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gerenciamento costeiro
2008-06-06

É um dia escuro de janeiro de 2010. Barcos de patrulha com cascos resistentes ao gelo e com a bandeira do Canadá na popa estão avançando em meio a mundos desolados de rocha e gelo no norte da Baía de Hudson. Eles estão lá para deixar um grupo de soldados de elite conhecido como Ice Rangers, soldados treinados para combate acima do Círculo Ártico. A rede de televisão "CBC" está transmitindo ao vivo o maior exercício militar na história canadense. Logo depois, 15 milhões de pessoas assistem a uma reportagem intitulada "Este é o Início da Próxima Guerra Fria?" no YouTube.

Os outros países que margeiam o Ártico seguem o exemplo. A marinha dinamarquesa posiciona embarcações além da costa da Groenlândia, fragatas russas abrem caminho em meio ao gelo ao longo das margens em derretimento da calota polar, e os Estados Unidos constroem uma base naval gigante na Baía de Prudhoe, Alasca. Washington oficialmente a chama de nova cabeça de ponte na guerra contra o terror.

Mas o objetivo real dos americanos é afirmar agressivamente suas reivindicações dos minérios submarinos, incluindo gás natural e petróleo. As partes estão disputando reivindicações polares no Tribunal Internacional de Direito do Mar, em Hamburgo, cada um apresentando seus próprios relatórios periciais sobre a situação. As companhias de petróleo estão coletando seus fatos e já iniciaram perfurações-teste -com proteção militar. Em vez de assegurarem direitos legais, os países envolvidos estão continuamente reforçando seus contingentes de tropas para proteger as plataformas de perfuração.

Este cenário, segundo a Global Business Network (GBN), uma respeitada firma de consultoria com sede em San Francisco, poderia descrever a disputa pelo solo do oceano, rico em minerais, no futuro próximo. E apesar de ser apenas isso -um cenário- ele parece deprimentemente realista.

O último ato global de colonização
Por muitos anos os países vêm desenvolvendo estratégias para ter acesso aos imensos recursos sob o solo do oceano, na esperança de conceber a melhor tática para assegurar e expandir as reivindicações de propriedade, assim como para impedir outros países de defender à força suas reivindicações.

Na semana passada, ministros da Rússia, Canadá, Noruega, Dinamarca e Estados Unidos se reuniram na Groenlândia para explorar formas de impedir uma "corrida desenfreada pelo Pólo Norte", como chamou o anfitrião dinamarquês do encontro, Per Stig Møller. "Se alguém considerar os minerais escondidos sob as profundezas do Ártico e o atual preço do petróleo", disse Møller, "nós veremos que há grandes somas de dinheiro em jogo".

Ainda é uma rivalidade que não ganhou muitas manchetes, e as embarcações envolvidas atualmente ainda são pouco mais que um punhado de navios de pesquisa medindo até onde a plataforma continental -isto é, o solo do oceano mais raso que margeia as costas- se estende oceano adentro. A plataforma continental se estende em média uma distância de 74 quilômetros das costas em todo mundo. Mas em alguns casos ela se projeta significativamente mais. A Plataforma Siberiana, por exemplo, se estende 1.500 quilômetros além da costa. A borda de uma plataforma continental é sempre seguida por um talude continental.

Medições de profundidade e amostras de rocha correspondentes às rochas encontradas no continente são necessárias para demonstrar a extensão de uma plataforma continental. Qualquer país que reivindique uma zona particularmente grande da plataforma deve submeter as evidências necessárias à ONU. Esta é a única forma de um país poder estabelecer uma reivindicação de expansão de suas águas territoriais.

A agência da ONU que lida com estas reivindicações é a Comissão para os Limites das Plataformas Continentais (Clcs, na sigla em inglês), com sede em Nova York. Apesar dela manter um quadro de especialistas em uma variedade de disciplinas científicas, como hidrólogos, geólogos e geógrafos, a Clcs não possui equipe legal. Isto representa um problema, especialmente quando alguém considera que o último ato global de colonização está em questão. Cento e vinte e três anos após a Conferência de Berlim, na qual a África foi subdividida, a comunidade das nações está se preparando para dividir o que resta -e todos seus tesouros.

