Depois de muitas controvérsias e insatisfações, representantes de 183 países aprovaram nesta quinta-feira o documento final da Conferência sobre Segurança Alimentar organizada pela FAO (Fundo para Alimentação e Agricultura da ONU) em Roma. O documento confirma o objetivo estabelecido em 1996 de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que passam fome no mundo - atualmente estimado em 862 milhões - e recomenda medidas de curto, médio e longo prazos para enfrentar a crise causada pela alta dos preços dos alimentos.
A conferência ainda concluiu que é preciso dobrar a produção de alimentos até 2030 e ajudar os fazendeiros dos países pobres. O documento também não aponta o etanol como um dos culpados pela crise, depois da bem sucedida negociação do governo brasileiro. “Conseguimos entender bem a dimensão do problema da fome no mundo. Desta vez percebemos que não é uma questão humanitária, mas um problema mundial, que atinge todos os países indistintamente”, disse o diretor geral da FAO, Jacques Diouf, ao encerrar o encontro.
Prioridade
No documento, os governos dos países participantes se comprometem a assumir a segurança alimentar como política nacional permanente e definem como prioridade imediata a ajuda alimentar aos países mais afetados pela crise da alta dos preços.
Diouf anunciou que a agência da ONU recebeu doações de cerca 6 bilhões de dólares, que irão financiar os sistemas de produção agrícola de países menos favorecidos e a distribuição de sementes e fertilizantes.
A segunda linha de ação da FAO prevê medidas de apoio imediato à produção e ao comércio agrícola. Um dos itens desse parágrafo provocou reações negativas da Argentina, por afirmar que “é necessario reduzir ao mínimo a adoção de medidas restritivas que podem incrementar a volatilidade dos preços internacionais”.
Os representantes do governo argentino queriam que os termos “medidas restritivas” fossem retirados do texto final. Recentemente, a Argentina aumentou os impostos para a exportação de grãos do país, principalmente a soja. “Quando se parte de um diagnóstico errado, não é possível encontrar remédios apropriados. Isto é o que ocorreu com esta declaração”, disse um dos negociadores argentinos, que cobrava uma crítica contundente contra os subsídios agrícolas da Europa e dos Estados Unidos no documento.
Liberalização do comércio
O texto pede genericamente a continuação dos esforços para liberalizar o comércio agrícola internacional, reduzindo as barreiras comerciais e as políticas que “distorcem os mercados”. “Subsídios são discutidos no âmbito OMC”, disse Diouf no final da conferência.
O diretor geral da FAO disse que esses problemas serão resolvidos em Genebra, na sede da Organização Mundial do Comércio. A posição argentina teve apoio do bloco latino-americano e isso atrasou as negociações. No final, o termo “medidas restritivas” permaneceu no texto, que terá um apêndice para explicar a posição do país.
Etanol
Dos 9 parágrafos do documento final, apenas 1 é dedicado aos biocombustiveis, um dos pontos mais discutidos da conferência cujo título era “Segurança alimentar mundial: os desafios das mudanças climáticas e a bioenergia". O governo brasileiro negociou, com sucesso, para que o etanol não fosse apontado como o principal culpado da alta dos preços dos alimentos.
“Considerando as necessidades mundiais em matéria de segurança alimentar, energia e desenvolvimento sustentável, é preciso enfrentar os desafios e oportunidades dos biocombustíveis”, diz o texto que sugere “estudos aprofundados para garantir que a produção e a utilização dos biocombustíveis sejam sustentáveis e levem em conta segurança alimentar” .
Na avaliação de Diouf “era o que se esperava”. Segundo o diretor da FAO, alguns países ressaltaram o fato de que os biocombustíveis podem ser uma oportunidade se não forem um obstáculo à segurança alimentar. No final do documento, há o compromisso de usar todos os meios para diminuir o sofrimento criado pela crise atual, estimular a produção de alimentos e aumentar os investimentos na agricultura, usando os recursos do planeta de modo sustentável.
(Por Assimina Vlahou, BBC, 05/06/2008)