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agricultura familiar
2008-06-12
O engenheiro agrônomo Emanoel Dias e o técnico agrícola José Waldir de Sousa Costa, do Programa de Aplicação de Tecnologia Apropriada às Comunidades (PATAC) - falam sobre a importância da criação de bancos de sementes para assegurar autonomia aos agricultores familiares e para resgatar laços de ajuda mútua nas comunidades onde são implantados. O PATAC é parceiro da Articulação do Semi-árido (ASA) Paraíba e Brasil num projeto de banco de sementes.

Mobilizadores COEP - O que são bancos de sementes?

R. São espaços de organização e gestão comunitária, onde as famílias agricultoras estocam suas sementes, garantindo o livre acesso a todos integrantes da comunidade. Os bancos podem ser familiares ou comunitários. Ambos têm como principal objetivo garantir autonomia e segurança no plantio das sementes nos roçados.

Mobilizadores COEP - Como funciona um banco de sementes? Que tipos de sementes são utilizadas? Elas são cultivadas ou coletadas?

R. Cada comunidade ou região tem sua autonomia e formas próprias de gestão dos bancos de sementes. De forma geral, acontece a produção familiar e/ou comunitária de sementes nos roçados. Depois são estocadas de maneira coletiva para, futuramente, serem distribuídas nos próximos momentos de plantio. No ano seguinte, as famílias devolvem as sementes ao banco para armazenamento comunitário. Essa é uma prática que vem acontecendo há muito tempo, acompanhada de momentos de avaliação e planejamento nas comunidades.

Mobilizadores COEP - Como uma comunidade pode implantar um banco de sementes?

R. Na verdade, não existe um passo a passo para implantação de um banco de sementes. Contudo, diversas entidades da ASA-Paraíba vêm utilizando uma metodologia onde as famílias, geralmente, fazem visitas de intercâmbio para conhecer uma comunidade que possui um banco de sementes funcionando. Essa estratégia permite que visitantes e visitados troquem experiências e percebam suas potencialidades a partir dos recursos locais existentes. É importante que as famílias sintam a necessidade de criar um banco de sementes. Assim, essa experiência surgirá com base na sua própria realidade e, na primeira dificuldade, o banco não entra em colapso. Pelo contrário, os sócios encontraram saídas para superar essas dificuldades.

É importante ainda que as famílias possam fazer um diagnóstico ou mapeamento das principais sementes encontradas na comunidade e seu grau de importância para as famílias. Essa medida facilita uma leitura do patrimônio genético daquela comunidade, e ajuda a decidir quais sementes serão armazenadas, multiplicadas e resgatadas. Na Paraíba, existem centenas de experiências de bancos de sementes, espalhadas por diversas regiões. Muitas delas articulam municípios para animar essas dinâmicas regionais que, juntas, compõem a Rede Sementes da ASA-Paraíba.

Mobilizadores COEP - Quais os principais benefícios de um banco de sementes? Sua criação envolve questões como segurança alimentar, geração de renda e preservação ambiental?

R. Essas são questões importantes na estratégia de criação de bancos de sementes. Nos bancos, é estocada uma grande diversidade de sementes, que possuem características relevantes para o fortalecimento da agricultura familiar. A diversificação dos estoques permite maior autonomia na oferta de alimentos na mesa das famílias. Essa diversificação dialoga com os diversos subsistemas das propriedades (os roçados, ao redor das casas, a criação animal, o acesso aos mercados, etc). A garantia de ter sementes estocadas evita as compras de sementes a custos elevados na hora do plantio nos roçados.

A gente trabalha acompanhando diretamente 11 municípios numa região bem seca aqui na Paraíba. Mesmo estando numa mesma região, esses municípios têm características de solo, vegetação e pluviosidade que os diferenciam, e cada uma dessas particularidades exige um tipo de semente que se adapte melhor. Quando as sementes são trabalhadas por igual, considerando que todos os ambientes são iguais, ela vai se sair bem em uma determinada realidade e pode não produzir satisfatoriamente em outra. Então o banco não é só o lugar onde você deposita sementes, eles têm a responsabilidade de resgatar as variedades de espécies e cumprem diversas funções dentro dos agroecossistemas.

Existem plantas da vegetação nativa que são importantes tanto para a alimentação dos animais quanto para a produção de frutas nativas e outras funções; tem plantas da mata ciliar, já que houve muito desmatamento na região; e há aquelas mais aceitas pelo consumo e pela adaptação climática de solo.

Famílias que fazem parte dos bancos de sementes têm o hábito de guardar as sementes e relatam, com orgulho, resgates de espécies através de trocas e intercâmbios. Na dinâmica da Rede Sementes da ASA-Paraíba, já foram resgatadas mais de 200 variedades de sementes de feijão de arranque, feijão macassa, milho, fava, arroz, amendoim, guandu, gergelim, jerimum, girassol, mandioca, entre outras.

Mobilizadores COEP - O que são sementes crioulas ou caboclas? Qual a importância dessas sementes?