Quem é dono do oceano?
Tudo isto gira em torno de uma questão central, prioritária: quem será dono dos oceanos no futuro, ou pelo menos de suas amplas periferias? A resposta depende em grande parte da extensão da plataforma continental que os Estados costeiros podem reivindicar, isto é, quão longe sua porção da plataforma continental se estende sob o mar. E, novamente, os países industrializados -que estabelecem o tom desde a Conferência de Berlim em 1885- contam com as melhores cartas. Eles estão em melhor posição para pagar o custo da pesquisa necessária para apoiar com sucesso suas reivindicações.

Como regra, todos os Estados costeiros têm direito a reivindicar uma zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas (370,4 quilômetros). Dentro desta zona, os países desfrutam de direitos de soberania, o que significa que são donos de tudo o que rasteja, nada ou está depositado lá. Se um país puder provar que sua plataforma continental se projeta ainda mais mar adentro, a Clcs pode conceder uma zona de exploração de 350 milhas náuticas (648 quilômetros) ou ainda mais, em casos especiais.

Esta oportunidade tem levado alguns governos a não medir esforços para expandir suas zonas. Um vice-presidente de Parlamento, por exemplo, que está disposto a ser submerso em águas polares em prol de seu país é uma novidade no mundo da política. Em 2 de agosto de 2007, o político russo Artur Chilingarov, 66 anos, embarcou no batiscafo "Mir-1", lançado do navio de pesquisa Akademik Fyodorov e desceu ao fundo do Oceano Ártico, a uma profundidade de 4.261 metros. Luzes dos holofotes do batiscafo fizeram uma varredura dos sedimentos amarelados. Não havia nenhuma criatura viva à vista.

O batiscafo começou a ranger sob a pressão de grande quantidade de água, "como se o mar quisesse nos esmagar", disse posteriormente um membro da expedição. Mas a equipe concluiu corajosamente sua missão. Um braço robótico depositou uma pequena bandeira acrílica russa em uma base feita de titânio à prova de ferrugem no solo do Oceano Ártico.

'Sempre russo'?
Quando os exploradores voltaram para casa, o então presidente russo, Vladimir Putin, se encontrou com eles em Novo-Ogaryovo, sua residência fora de Moscou, onde anunciou que expedições como aquela são "importantes, não apenas para o bem da ciência, mas também em termos geopolíticos, como visto segundo o ponto de vista dos interesses da Rússia nesta parte do mundo".

"O Ártico sempre foi russo e permanece russo atualmente", acrescentou o patriota Chilingarov de barba grisalha. "Se não demarcarmos nossa reivindicação no solo oceânico do norte, outros irão." Chilingarov, um oceanógrafo e membro do partido de Putin, recebeu prontamente o título de "Herói da Federação Russa" e nomeado membro da Academia Russa de Ciências Naturais.

Seu país está reivindicando um total de 1,2 milhão de quilômetros quadrados de solo oceânico, que supostamente contém bilhões de toneladas de petróleo e gás natural. Moscou baseia sua reivindicação no Artigo 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que define o termo "plataforma continental", e espera -otimistamente- que lhe seja concedida uma zona de 350 milhas náuticas.

Mas as chances de Moscou não são boas. Seu primeiro pedido em 2002 foi rejeitado porque os russos não teriam fornecido dados suficientes para apoiar sua reivindicação. Mas o país não desistiu. "Nossa presença no Ártico deve ser óbvia para todos", disse o almirante Andrei Tkatchov. Logo, bombardeiros estratégicos realizavam missões aéreas sobre o Oceano Ártico, como arautos do conflito esboçado no cenário da GBN. E o jornal "Rossiiskaya Gazeta" logo estava invocando imagens de uma "batalha pelo Ártico".


