O conhecimento sobre as mudanças climáticas globais não pára de crescer. Mas, na Amazônia, uma das regiões mais afetadas do mundo por esses fenômenos, as sofisticadas informações científicas não chegam ao pequeno agricultor, limitando sua capacidade de tomar decisões apropriadas para adaptação às mudanças.
A análise foi feita pelos pesquisadores Eduardo Brondizio e Emilio Moran, em artigo publicado na revista Philosophical Transactions B, da Royal Society, em edição inteiramente dedicada à Amazônia.
O artigo se baseou em uma série de estudos de campo feitos pelos dois antropólogos nas últimas décadas. O brasileiro Brondizio, que é chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, trabalha há duas décadas com os povos da Amazônia, região para onde segue anualmente. Moran, cubano naturalizado norte-americano e professor da mesma insituição, estuda a região há três décadas.
De acordo com Brondizio, a desconexão entre informação climática e a realidade dos pequenos agricultores é agravada pelas mudanças na organização social, que têm tornado as populações locais mais flutuantes e heterogêneas.
“A percepção das mudanças climáticas tem sofrido modificações, principalmente entre as comunidades de migração recente. Descobrimos que a maioria dos agricultores não se lembra de eventos climáticos ocorridos há mais de três anos. Em 2002, mais de 50% dos entrevistados não lembravam da seca causada pelo El Niño em 1998, por exemplo”, disse à Agência FAPESP.
Brondizio explica que o estudo procurou, em seu eixo teórico-conceitual, buscar meios para integrar duas tradições diferentes de interpretação das mudanças climáticas: enquanto os antropólogos observam como a cultura local direciona a reação das comunidades às mudanças, os físicos observam o processo em nível regional e global.
“Temos uma vasta literatura sobre os processos adaptativos e de manejo ambiental, mas ela ainda não está conectada com as novas demandas trazidas pela questão das mudanças climáticas. Queremos entender não só como as pessoas percebem mudanças no ambiente local, mas como as informações com dados regionais são utilizadas para orientar a adaptação”, disse.
Além de propor um arcabouço teórico para entender a adaptação às mudanças climáticas, segundo o antropólogo, a pesquisa teve outro eixo cujo objetivo é aplicar essa análise a uma realidade representativa da Amazônia.
“Focamos os estudos de campo em duas áreas do Pará que mostram muito bem os problemas enfrentados pelos agricultores e os limites para lidar com as secas e inundações causadas pelos fenômenos enfocados na teoria: as comunidades ao longo da rodovia Transamazônica, entre Altamira e Medicilândia, e a área ao longo da rodovia BR-163, entre Rurópolis e Santarém”, disse Brondizio.
As duas áreas, segundo conta, abrigam grande número de produtores rurais, na maior parte desassistidos e que integram comunidades extremamente dinâmicas, marcadas por mudanças freqüentes, falta de infra-estrutura e alta taxa de migração e de transformação do uso da terra.
“Essas características criam impedimentos para que as pessoas desenvolvam, ao longo do tempo, uma memória coletiva sobre as mudanças do meio ambiente. Também não conseguem criar formas coletivas de ações adaptativas”, apontou.
Vivência local
Acompanhando as duas áreas, com extensos trabalhos etnográficos, Brondizio e Moran procuraram compreender como as comunidades se modificaram de acordo com pressões externas – tanto econômicas como ambientais. Na região há famílias originárias de processos migratórios antigos e comunidades em plena formação.
“Uma série de pontos chamou a atenção. Um deles foi que a percepção sobre mudanças climáticas é proporcional ao tempo em que os indivíduos estão na região. Os que estão há menos tempo não sabem interpretar os fenômenos, não conseguem perceber se um evento é uma anomalia ou um padrão periódico. E também não têm um vocabulário apropriado para distinguir os fenômenos”, afirmou Brondizio.
Os estudos mostraram também, de acordo com o antropólogo, que comunidades mais antigas têm mais facilidade para desenvolver regras de uso de recursos que minimizam o impacto do uso de fogo para queimadas.
“As formas de ação coletiva, como as precauções para não alastrar o fogo para áreas vizinhas, são mais eficazes em comunidades mais antigas, com redes sociais mais fortes e maior compreensão das sutilezas ambientais”, disse.
(Carbono Brasil, 08/06/2008)