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2008-06-10

Sem chegar à crise do setor de produtos industriais, as negociações agrícolas na Organização Mundial do Comércio também enfrentam dificuldades consideráveis para alcançar os acordos de liberalização pretendidos pela Rodada de Doha. “No momento, não creio que a suspensão das negociações na área de produtos industriais ocasione alguma mudança na agricultura”, disse à IPS Crawford Falconer, presidente do comitê que discute a abertura do comércio agrícola na rodada convocada pela OMC. “Mas, veremos nos próximos dias se tem influência em algumas das delegações”, acrescentou.

Falconer se referia à decisão do presidente do comitê de negociações sobre produtos industriais, Don Stephenson, de interromper as sessões desse grupo devido ao retrocesso registrado nas discussões dos últimos dias. De todo modo, o movimento em torno das tarifas industriais terá efeitos na negociação agrícola, pois impedirá, ou, pelo menos, adiará, o desenvolvimento do “processo horizontal”, como se chama no jargão da OMC a fase seguinte, quando os 152 Estados-membros devem conciliar um equilíbrio entre as concessões que serão outorgadas nesses dois pontos críticos da rodada.

Apesar da paralisação das negociações industriais, as discussões na área de agricultura prosseguirão esta semana após terem atingido “progressos graduais” nos últimos dias, segundo Falconer. “Vejo bem o processo de agricultura, do ponto de vista das reuniões, do esforço que o presidente está fazendo, do intercâmbio de informação e da clareza das posições negociadoras”, disse Alberto Dumont, chefe da missão negociadora argentina. “No entanto, também o considero muito prolongado, como toda a rodada”, acrescentou. A questão principal é saber quanto temas ficarão pendentes para que os ministros resolvam no processo horizontal, acrescentou. Se forem apresentadas aos ministros 25, 30 ou 40 questões por resolver, “isto não será resolvido nunca”, ressaltou.

O negociador argentino estimou que as soluções das questões divergentes devem encontrar-se nas discussões que mantêm em Genebra os chefes de missões e os demais especialistas diplomáticos. Dessa forma, somente as questões políticas cruciais ficariam para os ministros. Mas, desde Paris, onde na quinta-feira fez um discurso no Conselho de Ministros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, mostrou novamente extrema pressa em finalizar o processo iniciado em Doha, capital do Qatar, em 2001.

Lamy disse aos representantes das nações mais ricas do mundo que acredita conseguir ante sde 1º de julho a aprovação das modalidades, com são chamados os parâmetros que condicionarão a última etapa da negociação, quando são fixadas porcentagens e volumes das concessões comerciais. Para conseguir esse objetivo, Lamy cobrou um compromisso intenso dos representantes de alto nível dos países-membros da OMC, que deverão permanecer em Genebra nas próximas duas semanas.

Somente em agricultura, essa pretensão se apresenta como um esforço maiúsculo, pois apesar do clima respirável no setor, em comparação com a negociação industrial, ainda restam por resolver temas conflitivos que demandarão longas discussões, disse à IPS uma fonte comercial. Ainda estão longe os acordos sobre as fórmulas de redução das tarifas alfandegárias de importação e as diferentes formas de subvenções, dois aspectos críticos da negociação agrícola, afirmou a fonte.

Como derivação da formula alfandegária se apresenta o espinhoso tema dos produtos sensíveis, uma denominação que excetuará a redução desses direitos de importação a uma porcentagem determinada de produtos que ingressam nos países ricos. Em troca, essas nações reconhecerão certas cotas de importação, livre de tarifas, para esses produtos protegidos. Além disso, o comitê agrícola deverá discutir nesta semana sobre os produtos especiais e os mecanismos de salvaguardas reclamados em particular pelo grupo dos 33, formado no momento por 46 países em desenvolvimento que reclamam a redação de um novo acordo que atenda suas aspirações nos dois assuntos.

Tal como os sensíveis para os países industriais, os produtos especiais representam bens críticos para o abastecimento das nações em desenvolvimento, que igualmente necessitam de proteção. Por sua vez, as salvaguardas permitem aos países pobres de defender de altos e baixos acentuados nos preços ou nos volumes das importações. O G33 fez saber enfaticamente que “o processo horizontal” apenas será possível quando forem atendidas suas demandas em produtos especiais e mecanismos de salvaguardas. Por fim, segue em discussão duas questões que dizem respeito especificamente à União Européia: os produtos tropicais e a erosão das preferências comerciais que beneficiam as nações ex-colônias desse bloco.

Para complicar o panorama, somaram-se duas questões que aparecem durante os debates: a crise dos preços dos alimentos e a aprovação da lei agrícola no congresso dos Estados Unidos, ainda pendente de sanção do Executivo. Os delegados utilizam a questão da carestia dos alimentos para manter suas posições, seja para demandar flexibilidades que permitam a expansão agrícola nos países em desenvolvimento ou, de um ângulo oposto, para questionar essas mesmas exceções com o argumento de que prejudicam a agricultura, descreveu a fonte comercial.

No caso da lei agrícola norte-americana, dois grupos de peso na negociação agrícola, o G20, integrado pelas principais nações em desenvolvimento – como Brasil, China e Índia – e o Grupo de Cairns, de exportadores agrícolas, afirmaram que essa norma representa um retrocesso na liberalização comercial e cobraram dos Estados Unidos cortes efetivos nos subsídios que dá aos seus agricultores.

Com todos esse temas e enfoques na ordem do dia do comitê de agricultura, Falconer aceitou a possibilidade de redigir um novo rascunho de acordo para incorporar algumas das pretensões das partes. Um tramite desse tipo, de preparação do texto e de exame nas capitais, exigiria pelo menos duas semanas, tempo que conspira contra as intenções do diretor da OMC de concluir as modalidades ainda no mês de junho.

(Por Gustavo Capdevila, IPS, Envolverde, 09/06/2008)


 


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