Qualquer membro da convenção da ONU que deseja a revisão de sua zona territorial deve submeter a petição relevante em um prazo de 10 anos após a ratificação do tratado. Para 122 países, este prazo é 13 de maio de 2009. Um governo também pode submeter seus pedidos antes do prazo, ou pode submeter pedidos provisórios. A comissão de Nova York aceita e processa essas petições duas vezes por ano. Mas o grande debate sobre quem é dono dos oceanos apenas começou, e começou restando menos de um ano para a data em que dezenas de petições chegarão ao escritório da Clcs.

A Austrália deu o pontapé inicial. O governo em Canberra assinou o tratado da ONU em 1982, ao mesmo tempo em que ratificava sua própria agenda marítima. Como seu antecessor, o atual ministro da Energia do país, Martin Ferguson, está convencido de que as profundezas escuras dos oceanos são "uma mina de ouro de proporções inimagináveis".

Isto encorajou outros países -especialmente a França- a lançar uma ofensiva de levantamento. Walter Roest, diretor do Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar (Ifremer), com sede em Paris, chama de "uma corrida até as fronteiras finais". Mas a ONU não fornece arbitragem para disputas, com esses assuntos ficando aos cuidados de advogados e diplomatas. Mas seus especialistas confirmam -em parte por meio de análises de amostras de rochas- se um planalto submarino se estende de fato até onde um país gostaria. Se a decisão for afirmativa, qualquer outro país pode impetrar uma objeção em um prazo de três meses, sendo que neste caso o dossiê é devolvido e todas as reivindicações permanecem congeladas.

Corroborando as Reivindicações
Rússia, Dinamarca, Noruega, Canadá e Estados Unidos agora optaram pela rota óbvia, ao se reunirem na conferência na Groenlândia para acertar uma solução mutuamente aceitável para a questão do Ártico. Mas o fato das coisas estarem progredindo pacificamente até agora não é garantia de que será no futuro, quando a exploração dos recursos naturais das zonas de plataforma se tornar lucrativa, um negócio comum. O potencial de ganância -e, portanto, conflito- é enorme.

As zonas costeiras, como são atualmente definidas, cobrem uma área estimada de 60 milhões de quilômetros quadrados em todo o mundo. Isto poderia ser ampliado em 15 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a três quartos da área da América do Norte. Apenas a França, graças a suas possessões ultramarinas, poderia crescer de cerca de 11 milhões para 12 milhões de quilômetros quadrados.

Os franceses já realizaram 14 viagens de pesquisa a bordo de fragatas do Ifremer, do navio de pesquisa Marion Dufresne do Instituto de Pesquisa Polar, e de fragatas da marinha. O geólogo Roland Vially, uma equipe de 15 cientistas e duas dúzias de marinheiros passaram mais de quatro semanas a bordo do Marion Dufresne, examinando o solo do oceano a profundidades entre 200 e 5 mil metros.

Um sistema de sonar forneceu os dados que a equipe usou para desenvolver um mapa tridimensional do solo do oceano. Um visualizador sônico de profundidade permitiu aos cientistas examinar a estrutura da rocha vulcânica no ponto de transição entre o Planalto de Kerguelen e o mar profundo. Os documentos serão submetidos em breve à Clcs.

Roland Vially está satisfeito com sua missão. "Nós queríamos embasar nossas reivindicações submarinas, neste caso, contra os australianos", disse Vially. "Não houve dificuldades." Em lugares onde há sobreposição -por exemplo, nas Ilhas Kerguelen e além da costa da Nova Caledônia- os franceses chegaram a um acordo com Canberra ou ao menos se mostraram dispostos a dividir resultados de pesquisa com seus pares australianos.

Interessados grandes e pequenos
A única briga real até o momento ocorreu entre a Austrália e o minúsculo Timor Leste. Petróleo já é produzido entre os dois países e eles conseguiram estabelecer um acordo. Mas países pobres como o Timor Leste não dispõem de poder para serem bem-sucedidos em conflitos nem da capacidade de apoiar suas reivindicações com dados científicos.

