É uma foto roubada que deu a volta ao mundo. Uma foto que foi tirada à distância, não muito nítida, na qual se distingue uma cena primitiva e silhuetas. Uma foto que nos fez descobrir brutalmente, nos últimos dias de maio, a existência de uma tribo de índios, perdida nas mais remotas profundezas da Amazônia. Pois esta mesma foto, após ter permanecido por alguns dias descansando num canto da memória, ainda mantém toda a sua força.
Olhemos melhor para ela. Ela foi tirada do alto. No seu centro, destacam-se duas ou três choças que formam uma fileira, e das quais é possível entrever apenas os tetos, cobertos por ramos de árvores da cor do sapê. Em suas bordas aparece a massa verde e densa da floresta tropical. Além disso, pisando uma terra excepcionalmente seca e poeirenta, cinco ou seis homens nus levantaram suas cabeças e estão armando seus arcos para atirar em nossa direção, enquanto outros erguem suas lanças contra nós, simples leitores de jornais.
O que estava mesmo acontecendo naquele momento? Nós, os humanos do mundo desenvolvido que nós somos, sabemos muito bem o que foi: um avião ou um helicóptero está sobrevoando esta aldeia de índios solitários e sedentários. Surpresos pela irrupção de um "pássaro de ferro tão barulhento quanto uma tempestade", os "bons selvagens" esboçam um gesto reflexo de defesa.
Mas, justamente, o que mais impressiona aqui não é a descoberta desta tribo de índios, e tampouco a sua atitude defensiva, bastante compreensível, mas sim a foto, esta foto em trajes menores, esta foto nua na época da imagem em movimento. Pois é de se perguntar por que os seus autores não recorreram à câmera de vídeo que nos teria mostrado muito mais detalhes desta cena? Como explicar a ausência de um zoom sobre os rostos desses "selvagens" flagrados contra a sua vontade, que estavam retornando da caça ou que foram despertados em plena soneca? Provavelmente porque a foto precisa de maneira imperativa de uma legenda.
No caso, a legenda foi fornecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que explica que se trata de uma das derradeiras tribos virgens de relações com o mundo exterior (nós voltaremos a abordar a questão deste mundo exterior). Cerca de 250 pessoas integrariam este grupo, e a Funai acrescenta também que as fotos desses índios, cujos corpos estão pintados de vermelho ou de preto, foram tiradas no começo de maio, apesar de terem sido divulgadas apenas um mês mais tarde.
Uma pergunta acaba motivando outra: como a Funai, valendo-se apenas dessas fotos, pode afirmar que há 250 índios neste lugar e que estes índios especificamente constituem uma das derradeiras tribos virgens de todo contato com o mundo global? Porque esta tribo -que vive da agricultura e domina a técnica do fogo- não é de todo desconhecida. Já faz vinte anos que a Funai decidiu protegê-la, interrompendo o diálogo e deixando-a livre para lidar com a sua própria liberdade. Mas, e antes disso? Qual era a natureza precisa das relações entre os protetores e os índios? A história ainda não conta nada a respeito, mas reconhece um pouco por omissão que a descoberta feita no mês de maio de fato não era tão inédita assim.
A Funai optou por revelar a existência desta tribo com o objetivo de chamar a atenção da aldeia global para esta micro sociedade ameaçada pelas companhias petroleiras, que gostariam muito de poder perfurar tranquilamente o solo nos confins do Peru e do Brasil, e pelas madeireiras, que vêm tosando a floresta rente demais. O helicóptero da Fundação, que partiu ao encontro do povoamento perdido, acenou de maneira involuntária com uma mímica dos perigos que estão por vir.
Até então, o silêncio vinha exercendo um efeito protetor. Agora, a informação pode tornar-se salvadora. E, de fato, as autoridades prometeram imediatamente que iriam proteger esses sobreviventes dos cortadores de madeira. Os índios estão cercados, só que à distância. Estão protegidos porque prisioneiros. Mas, será que eles sabem disso? Será que eles conhecem o perímetro da sua liberdade? Terão eles sequer a consciência de serem o nosso mundo exterior, e que nós constituímos o deles?
(
Le Monde, 10/06/2008)