Queimadas feitas pelos nativos há 4.700 anos impediram floresta de crescer novamente em área convertida em cerrado
Troca da vegetação ocorreu de forma bem brusca, em pouco mais de 500 anos; rio Amazonas também entupiu na época e fez lago secar
Alguma coisa ocorreu no Amapá há 4.700 anos que alterou bastante a vegetação nos arredores do lago Márcio, perto de Macapá. Para variar, conforme sugere um estudo da UFF (Universidade Federal Fluminense), essa mudança está relacionada com a chegada do seres humanos à região.
A pesquisa, feita a partir de fósseis de pólen e amostras de carvão coletadas na região, mostra que a floresta que existia naquela área começou a desaparecer de forma acelerada a partir de 5.300 anos atrás.
Após mais de 500 anos, uma formação savânica -a mesma que existe até os dias de hoje- surgiu em definitivo no local.
"Não é possível dizer que a ocupação humana tenha causado a mudança, mas com certeza, a grande quantidade de queimadas que ocorreram na área - identificadas pela alta presença de carvão nas amostras- impediu que a floresta, após alguns séculos, voltasse a ocupar aquele terreno", diz Mauro Toledo, autor do estudo.
Os resultados obtidos pelo cientista no Amapá, no lago Márcio e em outro lago próximo, estão descritos em artigo na última edição da revista "Anais da Academia Brasileira de Ciências", disponível no site da biblioteca eletrônica gratuita Scielo.
A conhecida cronologia da ocupação da Amazônia, segundo Toledo, coincide com os dados apresentados agora.
Procura-se
O que ainda não sabe, no entanto, é a real causa da mudança brusca na vegetação local. Se os antigos índios amazônicos não desencadearam o processo que deu origem às savanas amapaenses, mas apenas ajudaram na transformação da vegetação, ainda está faltando uma peça no quebra-cabeça.
"O processo ocorreu de forma muito brusca. Não existem muitos registros sobre isso na região", diz Toledo. Mas o pesquisador tende a apontar o homem com o maior suspeito.
"Os registros de microcarvão mostram concentrações até cinco vezes maiores do que o esperado", diz Toledo. Segundo ele, essa quantidade de carvão nos sedimentos analisados é marca registrada das queimadas de origem humana.
Ao mesmo tempo em que a floresta cedia lugar ao cerrado, os lagos secavam no local. Ainda não se sabe se a seca está relacionada com a mudança na vegetação local. Mas o mistério do sumiço dos lagos é um pouco mais fácil de explicar. E, pelo menos aqui, os seres humanos aparentemente são inocentes.
Os cientistas sabem que a seca aconteceu ao analisarem uma coluna de sedimentos do local. Num período de 500 anos, não há sedimentos característicos desse ambiente -eles só reaparecem depois.
Na época em que ocorreu a seca nos lagos, o mar estava bastante alto no litoral do país. E ainda, segundo Toledo, não existe nenhum registro de mudanças climáticas significativas na região. Ou seja, a floresta amazônica, como sempre, estava úmida, com a sua tradicional alta incidência de chuvas, como ainda é registrado nos dias atuais pelos cientistas.
O aparente conjunto de dados desconexos, é rapidamente organizado por Toledo. "Como o mar estava muito alto, em seu pico, o processo de sedimentação dos rios da região deve ter sido alterado". De alguma forma, explica o cientista, o fluxo de água que alimentava os lagos, a partir do rio Amazonas (que é bastante próximo) ficou interrompido pelo monte de sedimentos novos.
"Isso, teria secado o lago por 500 anos. É como se o rio tivesse entupido". Depois desse período, com a chegada dos índios - provavelmente facilitada pelas novas savanas- nada mais seria como antes.
O estudo da UFF detectou, no passado, um efeito que os cientistas temem para o futuro da Amazônia. Modelos de clima e vegetação feitos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sugerem que o desmatamento, somado à mudança climática, possa transformar até 60% da floresta em cerrado. Caso essa conversão ocorra, o chamado "equilíbrio" da vegetação muda, e a floresta não mais consegue retornar.
(Por Eduardo Geraque, Folha de São Paulo, 12/06/2008)