Na segunda semana de maio, a ecóloga Tânia Sanaiotti, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), recebeu um telefonema do sul da Bahia. Ela deveria viajar imediatamente para avaliar uma harpia encontrada em uma fazenda em Itagimirim, sul do estado, por dois vaqueiros. A ave era mantida na Estação da Veracel, uma reserva particular da empresa de celulose. Além de Tânia, foram chamados também especialistas em falcoaria de Belo Horizonte e o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), José Eduardo Mantovani, especialista em telemetria.
A harpia encontra é uma sub adulta, de cerca de 4 anos, segundo Tânia Sanaiotti. Ela estava fraca, com apenas 5,5 quilogramas, 1 quilo abaixo do ideal para uma harpia adulta, que pode variar entre 6 e 9 quilos. Os vaqueiros a encontraram caída, perto de uma cerca. "Pode ter se assustado e caído ou ficado fraca enquanto buscava comida nos mosaicos de floresta pobres", acredita a pesquisadora. Graças a eles, ela sobreviveu. Os dois não conheciam o bicho, e justamente por nunca terem visto uma águia como aquela, laçaram o animal com cuidado e levaram para a sede da fazenda. O gerente e o dono da fazenda acionaram o Ibama.
Apesar de fraca, a harpia tinha todas as condições de voltar à natureza tão logo recobrasse as forças. "É um animal agressivo, as pontas das garras mostravam que não era um animal que estava sendo criado em viveiro", conta a pesquisadora. Em pouco tempo, já estava pronta para o retorno à liberdade. A harpia foi solta no dia 15 de maio, no Parque Nacional do Pau-Brasil, em Porto Seguro, com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Antes de voltar à liberdade, recebeu cinco marcas para identificação e monitoramento. A mais importante é um transmissor, que envia sinais para os satélites SCD e CBERS, operados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com isto é possível saber diariamente onde está a ave. É a segunda harpia do país a ser monitorada por este sistema. Em Parintins (AM), onde são monitorados 12 ninhos, um filhote já havia recebido um chip semelhante e é acompanhado pelo projeto Gavião-Real.
Recebeu também outro transmissor para acompanhamento por telemetria e um chip de identificação, além de uma anilha do Ibama e outra do projeto, de alumínio, bem brilhante e que pode ser vista de longe. Um bolsista ficou na Bahia para acompanhar a ave. "A maior expectativa era ver se ela estava se alimentando, mas ainda não observamos isto. Mas sabemos que ela está bem porque ela faz vôos regularmente e é vista em posições de caça", comemora a pesquisadora do Amazonas.
Este gavião-real é o terceiro a ser estudado na região pelo Projeto Harpia na Mata Atlântica, financiado pela empresa de papel e celulose. Os estudos são uma extensão do projeto Gavião-Real, que pesquisa e tenta preservar a espécie em todo o país. O animal foi achado a cerca de 60 quilômetros de onde outra águia da mesma espécie é acompanhada há três anos em liberdade. Além disto, na mesma reserva para onde o gavião-real foi levado, existe outra em cativeiro sendo preparada há seis meses para a soltura. Com a nova ave, o plano de monitorar por satélite uma harpia nos mosaicos de Mata Atlântica no Sul da Bahia foi antecipado em seis meses.
Outras duas
O trabalho no Sul da Bahia começou há cinco anos quando um gavião-real chegou de um criadouro desativado. Era uma fêmea de nove anos, raro exemplar natural da Bahia. A previsão é que esta águia seja solta daqui a seis meses, quando então deverá ter recuperado a capacidade de caçar. Hoje, ela vive em uma enorme gaiola, com 8 metros de largura, 8 de altura e 31 de comprimento, que foi isolada com lonas, para que a ave se desacostume com o ser humano. Ela está quase pronta para voltar a viver livre e independente. "Em cinco meses, o bico que estava com nível desigual (característica de águias que se alimenta de presas mortas sem osso) está em crescimento perfeito", conta Tânia Sanaiotti.A ave, que se alimenta duas vezes por semana, recebe uma presa viva todas as semanas. Ela já apanha o alimento a 2,5 metros do solo, um avanço em relação às condições do cativeiro, onde normalmente é alimentada no chão. O ideal é que ela cace em vôos horizontais, já que normalmente a harpia se alimenta de animais no dossel das árvores. E esta harpia passou nas avaliações feitas até agora, como a resposta a sons de outras da mesma espécie. "Percebeu bem de onde vinha", explica a pesquisadora.
Há três anos, esta harpia no cativeiro acabou atraindo outra, de vida livre, que freqüentemente ia visitá-la. Graças a estas visitas, os pesquisadores encontraram um ninho de harpia na Mata Atlântica da Bahia, infelizmente o ninho não foi reutilizado. "Ainda procuramos o ninho do casal e ainda não tivemos a oportunidade de estudar os novos filhotes", lamenta a ecóloga do Inpa. Uma vez por mês um escalador contratado passa entre 3 e 5 dias procurando o ninho que, se repetir o padrão de harpias da Amazônia, deve estar a 1 quilômetro do ninho abandonado.
A harpia solta em maio foi uma surpresa, que ajudou e muito nas pesquisas. Além do trabalho de monitoramento, foram feitas coletas para exames de DNA. A idéia é comparar o material genético com o da ave que ainda vai ser solta e descobrir os que estas duas aves baianas têm em comum ou até se têm algum grau de parentesco
(Por Vandré Fonseca*, OEco, 10/06/2008)