E quanto aos Estados Unidos, a única superpotência restante no mundo? O país ainda não ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Desta vez, isto não foi obra nem do governo Bush e nem da indústria americana, mas de senadores ultraconservadores que vêem qualquer novo tratado da ONU como uma forma de submissão e bloquearam a maioria necessária de dois terços no Senado americano.

Em vez disso, os Estados Unidos optaram por conduzir seus próprios levantamentos. Neste ano, o país gastará US$ 5,6 milhões para provar que sua plataforma continental se estende além das 200 milhas náuticas e que a plataforma continental no norte do Alasca é 200 quilômetros mais extensa do que se presumia.

O vizinho Canadá já adotou o tipo de ação retratada no cenário da GBN. Após os russos enviarem bombardeiros de longo alcance sobre o Ártico pela primeira vez desde o final da Guerra Fria, Ottawa mobilizou dois navios de guerra, um submarino e 600 soldados e policiais para participar na Operação Nanook. O primeiro-ministro Stephen Harper também anunciou que seu país construiria até oito navios quebra-gelo armados para conduzir patrulhas polares a um custo estimado de US$ 3,1 bilhões. O Canadá também está construindo um centro de treinamento militar para clima frio na Baía de Resolução.

A meta de Harper é simplesmente reivindicar grandes trechos do Ártico. "No nosso entender", ele disse, "o primeiro princípio da soberania no Ártico é: use ou perca". Esta postura levou o Canadá a se envolver em uma disputa com a Dinamarca em torno de Hans, uma ilha que pode estar conectada ao Pólo Norte por uma cordilheira submarina. O Canadá também está em atrito com a Rússia em torno de várias zonas marítimas, e até mesmo disputa com os Estados Unidos a Passagem do Noroeste, que em breve poderá ser navegável à medida que derrete o gelo ártico.

Problemas fermentando no Oriente?
Apesar do fato dos ministros que se reuniram na semana passada na Groenlândia terem concordado em resolver as futuras disputas em torno do Pólo Norte de forma pacífica e sob os auspícios da ONU, especialistas como Scott Borgerson, um membro do Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos e um ex-oficial da Guarda Costeira americana, prevêem que a região "poderia mergulhar em uma corrida maluca e armada por seus recursos". A situação poderia se tornar particularmente volátil no Pacífico, colocando China, Japão, Filipinas e Vietnã um contra o outro.

Por que, por exemplo, o Japão não mede esforços para proteger o frágil recife de corais de Okinotori, a ilha mais ao sul do Japão? A resposta não é difícil de encontrar. O pequenino pedaço de terra entre Taiwan e Guam consiste de duas minúsculas elevações que poderão desaparecer em breve em conseqüência da mudança climática -e Tóquio está reivindicando uma zona náutica de 400 mil quilômetros quadrados ao redor desta ilhota, uma área muito maior do que a do próprio Japão. Pequim tem protestado que Okinotori não deveria nem mesmo ser classificada como ilha segundo a lei internacional. Mas o Japão continua cuidando do recife para impedir a erosão de pedaços estrategicamente importantes de terra.

Por mais bizarros que os detalhes desta disputa entre chineses e japoneses possam parecer, o que está verdadeiramente em jogo são os recursos naturais -especialmente o gás natural- assim como o controle militar sobre as águas que cercam Taiwan. Além disso, no Mar do Sul da China, ressurgiu uma disputa em andamento há décadas. Pequim está envolvida em uma antiga disputa com Taiwan, Vietnã, Filipinas e Malásia sobre as ilhas de Spratly e Paracel, que se encontram em outra área onde acredita-se haver reservas de petróleo e gás. Patriotas chineses agitando na Internet alegam que o domínio dos mares é crítico para o desenvolvimento de um país no século 21. Segundo eles, "certamente haverá uma guerra envolvendo China, Japão, Vietnã e outros".

(Por Rüdiger Falksohn, Uwe Klussmann, Cordula Meyer, Jan Puhl, Stefan Simons e Wieland Wagner, Der Spiegel, tradução UOL, 05/06/2008)


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