R. São sementes que possuem ótimas características genéticas, no que se refere à resistência e à adaptação natural, e às condições do seu lugar de origem. Essas sementes possuem diversas nomenclaturas: na Paraíba, as famílias as batizaram como sementes da paixão; em Alagoas, sementes da resistência; em outras regiões, elas podem ser chamadas de crioulas, nativas, caboclas ou adaptadas. O nome é o que menos importa. Para as famílias, o mais importante é o resultado, fruto de intenso processo de pesquisa, seleção e troca de informações e mensagens biológicas que os povos vêm fazendo para as futuras gerações, há milhares de anos, de forma gratuita.

Mobilizadores COEP - Como as sementes crioulas podem contribuir para o fortalecimento de comunidades agrícolas familiares?

R. A estocagem de sementes garante futuros empréstimos, trocas ou doações para as famílias que perderam alguma variedade ou até mesmo para aquelas que pretendem fazer parte de um banco comunitário. Os bancos de semente são guardiões de uma seleção de sementes adaptadas a cada realidade que vem sendo feita há cerca de 100, 150 anos na região e vai sendo repassada de pai para filho. Mas, algumas dessas variedades têm se perdido. Antigamente, as famílias tinham o hábito de guardar as sementes nas imagens ocas de santos da Igreja Católica, que eram feitas de gesso, barro ou madeira. Depois em garrafas e em vasilhames de metal. Esses estoques familiares às vezes são suficientes apenas para o plantio de um ano. Quando o agricultor planta e a safra se estraga, ele não garante a reprodução dessa semente e a variedade fica comprometida.

Ao fazer parte de um banco, os agricultores têm uma garantia maior, não só pela estocagem, mas também pela interação com outras localidades e outras famílias, o que pode facilitar o resgate das sementes que se perderam. Um outro fator que levou a uma degradação da semente local foi a compra de sementes sem origem conhecida em feiras livres e a distribuição de sementes por instituições governamentais. Mesmo não sendo sementes locais, elas são aceitas pelas famílias que têm seus estoques esgotados. E quando essas sementes “externas” são cruzadas com sementes locais cai sua capacidade de adaptação e acontece a degradação.

Outro fator que pode comprometer o fortalecimento da agricultura familiar é a passagem das sementes por uma instituição de pesquisa, pois o interesse da pesquisa é melhorar apenas o fruto. Vamos usar como exemplo o milho. A pesquisa quer que o tempo de produção do milho diminua e que ele tenha um fruto mais avantajado. No entanto, para a agricultura familiar nessa região é importante que o milho produza o fruto, ou seja, a espiga, mas também que haja o crescimento avantajado da própria planta, porque essa planta é utilizada na alimentação dos animais; e a criação de animais nessa região é uma das produções primordiais para a agricultura familiar. Geralmente, quando o milho vem da pesquisa, a planta não cresce tanto e fica raquítica.

É bom destacar ainda que nos bancos, além da troca e/ou doação de sementes, é possível resgatar laços de solidariedade e confiança mútua entre as famílias. Aqui na região é muito forte a preocupação que um tem com o outro. As pessoas sempre trabalharam em mutirão, em conjunto. Há uma série de ações que fortalecem esses laços, como o empréstimo de ferramentas e de bois para tração, e o repasse de frutos e leite. Antigamente, antes dos maquinários, as pessoas debulhavam o feijão e o milho produzidos no sistema de mutirão, usando as mãos ou varas. Hoje, com as máquinas, as pessoas continuam fazendo os mutirões para a debulha. A máquina vem e passa em um conjunto de propriedades e cada família acompanha a máquina fazendo o beneficiamento da produção dos demais.

Mobilizadores COEP - Qual a importância dos bancos de sementes para a população do semi-árido?

R. Os bancos de sementes são espaços de formação e troca de conhecimentos entre as famílias, fortalecem as práticas de organização comunitária, além de permitirem articulações entre as organizações de agricultores em redes, permitindo maior autonomia frente aos mecanismos de dominação política. Por exemplo, quando órgãos do Governo Federal distribuem sementes, o objetivo é fortalecer a produção, mas quando ela chega nas localidades os políticos locais se apropriam dessas sementes e passam a ser “padrinhos”. Às vezes é o pré-candidato a vereador, é o ex-prefeito, é o fulano de tal, então essas sementes acabam não tendo a conotação de fortalecimento dessa produção. Ela acaba sendo a semente do fulano ou da fulana, que trabalha na perspectiva de transformar essas sementes em voto. No momento em que essas famílias têm as sementes nos bancos, elas não vão ficar submissas, dependendo que fulano ou fulana lhes repasse as sementes.

De forma geral, a preservação da cultura de sementes adaptadas tem tudo a ver com o fortalecimento da agroecologia, que é uma negação categórica à transgenia. Os transgênicos negam totalmente a capacidade de biodiversidade, de fortalecimento de sementes crioulas.

Sobre o Mobilizadores COEP
O Mobilizadores COEP é um espaço onde atores sociais interagem, se capacitam e fortalecem ações para estimular o exercício da cidadania. São 11 grupos temáticos que oferecem informações atualizadas, textos de referência, entrevistas com especialistas, além de possibilitar o compartilhamento de idéias, experiências e conhecimentos através de fóruns, chats e oficinas online. O site Mobilizadores é mais uma das iniciativas do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP). Para saber mais sobre o Comitê visite o portal (www.coepbrasil.org.br)

(Marize Chicanel, Portal do Meio Ambiente, 11/06/2008)

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