Aproveitamos o feriadão de Corpus Christi para retornar a Santa Maria Madalena, um pequeno município situado na região serrana do Estado do Rio de Janeiro. A primeira vez em que estive lá, fiquei fascinado com a beleza do lugar. Santa Maria Madalena formou-se a partir do café, no século 19, num vale maravilhoso da vertente interna da Serra do Mar. A cidade manteve-se à margem do fluxo de veículos e do turismo predatório. A concepção urbana não tem nada de novo, com suas retas e paralelas ruas, mas o casario conservou uma notável coerência. As matas em redor, a cidade no meio e um clima dos mais saudáveis do Brasil.
O horto florestal do lugar guardava um halo de paz merecedor de reverência. Um prédio com forte influência das idéias republicanas, encimado por um triângulo no qual se acha impresso o brasão da República, é sua sede. Ao lado, um pequeno jardim em homenagem a Santos Lima, farmacêutico e botânico que dirigiu o horto e descreveu várias espécies vegetais. Numa das vezes, visitei também a sede do Parque Estadual do Desengano, que, embora, abandonada, guardava coleções de revistas científicas as quais recendiam um cheiro de antiguidade e sabedoria.
Da estação ferroviária, transformada em casa de cultura, outrora descia uma composição até Conde de Araruama, na planície. Havia, então, duas jóias urbanas: Santa Maria Madalena, na serra, e Quissamã, na baixada. A primeira foi governada por uma aristocracia rural modesta, enquanto que a segunda contava com uma aristocracia rica e agraciada com títulos de nobreza.
Quissamã foi perdendo a sua aureola de jóia preciosa com o advento dos royalties do petróleo. Mesmo com um bom Plano Diretor, ela se descaracteriza progressivamente, não pela destruição dos antigos prédios, mas pela construção de novas edificações.
Retornando agora a Santa Maria Madalena, verifiquei, lamentavelmente, que os córregos envolvidos por ela estão excessivamente poluídos. Até mesmo aqueles que correm na zona rural, como em Terras Frias, por exemplo, estão contaminados. As matas nas encostas que circundam a cidade estão sendo devastadas. Aquelas que continuam de pé estão sendo invadidas por espécies exóticas, como eucalipto, pinus e gmelina.
No horto, o clima é de abandono. As mudas secam e morrem, pois são pouco molhadas. Fui visitar a nova sede do Parque do Desengano. Estava fechada. Conversei com dois turistas que foram lá com o mesmo fim: visitar o prédio, que fica fora do Porque. Consta que foram gastos 500 mil reais na sua construção. Creio que foi muito dinheiro para um prédio modesto. Fui informado que o Conselho do Parque está passando por dificuldades. Confiávamos que, desta vez, a coisa ia, assim como Rosalvo Magalhães e eu confiamos que o Parque finalmente sairia do papel numa reunião em Santa Maria Madalena, em 1986.
A cidade, que propus fosse tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, já está perdendo a sua unidade urbanística e arquitetônica. Há prédios novos a destoar do conjunto. Há reformas descontroladas que não ocorreriam, caso o bem como um todo estivesse protegido pelo tombamento. Assim, a jóia pura da serra já começa a apresentar jaças que tendem a aumentar.
Renovo meu apelo em defesa da regularização completa do Parque do Desengano e do tombamento da cidade. Reitero minha crítica à supressão das matas das encostas, ao desmatamento, enfim, bem como à introdução de espécies exóticas. Encareço que os rios voltem a apresentar águas cristalinas. Aspiro ao retorno do Horto à condição de centro de cultura científica. Há outros caminhos para promover o desenvolvimento que não passam pela destruição.
(Por Arthur Soffiati,
Portal do Meio AMbiente, 05/06/2008)