tem cabimento”, apontou.
O governador Blairo Maggi frisou durante um encontro com representantes de vários setores da sociedade no Woodrow Wilson International Center for Scholars, que não é contra a posse de terras no bioma por estrangeiros. Isso porque a propriedade está protegida pela legislação brasileira e caso ela não seja cumprida, o governo pode intervir na área privada. Contudo, Maggi frisou que sua postura é diferente da adotada pelo governo federal.
O diretor da Forest Trends disse acreditar que o interesse no bioma florestal existe por parte das empresas multinacionais, que pensam em explorar a fauna e a flora em prol de descobertas rentáveis. “O Brasil depende da economia global, que é quem dita as regras. Agora a quem cabe o controle sobre a ocupação da floresta é ao governo brasileiro e, principalmente, os latifundiários e moradores da região, que, como a gente sabe, muitas vezes colocam o próprio interesse em primeiro lugar. É por esse caminho que se torna perigoso um domínio internacional na área. Nunca ninguém decidirá: ‘vamos invadir a Amazônia’”.
O diretor da ong Vitae Civii, Rubens Born, considerou que a tese infundada de intervenção internacional é utilizada por muitos para defender interesses escusos, como, por exemplo, para fortalecer a idéia de que é necessário ocupar a área para evitar a “invasão”. “A soberania sobre a área se dá a partir do momento em que você a utiliza em prol do povo brasileiro e hoje não, o uso das áreas é voltado à exportação”.
Born complementou que quando surgem discussões sobre a intervenção da floresta, elas não passam de loucuras pontuais, que servem apenas de especulação ou bode expiatório. “Internacionalizar a Amazônia é uma idéia tão absurda quanto fazer o mesmo com as reservas de petróleo do Texas, porque ambos são patrimônios naturais. Agora, vale o alerta de que o patrimônio da humanidade é para ser bem conservado pelo seu país, pois interessa para a sustentabilidade do planeta”.
(Por Keity Roma/Washington-EUA,
Diário de Cuiabá, 12/06/2008)