Quais são os fatores ocultos deste silêncio em torno da fome? Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura: foram os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tomaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente.
Quando se desistiu da reforma agrária no Brasil... se desistiu do combate sistêmico à fome. Este é o preço do apoio das elites ao governo Lula: mexe não! mexe pouco! bolsa-família! fome zero! tudo e qualquer coisa; MAS nada que interfira nas estruturas e mecanismos de reprodução da riqueza concentrada, não distribuída e não circulante. Esta a verdadeira conspiração de silêncio em torno da fome! Fala-se de tudo... querendo justificar a fome como fenômeno natural ou culpa dos outros. Nas palavras de Jousé de Castro são muitos os artifícios e técnicas de mistificação e de ocultamento das verdadeiras causas:
Querer justificar a fome do mundo como um fenômeno natural e inevitável não passa de uma técnica de mistificação para ocultar as suas verdadeiras causas que foram, no passado, o tipo de exploração colonial imposto à maioria dos povos do mundo, e , no presente, o neocolonialismo econômico a que estão submetidos os países de economia primária, dependentes, subdesenvolvidos, que são também países de fome.
Culpar as políticas protecionistas? alta do petróleo? subsídios agrícolas dos países desenvolvidos? o dedo sujo do presidente Lula aponta para tudo que é lado tentando disfarçar a sujeira grossa e antiga que ele empurra pra debaixo do tapete da pátria... logo ele, operário padrão: bom de limpar aqui e dali numa faxina superficial, impotente de revirar o tapete das elites nacionais e suas distorções econômicas. A fome é, conforme tantas vezes tenho afirmado, a expressão biológica de males sociológicos. Está intimamente ligada com as distorções econômicas.
O gênio sensível de Josué de Castro já antecipava o que os movimentos sociais na luta pela terra vêm afirmando desde sempre: socializar a terra para socializar o pão! A relação entre a monocultura da cana-de-açúcar produtora de etanol (que o presidente Lula defende) e a fome não é esta óbvia e superficial. A cana-de-açúcar promove a fome desde sempre! porque é monocultura! porque não é agricultura... é negação da cultura em nome do agronegócio! porque reduz tudo a bagaço... nas palavras de Josué de Castro:
Depois verifiquei que, no cenário de fome do Nordeste, os mangues eram uma verdadeira terra da promissão, que atraía homens vindos de outras áreas de mais fome ainda - das áreas da seca e da monocultura da cana-de-açúcar, onde a indústria açucareira esmagava, com a mesma indiferença, a cana e o homem, reduzindo tudo a bagaço.
O abandono da agricultura produz a fome... só a agricultura como modo de vida, como expressão de cultura pode cultivar e resgatar mecanismos vitais de preservação das condições de vida do planeta, e de organização e de planejamento dos processos políticos de produção, reprodução, distribuição e consumo da vida humana... Fora da agricultura não há salvação! Nem idealismo nem romantismo... extrema compreensão da realidade.