A explosão dos preços do petróleo está comprometendo gravemente o equilíbrio econômico de numerosos setores de atividades da indústria e dos serviços. Alguns tiram proveito disso e despontam como os beneficiados do novo choque do petróleo; outros estão às voltas com enormes dificuldades para enfrentar as suas conseqüências. São os perdedores.
OS BENEFICIADOS
As companhias petroleiras e as novas energias
As petrolíferas nunca haviam óbtido lucros tão consideráveis. Em 2007, as cinco maiores companhias mundiais do setor (Exxon, Shell, BP, Total, Chevron) totalizaram um lucro líquido superior a US$ 100 bilhões (cerca de R$ 163 bilhões). Mas, quando o petróleo está caro, o nacionalismo petroleiro volta à tona e motiva os países produtores a se fecharem para as companhias privadas. Estas últimas detêm apenas 8% das reservas mundiais e vêm encontrando dificuldades para aumentar a sua produção. Isso explica, segundo avaliação da Total, por que a produção mundial deverá esbarrar num teto de 95 milhões de barris por dia em 2020 (contra 87 atualmente).
As energias "verdes" estão sendo beneficiadas pela conjunção de um petróleo caro, do boom da demanda energética e da mobilização contra o aquecimento climático. Em 2006, elas mobilizaram US$ 100 bilhões (em transações, investimentos e fusões-aquisições...), segundo um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Na França, é o setor da energia eólica que vem se desenvolvendo mais rapidamente. O parque de turbinas de vento alcançou uma produção de 2.455 megawatts (MW) em 2007. Com isso, o país passou para o 3º lugar entre os países europeus, atrás da Alemanha e da Espanha.
Os especuladores
A explosão dos preços do petróleo constitui uma dádiva para os fundos especulativos (hedge funds). Aqueles que se especializaram nas matérias-primas andaram registrando rendimentos anuais de mais de 100%. Por meio de uma mecânica financeira que inclui efeitos de alavanca, os seus lucros disparam toda vez que o barril passa a custar alguns dólares a mais. E quando a crise dos subprimes (créditos hipotecários podres) espalhou a confusão na totalidade dos mercados financeiros, uma multidão de outros fundos se refugiou nos mercados da energia e das matérias-primas. A sua atuação é tão importante atualmente que esses fundos estão sendo acusados de serem em parte responsáveis pela disparada dos preços do "ouro negro". As suas posições especulativas contribuiriam para encarecer o preço do barril em US$ 15 a US$ 25.
O transporte ferroviário
Guillaume Pepy, o presidente da SNCF (a companhia ferroviária estatal francesa), se mostra particularmente otimista. O encarecimento da gasolina deverá incentivar uma parte dos motoristas a preferirem o trem. Quanto ao transporte de mercadorias, "estamos vivendo um momento histórico e não se pode perder a oportunidade que ele representa", diz. "Entre as buscas de soluções para o meio ambiente em nível nacional, entre o governo e as empresas, e o aumento das cotações do petróleo, tudo está apontando em favor de um desenvolvimento do frete sobre trilhos".
AS VÍTIMAS
O transporte rodoviário
Esta atividade tem sido uma das mais atingidas pela crise petroleira. No momento em que as transportadoras rodoviárias já havia sido atingidas pelos sucessivos aumentos dos pedágios de auto-estrada (+ 25% em três anos) e pelo encarecimento crescente dos seus equipamentos, elas foram atingidas em cheio pelo aumento das cotações do petróleo e, portanto, do diesel. Segundo a Federação das Companhias de Transporte e de Logística da França (TLF), em meados de maio, o preço médio do diesel na bomba era de 1,41 euro (R$ 3,55) o litro, ou seja, 1,18 euro fora a TVA (taxa sobre produtos e serviços). Com isso, o litro de diesel aumentou em 16,72% desde o começo do ano, e em 37,64% desde janeiro de 2007.
Daqui para frente, o item "combustíveis" representa 28% dos custos de exploração de um veículo de transporte rodoviário. As federações profissionais buscam obter medidas de emergência por parte do governo, como o adiamento do pagamento de certas contribuições fiscais e sociais (taxa profissional), além do reescalonamento de certos encargos obrigatórios. Mas, o que elas desejam acima de tudo é a implantação de sanções penais que seriam destinadas a obrigar as empresas "cargueiras" - os clientes das transportadoras - a aceitarem a repercussão da evolução do custo do combustível sobre o preço faturado, uma medida que deveria tomar a forma de uma emenda à lei de modernização da economia.
O transporte aéreo
Enquanto os biocombustíveis, a eletricidade ou o hidrogênio representam energias alternativas eventuais para o transporte ferroviário, rodoviário ou marítimo, vai ser muito mais difícil dispensar os derivados do petróleo para fazer os aviões voarem. Em março, baseando-se num preço médio do barril a US$ 86, a Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA) havia previsto que o setor faturaria, no seu conjunto e em todo o mundo, cerca de US$ 4,5 bilhões (R$ 7,33 bilhões) em 2008.
Em 2 de junho, por ocasião da sua assembléia geral, o discurso mudou da água para o vinho: baseando-se numa cotação média de US$ 106,5, o transporte aéreo deverá registrar uma perda anual de US$ 2,3 bilhões (R$ 3,75 bilhões). Para Giovanni Bisignani, o diretor geral da IATA, o cálculo é simples: "Toda vez que o preço do petróleo aumenta em US$ 1, os custos operacionais das companhias aumentam em US$ 1,6 bilhão [R$ 2,61 bilhões]". Em 2002, o total da fatura que as companhias tiveram de pagar era de US$ 40 bilhões (13% dos custos). Em 2008 (com base numa cotação de US$ 106,5 o barril), esta mesma faturar deverá somar US$ 176 bilhões (cerca de R$ 287 bilhões, o que representa 34% dos custos operacionais).
