A Assembléia Legislativa do Espírito Santo publicou nesta segunda-feira (09/06) o requerimento para criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Agrotóxicos. Mas o texto do requerimento não é suficientemente incisivo quanto à necessidade de se investigar a fundo o problema e pedir o indiciamento dos responsáveis por mortes, doenças graves e sérios danos ambientais, como é do amplo conhecimento da sociedade. Fato que agora vem de ser confirmado por um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontando o Espírito Santo como o estado que mais usa herbicidas no País.
Ao especificar o objetivo da comissão, o texto fala em apurar "possíveis irregularidades com danos à vida humana e ao meio ambiente em face de uso de agrotóxicos comercializados por empresas privadas instaladas no Estado do Espírito Santo". Em outro trecho, a autora do requerimento, deputada Janete de Sá (PMN/foto), diz que "o atual governo do Estado possui um trabalho sério e efetivo de controle do uso do solo rural no Estado".
A imprecisão do texto e o juízo de valor da parlamentar sobre a atuação do governo estadual na questão deixara preocupados ambientalistas e defensores dos direitos humanos em geral. O requerimento foi publicado no expediente da Assembléia Legislativa e terá que ser lido e aprovado pelo plenário.
Se criada, a CPI dos Agrotóxicos terá cinco membros e prazo de 90 dias para investigar os fatos. A criação da CPI foi requerida na sexta-feira passada (06/06) e é conseqüência da confirmação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que o Espírito Santo é um mar de venenos agrícolas. As informações foram divulgadas na semana passada no documento "Indicadores de Desenvolvimento Sustentável - Brasil 2008".
O IBGE informa que o Espírito Santo é o estado que mais usa herbicidas no País. Se são considerados todos os agrotóxicos - fungicidas, herbicidas, bactericidas, inseticidas, acaricidas, entre outros -, o Espírito Santo é o vice-campeão brasileiro no uso dos venenos agrícolas.
Os herbicidas são empregados para combater o que as empresas chamam de ervas daninhas nas lavouras. Em 2005, em cada hectare (área com 10 mil metros quadrados, equivalente a um campo de futebol) do Espírito Santo as empresas e os fazendeiros usaram 3,7 kg de herbicida. A quantidade tornou o Espírito Santo líder brasileiro no uso de herbicidas.
No conjunto do uso dos agrotóxicos, o Espírito Santo, com o uso de 4,7 quilos por hectare, fica atrás apenas de São Paulo, que consome 7,7 quilos por hectare, média de 2005. Neste ano, a média nacional foi de 3,2 quilos de agrotóxicos por hectare.
Na justificativa para propor a criação da CPI, a deputada Janete de Sá diz que a investigação "é de suma importância para o esclarecimento da questão e servirá de ponto de apoio para que o governo do Estado, bem como a opinião pública nacional, tomem conhecimento da origem, utilização e real destino dos agrotóxicos comercializados em território capixaba".
E, entre outros pontos, observa que "se as investigações demonstrarem que os produtos de fato ficam no território do Estado, evidentemente que os responsáveis pelo excesso de venda e consumo irregular serão indicados, para que as autoridades ambientais e judiciais tomem as providências legais necessárias".
A deputada Janete de Sá lembra que "o uso indiscriminado de agrotóxicos contamina o solo, os rios, o lençol freático e adoece a população. Esse tema não pode ficar sem resposta e eventuais responsáveis devem ser penalizados".
E que por estas razões propõe "a criação dessa Comissão Parlamentar de Inquérito, para o esclarecimento das questões que envolvem esse tema, para apuração de possíveis índices alarmantes de doenças causadas por dependência química derivadas do uso desses venenos, bem como com possíveis ocorrências de suicídios".
Em um dos trechos do requerimento, a deputada Janete de Sá diz que "o atual governo do Estado possui um trabalho sério e efetivo de controle do uso do solo rural no Estado".
Não é o que pensa o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). O movimento aponta que a responsabilidade sobre tanto uso de agrotóxicos no Espírito Santo é do governo Paulo Hartung. Explica que o governo colocou o Idaf e o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), outro órgão da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag), a serviço do agronegócio, que não consegue produzir sem aplicar venenos.
Venenos castram brasileiros e criam monstros
Os venenos usados na produção de alimentos intoxicam 500 mil brasileiros por ano, e 10 mil trabalhadores morrem anualmente no Brasil contaminados pelos agrotóxicos. Dos intoxicados por venenos agrícolas, cerca de 10% ficam definitivamente incapacitados para o trabalho, o que totaliza uma perda de 50 mil trabalhadores/ano no País.
Os agrotóxicos castram os brasileiros (provocam impotência sexual e frigidez); provocam doenças genéticas; causam doenças que podem levar ao suicídio e que deprimem o sistema imunológico, facilitando o desenvolvimento de um sem número de doenças; vários tipos de câncer, entre muitas outras.
As transnacionais do agrotóxico faturam muito e em escala crescente: uma receita de US$ 5 bilhões em 2007, contra US$ 3,9 bilhões em 2006, e US$ 4,6 bilhões em 2004.
O mercado brasileiro está aquecido, pois há tecnologias recentes no campo. Os agrotóxicos não eram usados nas plantações do milho. Agora, são. Há, também, o crescimento da área plantada com soja, cana, café e citros.
Com a demanda mundial por grãos aquecida, o consumo dos venenos agrícolas no Brasil também aumentará. Para 2008, a estimativa é que as vendas cresçam aproximadamente 10%.
Em 2005, o Brasil consumiu 365,5 mil toneladas de venenos agrícolas. O País é o quarto lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos. O astronômico lucro das empresas é que justifica a defesa do uso destes produtos químicos que contaminam e permanecem no ambiente poluindo o solo, o ar e a água, e a minimização dos riscos a que estão expostos os consumidores e agricultores.
As análises, como as do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), não consideram que os venenos se potencializam mutuamente. A lei de agrotóxicos não preconiza a mistura dos venenos agrícolas para aplicação.
Mas a mistura é comum, como nas capinas químicas realizadas pela Aracruz Celulose nos eucaliptais. Além dos venenos empregados nos eucaliptais, os agrotóxicos são intensamente usados na cultura da cana-de-açúcar, nas pastagens e produção em grande escala de frutas como o mamão e o maracujá.
(Por Ubervalter Coimbra, Século Diário, 10/06/2008)