O automóvel
"Durante muito tempo, nós vivemos num mundo em que o petróleo não era caro. E quando o preço do barril subia um pouco, nós achávamos que isso não iria durar e optávamos por não investir em projetos próprios para superar eventuais rupturas tecnológicas", reconhece Carlos Ghosn, o patrão do grupo Renault-Nissan. Atualmente, com um petróleo que deverá permanecer caro de maneira duradoura, a indústria automobilística não pode mais apostar apenas no motor térmico. No curto prazo e no médio prazo, o aumento do petróleo terá um impacto negativo sobre os objetivos de rentabilidade e as margens das montadoras. Uma vez que a indústria utiliza um grande número de peças de plástico, os custos de fabricação se tornaram logicamente mais elevados. As montadoras também estão à mercê de uma modificação dos comportamentos dos automobilistas. No espaço de um ano, o consumo de gasolina diminuiu de 7% nos Estados Unidos. As montadoras estão tentando preservar as suas vendas comercializando uma maior quantidade de carros pequenos e que consomem menos combustível, mas cujas margens de lucro também são menos elevadas. "Todas as montadoras estão condenadas a sofrerem muito, pois elas serão obrigadas a gastar bilhões de euros com pesquisas, de modo a comercializarem veículos dotados de novas tecnologias", avisa Remi Cornubert, um diretor associado na consultora em estratégias de mercados Oliver Wyman.
O turismo
Os turistas serão forçados a modificarem seus projetos? A organização Europe Assistance, com a ajuda do instituto de pesquisas Ipsos, tentou responder a esta pergunta. Segundo esta firma especializada na assistência aos viajantes, o aumento dos preços dos combustíveis tem uma repercussão direta sobre o orçamento de férias de mais de um terço (38%) dos europeus que costumam viajar durante as férias. O aumento dos preços do petróleo teria uma influência direta para 34% dos turistas europeus no que diz respeito ao seu modo de transporte, para 29% dentre eles em relação ao seu destino, e para 23% dentre eles no que se refere à duração das suas férias. Um grande número de agências de viagens se verá obrigado a repercutir as conseqüências do aumento dos preços da energia sobre as tarifas das suas prestações de serviços.
A química
Para a indústria química francesa, toda vez que o preço do barril de petróleo aumenta em US$ 10, isso se traduz por um aumento de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 5 bilhões) das suas despesas com matéria-prima e pesquisas. O montante total desses custos era de 81 bilhões de euros (cerca de R$ 200 bilhões) em 2007. O problema das companhias químicas é poderem repercutir esses aumentos de preços para os seus clientes. O grupo americano Dow Chemical anunciou, em 28 de maio, que ele iria aumentar os preços de "todos os seus produtos em 20% no máximo". Em sua maioria, os grupos especializados na petroquímica conseguiram aumentar suas tarifas.
No curto prazo e no médio prazo, os consumidores de produtos industriais (carros, telefones, computadores...) fabricados por meio de pinturas e de plásticos deverão se preparar para um aumento dos preços. Num prazo mais longo, os grupos químicos deverão priorizar nos seus investimentos o desenvolvimento de materiais que consumirão menos energia. No setor da construção civil, desde já as novas qualidades de cimentos, colas, argamassas, entre outros, dividiram o consumo por quatro.
A agricultura
Segundo o ministério (francês) da agricultura, o óleo combustível representa 20% dos custos totais das firmas agrícolas. Muito mecanizada, a profissão vem consumindo cada vez mais combustível. Além disso, uma fazenda de grande porte utiliza importantes quantidades de produtos derivados do petróleo: há aqueles que incluem plástico em sua composição, como o barbante para amarrar os feixes de palha, ou ainda as lonas para cobrir os silos, mas também os adubos e os produtos fitossanitários. Os agricultores que trabalham com estufas são os mais atingidos, pois eles consomem quantidades enormes de combustíveis para a calefação. Os aumentos das cotações dos grãos estão fazendo com que os produtores de cereais possam compensar suas perdas, o que é impossível para os criadores de porcos ou de aves, os quais são também vítimas do aumento dos preços das rações para os animais.
As soluções se concentram principalmente na limitação do consumo, por meio dos avanços oferecidos pela agricultura de alta precisão, que permite evitar passar com os tratores várias vezes no mesmo lugar, além de utilizar de maneira mais eficiente os produtos químicos. Existe uma outra saída a respeito da qual a profissão está refletindo, relativa à produção de energia nas diversas áreas da fazenda, com a utilização de painéis fotovoltaicos (energia solar), além da transformação dos resíduos, ou ainda a produção caseira... de combustível agrícola.
A pesca
Logo no outono de 2007, os pescadores já pediram ajuda. O "diesel para a pesca", totalmente livre de taxas, custava então 50 centavos de euro; desde então, ela já superou os 70 centavos de euro. Segundo o Comitê Nacional das Pescas, o óleo combustível representava 15% dos custos de produção de barco pesqueiro em 2004, 30% há seis meses, e mais de 50% atualmente. Os marinheiros pescadores enfrentam uma dupla dificuldade: o seu pagamento vem sendo diretamente reduzido pelo aumento dos preços dos combustíveis, no quadro do sistema de salário compartilhado (uma partilha entre os membros da tripulação não só do produto da venda, como também das despesas do barco). Ora, o seu patrão não pode aumentar o preço do peixe, porque este é vendido em leilão.
(Le Monde, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL, 05/06/20080